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Grous. Foto: Tauri Parna/Wiki Commons

Censo nacional regista 8.000 grous em Portugal

17.03.2016

Todos os anos, milhares de grous deixam o Norte da Europa assim que pressentem o Inverno e rumam ao Sul. O Alentejo é a única região do país que estas aves elegantes escolhem como destino. Este ano foram cerca de 8.000, revelou à Wilder o coordenador do censo nacional para esta espécie.

 

Já houve tempos em que o grou-comum (Grus grus) fazia ninho em Portugal. Há registo de ninhos de grou no final do século XIX no Baixo Guadiana e em Pancas, no estuário do Tejo, segundo o livro Aves de Portugal (2010). Mas há muito que a ave – com mais de um metro de altura, plumagem cinzento-azulada e uma mancha vermelha na cabeça – passou a ser apenas invernante. Estas aves começam a chegar no final de Outubro e ficam cá até meados de Março. Estima-se que invernem na Península Ibérica mais de 200.000 grous.

Desde os anos 80 que um grupo de pessoas faz censos anuais aos grous que passam o Inverno no Alentejo. Carlos Miguel Cruz é o coordenador nacional das contagens, pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (Spea) e acaba de reunir os dados deste Inverno.

“Foram contados 8.000 grous, um número dentro do que é considerado normal”, disse Carlos Miguel Cruz. “Nos últimos anos esse número tem variado entre os 6.000 e os 10.000, consoante os Invernos. No último Inverno foram contados 6.500.”

 

 

Os censos foram realizados por pessoas da Spea, mas também da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), Centro de Estudos da Avifauna Ibérica (CEAI) e Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Uma vez por mês, em Dezembro de 2015 e em Janeiro e Fevereiro de 2016, estes ornitólogos saíram para os montados de azinho e campos de cereal em cinco áreas reconhecidas desde meados dos anos 80 como sendo as preferidas dos grous. “Os concelhos mais importantes são Arronches, Campo Maior, Mourão, Évora e Moura”, acrescentou o coordenador do censo. Mas também podemos encontrar grous em Castro Verde, Mértola, Beja e Ourique.

Esta espécie que vive no Norte da Europa escolhe sempre os mesmos locais para passar o Inverno. No Alentejo, são os montados de azinho pouco densos, zonas alagadas, pouco declivosas e ribeiras de regime torrencial. Aqui, o alimento é mais abundante e podem preparar-se melhor para a reprodução, alguns meses mais tarde, quando regressarem a casa.

Segundo Carlos Miguel Cruz, o grou tem uma “dieta muito diversificada, desde cereais, a raízes, sementes e pequenos invertebrados. Mas em pleno Inverno, quando há muita bolota nos campos, esse é o seu alimento preferido”.

O número de grous que chegam a Portugal e Espanha tem vindo a aumentar. “Nos anos 80, em Espanha eram menos de 20.000; em Portugal eram 2.200”, constatou o coordenador. Esta subida pode explicar-se pela mudança nas rotas migratórias, autênticos corredores que ligam o Norte da Europa à Península Ibérica e até a algumas regiões de África. “Estamos a assistir a uma deslocação das rotas migratórias de Oriente para Ocidente, talvez por causa das alterações climáticas. Ainda não se sabe ao certo”, acrescentou.

Carlos Miguel Cruz adiantou à Wilder que para o ano o censo será realizado em estreita colaboração com os ornitólogos espanhóis que também contam grous desde os anos 80. “Já temos vindo a colaborar mas para o ano será tudo mais organizado”.

E qual a importância de contar estas aves? “Estes censos são cruciais para conhecermos quais as áreas importantes para os grous. É que essas áreas acabam por ser importantes também para muitas outras espécies”, explicou. Actualmente, quase todas as áreas alentejanas onde os grous passam o Inverno têm algum estatuto de protecção, nomeadamente ZPE (Zonas de Protecção Especial para Aves).

No entanto, isto não significa que as aves estejam livres de perigo. “Estes não são animais que se adaptem facilmente à mudança. E é com preocupação que assistimos à alteração do uso do solo nas suas áreas de invernada, nomeadamente com a plantação de olivais intensivos ou super-intensivos e vinhas”, salientou.

Na opinião de Carlos Miguel Cruz, os grous são um atractivo para as propriedades agrícolas que ainda não foi reconhecido. “Já há países a atrair os grous com alimento para as suas propriedades. Interessa-lhes terem grous para a fotografia de natureza, por exemplo.” A mentalidade em Portugal “está a mudar, mas devagarinho. Ainda temos problemas, como os abates a tiro”.

 

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Conheça aqui a história de um grou que foi apanhado em Fevereiro numa caçada ilegal, na albufeira do Alqueva.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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