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Mosca-das-flores. Foto: Will Hawkes

Insectos sobrevoam montanhas e continentes numa das maiores migrações do planeta

17.06.2024

Todos os anos, milhões de insectos deixam África para migrar até à Europa mas apenas os seus bisnetos chegarão ao destino. Um novo estudo revela a importância destas migrações para o planeta, já que estes animais ajudam a polinizar flores, controlar pragas e reciclar nutrientes.

Uma das maiores migrações do mundo é feita por alguns dos seus habitantes mais pequenos. São viagens épicas as reveladas por um estudo de investigadores da Universidade de Exeter que olharam para as migrações das espécies que passam sobre os Pirinéus entre a Europa e África.

Os investigadores estimaram, num artigo publicado na revista Proceedings of the Royal Society B, que cerca de 17 milhões de insectos – incluindo moscas, abelhas e libélulas – atravessam todos os anos o Vale de Bujaruelo, uma passagem com cerca de 30 metros entre duas montanhas nos Pirinéus, entre Espanha e França.

As moscas representam mais de 89% desses migradores; as borboletas e as libélulas apenas menos de 2%.

Dois dos migradores mais importantes são as moscas-das-flores-comuns (Episyrphus balteatus) e as moscas-das-corolas (Eupeodes corollae). As suas larvas alimentam-se de afídeos, ajudando a controlar estas pragas, enquanto que os adultos são polinizadores importantes.

A equipa visitou aquele vale todos os Outonos durante quatro anos para monitorizar o número e a variedade de insectos que diariamente seguia para Sul. As conclusões do estudo sugerem que milhões de insectos atravessam os Pirinéus todos os anos, fazendo daquele um local crucial para muitas espécies migradoras.

Ainda assim, Will Hawkes, o principal autor do estudo e investigador na Universidade de Exeter, salienta que esses números são muito inferiores à verdadeira escala das migrações invisíveis aos nossos olhos que acontecem sobre as nossas cabeças.

“A migração de insectos que estamos a ver em Bujaruelo é certamente impressionante mas é apenas uma parte de algo muito maior”, disse Will citado num comunicado do Museu de História Natural de Londres. “Só no Sul de Inglaterra, um estudo sugere que cerca de 3,5 triliões de insectos migram sobre as nossas cabeças todos os anos!”

Os investigadores registaram o número, as espécies, as condições meteorológicas e os papéis e impactos ecológicos destes migradores. Para isso usaram uma câmara de vídeo para contar os pequenos insectos, contagens visuais para quantificar as borboletas e uma armadilha para identificar os insectos migradores.

“O que descobrimos foi verdadeiramente espantoso”, comentou Will Hawkes em comunicado da Universidade de Exeter. “Houve dias em que o número de moscas superou em muito os 3000 indivíduos por metro, por minuto.”

“Ver assim tantos insectos, todos a mover-se com um propósito na mesma direcção, ao mesmo tempo, é mesmo uma das maiores maravilhas da natureza”, comentou Karl Wotton, coordenador da equipa.

O pico de insectos acontecia quando o dia estava quente, ensolarado e seco, com vento fraco e contrário, para manter os insectos a voar baixo e assim poderem ser contados. “A combinação de montanhas de grande altitude e os padrões dos ventos tornaram o que normalmente é uma migração de alta altitude invisível num incrivelmente raro espectáculo observável ao nível do solo”, acrescentou Wotton.

A viagem destes insectos através do vale de Bujaruelo foi descoberta por acaso. Os ornitólogos David e Elizabeth Lack identificaram esta migração em massa durante uma expedição de investigação nos anos 1950. Na altura, o fenómeno foi publicado num artigo científico.

Décadas mais tarde, outros estudos revelaram que as migrações de insectos ocorrem a uma escala muito maior e são mais comuns do que se pensava. Segundo explica Erica McAlister, daquele Museu de História Natural, os insectos migram “seguindo as estações do ano e os recursos”. “As pessoas tendem a prestar atenção às borboletas monarca e às libélulas, mas esses não são os únicos insectos que migram. Sabemos que migrações semelhantes acontecem por todo o mundo”, acrescentou.

As moscas fazem a vasta maioria desses migradores mas historicamente têm sido pouco estudadas, por causa das dificuldades em identificá-las.

“As moscas são o grupo de animais mais diverso ecologicamente e fazem tudo, desde a polinização à decomposição”, notou ainda Erica McAlister. “Uma das principais razões para isto é a diferença entre as moscas adultas e as suas larvas, que têm estilos de vida muito diferentes.”

Uma única mosca pode ser capaz de fazer toda a viagem da Europa ao Norte de África no Outono, mas vai morrer antes de fazer a viagem de regresso. Na Primavera, os seus descendentes vão seguir a floração das plantas na Europa, para Norte, e talvez os seus bisnetos regressem à Europa.

“Apesar de nenhuma mosca completar a viagem de ida e volta, prestam um importante contributo ao mover nitrogénio e fósforo através do mundo”, acrescentou Erica. “Isso é libertado no ambiente quando morrem, contribuindo para a saúde dos solos e ajudando as plantas a crescer.”

Além disso, “as etapas da jornada que cada indivíduo faz são importantes para garantir o fluxo genético entre grupos isolados e aumentando a diversidade genética das populações locais”.

Por causa da crise climática e da perda de habitat, estes insectos migradores vitais estão em declínio. “Ao divulgar o conhecimento sobre estes migradores espantosos podemos potenciar o interesse e a determinação em proteger os seus habitats”, considerou Hawkes.

“Os insectos são resilientes e podem recuperar rapidamente. Juntos podemos proteger estes migradores, os mais espantosos de todos.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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