O biólogo marinho João Canilho Santos ajuda-nos a saber mais sobre a alga exótica invasora, que motivou o Governo a aprovar uma estratégia nacional para travar o seu avanço.
WILDER: O que torna esta alga uma ameaça?
João Canilho Santos: À semelhança de outras espécies invasoras, a Rugulopteryx okamurae reúne um conjunto de características biológicas que a tornam mais apta do que outras espécies, inclusive nativas, a aumentar a sua área de expansão, em termos de velocidade e densidade espacial. Do ponto de vista biológico, o seu comportamento invasivo é potenciado por uma reprodução vegetativa prolífica – a fragmentação do talo de um organismo origina novos organismos. Estes talos e fragmentos de algas, ao contrário do que ocorre com outras espécies, sobrevivem mesmo quando desprendidos do substrato rochoso. Além disso, esta espécie tem uma maior tolerância a diferentes condições ambientais, inclusive a condições desfavoráveis como, por exemplo, em casos de excesso de concentração de nutrientes na água. Um estudo demonstrou que a R. okamuarae é capaz de aumentar linearmente a assimilação do elemento azoto, que se encontra muitas vezes presente na coluna de água enquanto poluente de atividades agrícolas, esgotos ou outras atividades antropogénicas, em resposta a um aumento da concentração de nitrato (um composto de azoto) no oceano. Ou seja, quanto mais nitrato existir na água, mais a alga o assimila e o utiliza para o seu benefício, demonstrando a sua eficiência no aproveitamento dos nutrientes disponíveis. O conjunto destes fatores pode explicar algumas das razões por que prolifera tanto e consegue atingir grandes proporções de biomassa.
W: É a única alga exótica invasora que tem uma estratégia nacional para a sua gestão?
João Canilho Santos: Sim. Em termos concretos, a Estratégia Nacional para a Gestão da Macroalga Invasora Rugulopteryx okamurae, Portaria n.º 270-A/2025/1 de 23 de julho, é a única que visa especificamente a gestão dos impactos de uma espécie de alga em particular.
Existe, no entanto, no seguimento da Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e Biodiversidade para 2030 (ENCNB 2030), o Decreto-Lei n.º 92/2019 de 10 de julho relativo à prevenção e gestão da introdução e propagação de espécies exóticas invasoras, no qual se listam 18 espécies de macroalgas. Em termos operacionais, ambos os documentos são dois instrumentos de política pública que visam a construção de um sistema de gestão, controlo e alerta precoce das ocorrências destas espécies, a minimização dos seus impactos e a sua erradicação ou aproveitamento enquanto fontes de grandes quantidades de biomassa.
W: Como a podemos identificar e distinguir das demais algas?
João Canilho Santos: A Rugulopteryx okamurae é uma alga castanha, originária da zona asiática do Pacífico, pertencente à mesma família de outras algas nativas em Portugal, como a Dictyota dichotoma, Dictyopteris polypodioides, Taonia atomaria, entre outras. Infelizmente, pela sua proximidade taxonómica com as espécies nativas, identificá-la individualmente nem sempre é uma tarefa fácil. Tem características comuns com as restantes algas da mesma família, como talos de 3 a 10 cm de comprimento e 3 a 10 cm de largura; uma coloração castanho-amarelado e sem iridescência debaixo de água. No entanto, devido ao seu crescimento descontrolado em Portugal, é possível identificá-la como a maior constituinte das massas de macroalgas que são trazidas pelas correntes até à costa. Apesar de se conseguir identificar com um elevado grau de confiança através da sua morfologia, acredito que de forma a compreendermos mais este organismo e as suas possíveis diferentes populações e adaptações aos diferentes locais, a sua identificação passará a ser complementada através de técnicas moleculares, como a técnica do Código de Barras do DNA.
W: Quais os impactos desta espécie nos ecossistemas marinhos?
João Canilho Santos: A presença da Rugulopteryx okamurae provoca impactos ecológicos nos ecossistemas marinhos na zona submersa, na zona entremarés e emersa. Em profundidade e fixa ao substrato, esta alga parece ser imune à herbivoria ao apresentar, segundo alguns estudos, compostos que detêm e lhe conferem resistência a alguns herbívoros nativos, reduzindo assim a sua predação e permitindo que estenda o seu domínio sobre o espaço de outras algas. Ao aumentar a sua área, reduz a de algas nativas mais sensíveis, como as algas coralinas. Adicionalmente, caso seja fragmentada, estas pequenas porções de alga mantêm-se fotossinteticamente ativas mesmo quando desprendidas do substrato, criando uma espessa camada à superfície da massa de água que impede a passagem de radiação para as camadas que normalmente a receberiam. Consequentemente, todos os outros organismos imersos e dependentes desta radiação para a realização da fotossíntese, acabam amplamente afetados ou chegam mesmo a não sobreviver. Por estarem interligados, outros organismos animais são igualmente afetados devido à acumulação desta biomassa e ao desequilíbrio no ecossistema. Mas não é só. Já na costa e na zona de areal, estes afloramentos entram em decomposição pela ação dos microrganismos que degradam a matéria orgânica da alga, com a consequente libertação de CO₂ para a zona entremarés e atmosfera.