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“Estamos muito longe de conhecer a fauna de insectos em Portugal Continental”

30.11.2017

Patrícia Garcia Pereira é investigadora do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Em entrevista à Wilder, diz que “os entomólogos portugueses contam-se pelos dedos” e alerta para a necessidade urgente de aumentar o conhecimento sobre os insectos, que passa pela mudança do ensino nas escolas e por uma maior aposta na investigação científica da diversidade e ecologia destas espécies.

 

Wilder: Quais são as principais lacunas no conhecimento sobre os insectos em Portugal?

Patrícia Garcia Pereira: Todas! A fauna de insectos de Portugal é muito mal conhecida, com excepção de alguns grupos, como borboletas, libélulas, e algumas famílias de escaravelhos. Vamos no bom caminho em relação ao conhecimento de gafanhotos e grilos, com pelo menos quatro pessoas a trabalhar com estes insectos, mas ainda não existe uma lista de espécies válida para o território continental. Se pensarmos que os insectos são aproximadamente 80% da diversidade de qualquer ecossistema terrestre, estamos muito longe de conhecer a fauna de Portugal Continental, que deve ser superior a 20.000 espécies….

 

W: Há falta de investigadores nesta área?

Patrícia Garcia Pereira: Os entomólogos portugueses contam-se pelos dedos. Não há grupos de investigação dedicados à diversidade de insectos nas universidades e centros de investigação em Portugal. Só conheço um investigador que trabalha em abelhas e vespas, que devem ser mais de 2.000 espécies. Da ordem das moscas, conheço três pessoas com bom conhecimento e nem todas são profissionais.

Em contrapartida, o panorama nas Ilhas é totalmente distinto. O grupo da Universidade dos Açores liderado pelo Paulo Borges, também investigador do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Climáticas, tem feito um trabalho sistemático e contínuo na inventariação e monitorização da fauna de insetos. Está publicada a lista de espécies dos arquipélagos da Madeira e Açores e os resultados também podem ser consultados online.

 

W: O que é necessário fazer para resolver esta falta de conhecimento?

Patrícia Garcia Pereira: Em primeiro lugar era preciso alterar completamente o sistema educativo, desde o básico ao universitário, introduzindo desde logo a diversidade e importância ecológica do grupo dos insectos. Como é que se fala de biodiversidade, conservação da natureza, relações ecológicas, sistemas de ecossistemas, sem fazer praticamente uma referência ao grupo de animais responsável pela qualidade ambiental e funcionamento dos ecossistemas, pelo menos no meio terrestre? Está tudo virado ao contrário.

As crianças do 1º ciclo têm contacto com os insectos? Quantas vezes se fala de insectos na disciplina de Ciências Naturais do ensino básico? Os alunos de Biologia do secundário ouvem falar de insectos? Mesmo nas universidades, o ensino sobre a diversidade de insectos está a desaparecer. E quantas teses de mestrado e doutoramento sobre insectos são realizadas anualmente em Portugal?

 

W: E na investigação?

Patrícia Garcia Pereira: Claro que também é essencial alterar as políticas científicas e apostar fortemente na investigação sobre a diversidade e ecologia dos insectos. Só alguns exemplos: precisamos urgentemente de uma Lista Vermelha, para saber quais as espécies ameaçadas de extinção. Também precisamos urgentemente de conhecer a diversidade de polinizadores, antes que a vespa-asiática destrua as nossas espécies silvestres, e de um plano nacional de monitorização de grupos indicadores (como as borboletas ou libélulas) para perceber o efeito da seca e do aquecimento global na biodiversidade. Precisamos editar mais guias de campo sobre insectos.

É um trabalho a longo prazo que é preciso planear, coordenar com todas as unidades de investigação, para iniciar uma estratégia nacional o mais depressa possível.

 

W: Esta falta de conhecimento é também comum a outros países europeus?

Patrícia Garcia Pereira: Sim, a questão da diminuição de investigadores dedicados à identificação de insectos é um problema mundial. Há cada vez menos especialistas a trabalhar em museus ou grupos de investigação em sistemática. No século XX, com o desenvolvimento de outras áreas na Biologia, como a genética, bioquímica, especializações e áreas cada vez mais aplicadas, foi deixado para trás o conhecimento clássico da sistemática. É um erro que vamos pagar caro.

Para combater doenças, para fazer estudos ecológicos, evolutivos, em biogeografia, mesmo os obrigatórios estudos de impacto ambiental, é preciso antes de mais identificar as espécies. Com o desaparecimento dos especialistas, vão surgindo cada vez mais erros grosseiros e com graves consequências.

No entanto, o panorama em quase todos os países europeus é melhor que o nosso, especialmente nos países do Norte. Embora não se conheça a diversidade de alguns países do Leste – talvez apenas a Roménia esteja mais atrasada -, o nível de conhecimento na Bulgária, Grécia, Itália e Espanha é muito superior.

 

W: Ainda assim, têm surgido avanços em Portugal nos últimos anos?

Patrícia Garcia Pereira: Sim. Já falei do caso dos gafanhotos e grilos. A minha equipa de trabalho tem levado os insectos a muita gente, com actividades, visitas guiadas, cursos, jogos e exposições. O trabalho do Ernestino Maravalhas levou à publicação dos dois únicos guias que existem sobre insectos em Portugal (borboletas e libélulas). No CISE – Centro de Interpretação da Serra da Estrela está uma exposição que resultou de um projeto de investigação sobre a fauna entomológica das lagoas do planalto da serra.

O Museu Nacional de História Natural e da Ciência em Lisboa, Museu de Ciência de Coimbra, Museu de História Natural do Porto, têm finalmente pelo menos um curador a trabalhar com insetos. São tudo pontos positivos, embora insuficientes, isolados, talvez precários, e muito dependentes da boa vontade, esforço e qualidades individuais.

 

W: A rede das Estações da Biodiversidade pode dar uma ajuda para se conseguir mais conhecimento nesta área?

Patrícia Garcia Pereira: A rede de Estações da Biodiversidade (EBIO) está focada em disponibilizar informação ao público sobre biodiversidade, especialmente insectos e plantas, que são a base do funcionamento dos ecossistemas terrestres e também mais fáceis de observar. Existem neste momento um total de 41 percursos, de Norte a Sul do país, marcados com painéis de informação e prontos para receber os visitantes que queiram conhecer melhor a diversidade que os rodeia. Espera-se que dêem um passo à frente e que durante os seus passeios se divirtam a registar as espécies que encontram, para depois partilhar na plataforma BioDiversity4All.

 

W: Quais são os planos para o futuro das EBIO?

Patrícia Garcia Pereira: A nossa equipa está dedicada neste momento a compilar toda a informação reunida, mais de 900 espécies de insectos observadas na rede, para editar livros digitais por grupo e lançar um novo website, onde se poderá consultar uma ficha o mais completa possível sobre a identificação, biologia e ecologia de cada insecto. Em relação à flora, as espécies das Estações da Biodiversidade estarão brevemente disponíveis no portal Flora-On.

O papel das Estações da Biodiversidade e dos investigadores é partilhar a informação, ensinar, disponibilizar ferramentas, etc. Mas para aumentarmos o conhecimento precisamos da participação do público – independentemente da profissão e idade – que queira contribuir para a conservação da natureza e biodiversidade do nosso país.

 

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Patrícia Garcia Pereira é também coordenadora da Rede de Estações da Biodiversidade. Leia este artigo da Wilder, para conhecer melhor o projecto, e fique a saber como pode colaborar.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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