Em Outubro, ornitólogos alemães detectaram um milhafre-real perto de Frankfurt que deixou entusiasmado um centro de recuperação de vida selvagem em Portugal. Esta era a ave que, em 2016, tinham conseguido recuperar, o único sobrevivente a um dos piores casos de envenenamento de fauna selvagem conhecido em Portugal.
O milhafre-real (Milvus milvus), de uma espécie ameaçada em Portugal, foi agora encontrado a 1.950 quilómetros do local onde foi envenenado em Novembro de 2016, nas planícies de Castro Verde, no Alentejo, e onde depois onde foi libertado, em Dezembro desse mesmo ano.
A história conhecida desta ave começa a 15 de Novembro de 2016 quando foi encontrada pelas equipas cinotécnicas da GNR (homem/cão) e pela Liga para a Protecção da Natureza (LPN) em Castro Verde. Tinha sinais de envenenamento mas ainda estava viva. “A ave foi encontrada, por acaso, quando fazíamos trabalho de campo”, numa zona agrícola perto de uma vila, contou então Rita Alcazar, da LPN, à Wilder. O milhafre tinha “sintomas de envenenamento agudo, que incluía vómitos, espasmos musculares e outros sintomas de grande sofrimento”, escreveu a associação em comunicado.
Era apenas o primeiro animal selvagem a ser encontrado envenenado. E o único encontrado ainda com vida. Nos dias seguintes foram detectados na Zona de Protecção Especial de Castro Verde no Alentejo uma águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti), 11 milhafres-reais e uma raposa (Vulpes vulpes). Era o caso mais grave registado no Alentejo, desde que há registos.
A LPN levou imediatamente aquele milhafre-real para o centro de recuperação de animais selvagens no Parque Natural da Ria Formosa, em Olhão, (RIAS), gerido pela associação ALDEIA.
Passadas três semanas, a 7 de Dezembro de 2016, a ave era devolvida à natureza perto do Centro Escolar nº2 de Castro Verde.
As inesperadas notícias desta ave chegaram no final de Novembro deste ano quando Ingo Hausch remeteu uma observação realizada pelo seu colega Ulrich Grassman. “Neste registo aparecia, junto a outros três milhafres-reais, um quarto indivíduo com marcas alares verdes cujo código corresponde ao milhafre-real recuperado e libertado pelo RIAS. Esta observação foi realizada no passado dia 15 de Outubro a 35 quilómetros a noroeste de Frankfurt (Alemanha) e a 1.950 quilómetros do local onde foi envenenado e posteriormente libertado”, explicou à Wilder a equipa do RIAS.
“Esta observação confirma a recuperação deste milhafre-real e a sua total integração na natureza após a libertação. Além disso, o facto de se encontrar junto de outros milhafres na data em que foi observado, poderá indicar que se estava a preparar para iniciar a sua viagem migratória para sul.”
O milhafre-real é uma espécie que tem populações residentes em Portugal – especialmente na fronteira com Espanha, nos distritos de Bragança, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora e Beja – e outras apenas invernantes.
Outrora comum, esta espécie começou a desaparecer de Portugal na década de 60 por causa do uso de pesticidas e da perseguição movida por caçadores e pastores. Hoje tem estatuto de Criticamente em Perigo e está protegido por legislação nacional e internacional.
Uma das maiores ameaças à sua sobrevivência na Península Ibérica é o envenenamento, acrescenta a equipa do RIAS. Na verdade, estas populações “passam por momentos muito críticos, especialmente as da metade Sul da Península Ibérica”.
Mas os efeitos do veneno não se sentem apenas a nível local. “O envenenamento de indivíduos desta espécie invernante em Espanha e Portugal, constituída principalmente por aves provenientes de populações de toda a Europa, pode ter um elevado impacto negativo à escala global. Os envenenamentos nesta época, na Península Ibérica, incidem directamente sobre o resto das populações de milhafre-real do continente europeu.”
[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.
Contacte a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (Spea) e participe no censo ao milhafre-real invernante. Normalmente acontece em Janeiro mas para este ano ainda não foram reveladas as datas.
[divider type=”thick”]Saiba mais sobre como os venenos afectam as espécies protegidas em Portugal.