Casal de albatrozes-de-sobrancelha. Foto: Francesco Ventura

Mares mais quentes levam albatrozes, das aves mais fiéis, a aumentar taxas de divórcio

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Em anos com temperaturas da superfície do mar mais elevadas há mais divórcios entre os casais de albatroz-de-sobrancelha de New Island, nas ilhas Falklands, descobriu uma equipa internacional de investigadores, liderada por portugueses.

Os albatrozes são conhecidos por formarem dos casais mais fiéis e longevos do reino animal. Contudo, embora a uma taxa reduzida, os divórcios são uma realidade e, no caso do albatroz-de-sobrancelha (Thalassarche melanophris) estão a tornar-se mais frequentes, de acordo com um artigo publicado a 24 de Novembro na revista científica Proceedings of the Royal Society B.

Colónia de albatrozes-de-sobrancelha. Foto: Paulo Catry

Para o descobrir, os investigadores acompanharam cerca de 500 casais de albatrozes durante cerca de 20 anos em cinco sub-colónias em New Island, ilha onde se estimam que vivam cerca de 15.500 casais. Olharam, em especial, para a ocorrência de eventos de divórcio, ou seja, quando ambos os membros de um par previamente estabelecido estavam vivos na colónia, mas pelo menos um deles estava a nidificar com um novo parceiro. Descobriram que a taxa anual de divórcio variou substancialmente no tempo, flutuando entre 1% a 8%.

“Quando percebemos que uma mesma população tinha taxas de divórcio diferentes em anos sucessivos, perguntámo-nos se essas flutuações seriam explicadas por mudanças nas condições ambientais enfrentadas pelos albatrozes reprodutores”, explicou, em comunicado, Francesco Ventura, investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). “E, de facto, desde o início que os resultados da nossa análise sugeriram que era mesmo isso que estava a acontecer”.

Colónia de albatrozes-de-sobrancelha. Foto: Paulo Catry

O estudo da monogamia social e do divórcio em aves tem uma longa história e têm sido propostas muitas hipóteses para explicar a razão que leva esses animais a divorciarem-se.

Em geral, o divórcio é considerado uma estratégia para corrigir as parcerias sub-ótimas, sendo desencadeado por falhas em tentativas de reproduções anteriores. Normalmente o divórcio é iniciado pelas fêmeas, que deixam o ex-parceiro para se reproduzirem com um parceiro “melhor”.

“Não é uma regra estrita”, comentou Paulo Catry, professor e investigador no Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) do ISPA – Instituto Universitário que, desde 2003, iniciou e coordena o estudo dos albatrozes nas Falkland. “É verdade que casais que falham uma tentativa de reprodução são cinco vezes mais propensos a divorciarem-se. Contudo, muitos casais que não tiveram sucesso permaneceram juntos e alguns que tiveram sucesso divorciaram-se de qualquer forma. O sucesso reprodutor não explica tudo.”

Foto: Paulo Catry

Na verdade, os modelos estatísticos usados nesta investigação mostram que independentemente do sucesso anterior, os casais de albatrozes são consistentemente mais propensos a divorciarem-se em anos caracterizados por temperaturas da superfície do mar mais elevadas.

As temperaturas da superfície do oceano são consideradas indicadores úteis da disponibilidade de alimento para as aves marinhas, com temperaturas mais baixas propiciando águas ricas em nutrientes e mais produtivas, e temperaturas mais altas indicando condições de poucos recursos.

“Isto não foi uma surpresa total, pois sabíamos, através dos nossos estudos já publicados, que os albatrozes-de sobrancelha de New Island têm mais dificuldade em reproduzir-se com sucesso em temporadas com águas mais quentes”, explicam os investigadores. “Todavia, o presente estudo representa a primeira evidência quantitativa de um impacto direto do ambiente no divórcio… Isto fez-nos pensar sobre as várias formas, não imediatamente óbvias, pelas quais as mudanças ambientais e climáticas podem afetar as populações selvagens. Quando as aves se divorciam, isso também pode ter implicações negativas para o seu sucesso reprodutor, pelo que o aumento das taxas de divórcio não é inconsequente”.

Os autores concluem o artigo especulando sobre dois mecanismos potenciais que vinculam diretamente o divórcio a condições ambientais mais adversas.

Foto: Paulo Catry

“Em anos maus, os custos da reprodução são maiores e isso pode fazer com que os albatrozes precisem de mais tempo para se prepararem para a estação reprodutora seguinte, chegando mais tarde e de forma assíncrona à colónia de nidificação o que, em última instância, leva a que se divorciem com maior frequência”, explica José Pedro Granadeiro, investigador do CESAM – FCUL e co-autor do estudo.

“Outra possibilidade pode ser representada pelo stress fisiológico. Em anos mais difíceis, as aves têm mais dificuldades em encontrar alimento e podem ter níveis mais elevados de hormonas de stress. Se um membro do casal, provavelmente a fêmea, atribuir erroneamente o seu próprio stress elevado a um mau desempenho do parceiro nos cuidados parentais, isso pode também levar à ruptura de uma relação de casal”.

Paulo Catry planeia continuar este estudo com albatrozes nas Falkland, ao qual tem dedicado boa parte de sua vida profissional, por muitos mais anos. “Com espécies de vida longa, como os albatrozes, realizar estudos de longo prazo é de fundamental importância para compreender a ecologia da população e, em última instância, para promover sua conservação”.

Esta terá sido a primeira vez que investigadores documentaram os efeitos disruptivos de condições ambientais adversas na reprodução de uma população monógama. Os divórcios causados por alterações ambientais serão, assim, uma consequência ainda mal estudada das alterações climáticas.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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