Foto: Jesse Rorabaugh

É só uma questão de tempo para a formiga-de-fogo chegar a Portugal, mas há medidas a tomar

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A Wilder falou com Roberto Keller, investigador e especialista em formigas, que explica porque é que esta invasora é preocupante e quais são os principais cuidados a ter.

A chegada da formiga-de-fogo (Solenopsis invicta) a Portugal “é só uma questão de tempo”, considera Roberto Keller, que é também curador de aranhas e miriápodes no Museu Nacional de História Natural e da Ciência. A descoberta de uma população estabelecida desta espécie na Europa foi agora anunciada na revista Current Biology. Esta formiga sul-americana é considerada uma das espécies mais invasoras do mundo e uma das dispendiosas de combater.

Na ilha da Sicília, em Itália, o grupo de investigadores deparou-se com um total de 88 ninhos de formiga-de-fogo numa área com 4,7 hectares – ou seja, um espaço equivalente a quase cinco campos de futebol – numa zona suburbana perto da cidade de Siracusa. A descoberta foi feita no último Inverno, entre o final de 2022 e os primeiros meses de 2023, mas os habitantes locais referiram-se a “picadas frequentes” dessas formigas pelo menos desde 2019.

Com efeito, as picadas desta espécie são “dolorosas e irritantes e podem causar pústulas e reacções alérgicas, incluindo possíveis choques anafiláticos”, informa uma publicação do Institut de Biologia Evolutiva, em Espanha, que liderou o estudo. Em menos de 100 anos, a espécie chegou aos Estados Unidos, México, Caraíbas, China, Taiwan e Austrália – tendo sido erradicada apenas da Nova Zelândia – com “impactos grandes” nos ecossistemas, agricultura e saúde humana em diversos países.

Formiga-de-fogo. Foto: Jesse Rorabaugh

Roberto Keller, que se tem dedicado ao estudo científico da evolução das formigas, lembra que a formiga-de-fogo foi já “pontualmente detectada na Península Ibérica, em Espanha, mas até agora tinha sido erradicada”. Quanto à população da Sicília, estudos genéticos indicam que terá tido origem nos Estados Unidos ou na China, tendo chegado provavelmente à boleia de mercadorias transportadas por mar.

A equipa de investigadores realizou análises que modelam a possível expansão da espécie pela Europa e concluiu que “os ambientes mediterrâneos são propícios para o seu estabelecimento e reprodução”, lembra Roberto Keller, que não participou no estudo. “Nas análises que modelam a possível expansão de Solenopsis invicta pela Europa, Portugal não só apresenta atualmente condições propícias para o estabelecimento desta espécie, mas as alterações climáticas irão tornar o nosso país ainda mais favorável”, sublinha o mesmo responsável.

Aptidão da formiga-de-fogo para se adaptar a novos territórios na Europa. Imagem criada por Mattia Menchetti, baseada em modelos criados em colaboração com o CREAF, publicada na revista Current Biology

Que cuidados devemos ter?

“Um controlo estrito de alfândega é sempre fundamental no controlo desta e de outras possíveis espécies invasoras”, avisa Roberto Keller. Com efeito, o transporte internacional tem sido decisivo para espécies como esta chegarem a outros lugares do mundo, como sucedeu com a vespa-asiática e com vários outros insectos.

Em segundo lugar, como cidadãos, todos podemos ajudar a impedir que a espécie se estabeleça de vez em Portugal. “Podemos estar atentos ao avistamento de colónias de formigas que não sejam aquelas a que estamos habituados a encontrar nos ambientes urbanos e suburbanos (parques e jardins), sendo que a Solenopsis invicta é bem-sucedida em zonas perturbadas”, aconselha o cientista.

Por outro lado, o ‘hobbie’ de manter colónias de formigas em casa é outra via possível para a chegada da formiga-de-fogo a Portugal. “Embora existam lojas de insectos vivos na Internet que só fornecem colónias de formigas nativas, é possível comprar dentro da Europa espécies exóticas, inclusive a formiga-de-fogo!”, alerta Roberto Keller, que alerta para a regulação deste tipo de práticas. “É uma responsabilidade de todos os cidadãos evitarem a compra e o intercâmbio deste tipo de possíveis espécies invasoras, com impactos fortemente negativos para os nossos ecossistemas.”

Como identificar a formiga-de-fogo

Quanto à melhor forma de identificar a presença desta formiga, adianta o curador do MUHNAC, há que ter atenção aos seus ninhos. “De forma diferente da maioria das espécies de formigas nativas em Portugal, onde a entrada no ninho consiste em simples buracos ao nível do solo, bem definidos ou rodeados por cones de areia, a Solenopsis invicta forma ninhos que sobressaem do nível do solo ou do relvado, com uma grande quantidade de terra solta que forma montes com 20 centímetros de diâmetro ou mais”, descreve. 

Se perturbarmos esses montes de terra, o resultado será uma “‘ebulição’ de formigas castanho-avermelhadas”, com as quais é necessário “ter muito cuidado”, uma vez que “é a picada venenosa que dá o nome comum a esta espécie.” Em caso de dúvidas sobre a identificação, podem-se também submeter imagens das observações na plataforma Biodiversity4All, onde serão “validadas por especialistas prontos a ajudar”.

Formigas-de-fogo. Foto: Jesse Rorabaugh

Curiosamente, em Portugal, a espécie invasora de formiga actualmente mais preocupante tem também origem na América do Sul: a formiga-argentina (Linepithema humile) tem um impacto negativo sobre outras formigas e insectos nativos, mas ao contrário da sua congénere recém-chegada à Europa é apenas um “pequeno aborrecimento” para as pessoas, uma vez que não tem ferrão.

Em Setembro passado, estavam contabilizadas 139 espécies nativas e 24 espécies exóticas de formigas em Portugal continental – um número que deverá ser actualizado em breve, devido à descoberta recente de mais quatro espécies na Península Ibérica – três nativas e uma exótica – adianta o mesmo especialista.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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