PUB

Vista lateral de espécime de Shishania aculeata observada a partir de cima (à esq.). Espinhos que cobriam o corpo desta espécie (à dir.). Foto: G Zhang/L Parry

Há 500 milhões de anos, antepassado dos caracóis e amêijoas tinha espinhos em vez de concha

02.08.2024

A descoberta de vários fósseis bem preservados, que viveram há mais de 500 milhões de anos no que é hoje o sul da China, está a trazer novas pistas sobre os primeiros moluscos que surgiram na Terra.

Os fósseis da nova espécie, baptizada pelos cientistas de Shishania aculeata, foram encontrados no leste da província de Yunan e descritos por uma equipa internacional que inclui investigadores da Universidade de Yunan e da Universidade de Oxford, em Inglaterra. O artigo científico foi publicado esta semana na Science.

Os fósseis da nova espécie terão vivido há cerca de 514 milhões de anos, durante o período Câmbrico, e tudo indica que se assemelhavam a pequenas lesmas espalmadas, sem qualquer concha, mas com uma espécie de armadura protetora. “Os espécimes de Shishania têm todos poucos centímetros de comprimento e estão cobertos de cones espinhosos (escleritos) feitos de quitina, um material também encontrado em caranguejos, insetos e alguns cogumelos modernos”, descreve a Universidade de Oxford, numa notícia publicada sobre a descoberta.

Os cientistas acreditam que esta espécie terá existido ainda nos primeiros passos da evolução dos moluscos, um grupo que se diversificou rapidamente durante o período Câmbrico, entre 485,4 e 541 milhões de anos atrás – tal como aconteceu com outros grupos de seres vivos pela mesma altura.

“Tentar decifrar como era o antecessor comum de animais que parecem hoje tão diferentes, como uma lula e uma ostra, é um grande desafio para biólogos evolucionistas e paleontólogos – algo que não pode ser resolvido pelo estudo das espécies de agora”, comentou um dos autores do novo artigo, Luke Parry, investigador na Universidade de Oxford.

“A Shishania dá-nos um ponto de vista singular sobre uma altura na evolução dos moluscos para o qual temos muitos poucos fósseis, e informa-nos de que os primeiros ancestrais dos moluscos eram lesmas armadas com espinhos, antes da evolução das conchas que vemos hoje nos modernos caracóis e amêijoas.”

Por serem compostos por tecidos moles e difíceis de preservar, muitos dos fósseis estavam mal conservados e a equipa teve dificuldade na análise. Ao início, descreveu o primeiro autor do estudo, Guangxu Zhang, aqueles espécimes do tamanho de um polegar lembraram-lhe “pequenos sacos de plástico em decomposição”. Mas quando os observou com uma lupa, o investigador da Universidade de Yunan percebeu que eram “estranhos, espinhosos, e completamente diferentes”. Mais tarde, no laboratório, percebeu finalmente que se tratava de moluscos.

Hoje em dia, existem ainda outros moluscos com partes aguçadas, como é o caso dos quítones, mas aquelas são compostas por carbonato de cálcio mineral e não por quitina, como acontecia com a espécie fóssil encontrada. Segundo os cientistas, é possível encontrar hoje estruturas semelhantes às dos quítones em grupos menos conhecidos como os braquiópodes e os briozoários, que juntamente com moluscos e anelídeos formam o grupo dos Lophotrochozoa.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

Don't Miss