O que procurar no Inverno: a alfarrobeira

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A alfarrobeira, ou fava-rica, está em flor entre julho e finais do Outono. Esta semana, Carine Azevedo convida-nos a procurar esta espécie antiga e economicamente importante no nosso país.

A alfarrobeira (Ceratonia siliqua) é uma daquelas espécies cuja origem é algo controversa. 

Alguns autores classificam-na como uma espécie autóctone de Portugal. Outros classificam-na como uma espécie exótica naturalizada, ou seja, que terá sido introduzida há muitos anos e que facilmente encontrou condições de desenvolvimento em equilíbrio com a restante flora nativa. 

Independentemente da resposta, uma coisa é certa: a alfarrobeira é uma espécie antiga e economicamente importante no nosso país. Sabiam que Portugal é o maior produtor de alfarroba do mundo?

Fabaceae

A família Fabaceae, a que pertence a alfarrobeira, é também conhecida como Leguminosae ou família das leguminosas. É a terceira família botânica mais abundante da flora terrestre, só ultrapassada pelas Asteraceae e Orquidaceae.

Alfarrobeira. Foto: Frank Vincentz/WikiCommons

Esta família é composta por mais de 770 géneros botânicos e perto de 24.500 espécies de plantas herbáceas, arbustivas e arbóreas, que são facilmente reconhecidas pelos seus frutos – as vagens e a folhagem composta, com estípulas bem desenvolvidas.

A Fabaceae é uma família com uma distribuição cosmopolita, ocorrendo em quase todas as regiões do mundo, excepto nas regiões polares.

A maioria das espécies é de importância agrícola e alimentar e algumas também são usadas para fins ornamentais.

Algumas espécies são excelentes fixadoras de azoto no solo, contribuindo para o seu enriquecimento e garantindo uma elevada qualidade das pastagens. São também uma fonte fundamental de alimento para o gado. Para a produção de forragem, por exemplo, destaca-se a luzerna (Medicago sativa).

A ervilha (Pisum sativum), o feijão (Phaseolus vulgaris), a fava (Vicia faba), a soja (Glycine max), a lentilha (Vicia lens), o grão-de-bico (Cicer arietinum) e o amendoim (Arachis hypogaea) são algumas das espécies economicamente mais importantes e fazem parte da alimentação humana há milhares de anos.

A olaia (Cercis siliquastrum), a albizia (Albizia julibrissin), a corticeira (Erythrina crista-galli) e a glicínia (Wisteria sinensis), são algumas das espécies mais comuns em jardins, parques e arruamentos.

Em Portugal, existem 38 géneros botânicos e cerca 260 espécies nativas, das quais 22 são espécies endémicas, ou seja, exclusivas de Portugal e que não existem em mais nenhuma parte do mundo. 

Além das espécies nativas, em Portugal ocorrem algumas espécies exóticas, algumas das quais classificadas como espécies invasoras, como é o caso da acácia-mimosa (Acacia dealbata), da acácia-de-espigas (Acacia longifolia), da austrália (Acacia melanoxylon), da falsa-acácia (Robinia pseudoacacia), entre outras que tanto ameaçam a biodiversidade dos ecossistemas nativos.

A alfarrobeira

A alfarrobeira, fava-rica ou figueira-do-Egipto, como é vulgarmente conhecida, é uma espécie arbórea que pode atingir até 10 metros de altura. Possui uma copa ampla, densa e irregular e um tronco grosso, tortuoso, muitas vezes multicaule e com ritidoma áspero e castanho.

As folhas são persistentes, pecioladas e paripinuladas, compostas por três a cinco pares de folíolos e por estípulas pequenas e caducas.

Os folíolos são ovados a elípticos, coriáceos, verde-escuros e brilhantes na face superior e verde-pálidos na face inferior. As margens são inteiras.

A floração ocorre entre julho e finais do outono. Contrariamente à maior parte das espécies fruteiras de climas temperados, a alfarrobeira apresenta o pico de floração no outono, uma característica das espécies de climas tropicais.

A polinização das flores é entomófila, efetuada essencialmente por abelhas, e o vento é um forte aliado nesse processo. As flores “oferecem” grandes quantidades de néctar como incentivo, o que atrai facilmente os polinizadores.

A alfarrobeira é normalmente descrita como uma espécie dióica (flores unissexuais masculinas e femininas em indivíduos separados), mas pode ser poligâmica e ter flores hermafroditas.

As flores são muito pequenas, imperfeitas e numerosas, dispostas em espiral ao longo de inflorescências, diretamente sobre o caule e ramos, ou na axila das folhas. O número de flores por inflorescência é bastante variável.

As flores não possuem corola (sem pétalas) e o cálice é formado por cinco sépalas caducas, esverdeadas ou avermelhadas.

O fruto é uma vagem com cerca de 10 a 25 centímetros de comprimento, indeiscente, alongada, comprimida, mais ou menos arqueada e espessada nas suturas.

Alfarrobeira. Foto: Nevit Dilmen/WikiCommons

A vagem é verde, tornando-se violáceo-acastanhada, quase negra, com a superfície enrugada e coriácea quando madura.

No interior, as vagens, são formadas por uma polpa carnuda, pastosa e açucarada e por 10 a 16 sementes ovóides, castanho-claras a castanho-avermelhadas, brilhantes, achatadas e duras, conhecidas como alfarrobas.

A maturação dos frutos ocorre no ano seguinte ao da floração e a sua presença na árvore pode coincidir com a floração do ano seguinte.

A alfarrobeira é uma espécie de crescimento lento, podendo levar quase anos para produzir os primeiros frutos, e cerca de 15 anos para produzir frutos de tamanho comercial.

Origem e ecologia

A área de distribuição original da alfarrobeira não é conhecida com certeza, devido ao seu cultivo extensivo desde tempos antigos ao longo de toda a bacia do Mediterrâneo e da Ásia Menor.

Acredita-se que a área original correspondia ao leste da bacia e que diferentes civilizações (egípcia, grega, etc.) contribuíram para a sua expansão para as regiões mais a oeste da bacia do Mediterrâneo.

Em Portugal, ocorre sobretudo no Algarve e também no Alentejo, Serra da Arrábida e na região de Lisboa. Não há registo da espécie nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.

A alfarrobeira é uma espécie característica dos ecossistemas mediterrânicos, frequentemente associada a matagais esclerófilos, em condições que são muitas vezes adversas para a maioria das restantes espécies.

É uma espécie heliófila, que necessita de um clima suave e quente, onde o verão é quente e o inverno é ameno, e encontra-se principalmente na faixa litoral. Tem preferência por solos bem drenados, básicos e pedregosos, no entanto, tolera também solos arenosos ou argilosos.

Alfarrobeira. Foto: SAplants/WikiCommons

A alfarrobeira tem uma elevada capacidade de adaptação a vários ambientes. É resistente ao calor, à seca, à salinidade e pode tolerar ventos fortes. É resistente ao fogo e pode subsistir em solos pobres e onde haja escassez de água. No entanto, é sensível às geadas, não resistindo a temperaturas abaixo dos -5ºC e é intolerante ao alagamento. 

Como acontece com outras espécies da família Fabaceae, esta árvore estabelece relações simbióticas com algumas bactérias que vivem no solo, que formam nódulos nas raízes desta planta e fixam o azoto atmosférico. Parte do azoto é utilizado pela planta, mas em alguns casos também pode ser usado por outras plantas que crescem nas proximidades.

A alfarroba

A alfarrobeira é cultivada essencialmente pelo seu fruto – alfarroba, do qual todas as partes podem ser aproveitadas.

As sementes não são comestíveis, mas a goma extraída é usada na indústria alimentar, farmacêutica, têxtil e cosmética, pela sua elevada qualidade como espessante, estabilizante e emulsionante.

A polpa açucarada da alfarroba é bastante nutritiva, tem aroma a chocolate e constitui cerca de 90% do peso do fruto. É utilizada na forma de farinha na indústria alimentar, no fabrico de bolachas, bolos e pão. E também pode ser usada como substituto do chocolate, pois contém cerca de um terço das calorias deste.

A partir da fermentação da polpa é possível obter licores, cervejas e xaropes.

A alfarroba também revela possuir benefícios para a saúde. Contém muitos açúcares naturais e é uma importante fonte de minerais (ex. ferro, cálcio, fósforo), vitaminas e fibras. Não contém glúten, lactose nem cafeína.

A alfarroba ajuda a melhorar a digestão, inibe o desenvolvimento de bactérias intestinais patogénicas, é eficaz em casos de diarreia e tem a capacidade de reduzir naturalmente os níveis de colesterol no sangue. Além disso, é um excelente antioxidante. Pode prevenir anemias e devido ao elevado teor de cálcio e fósforo pode ser usada no combate à osteoporose.

O fruto da alfarrobeira tem ação analgésica, usado para aliviar a dor e para acalmar a tosse. Também é empregue como agente antifúngico e antibacteriano, no tratamento de feridas e outros distúrbios da pele.

Devido à sua forte atividade antioxidante, estudos recentes revelam o seu interesse no combate ao cancro do colo do útero e pulmonar.

Outras partes da alfarrobeira são utilizadas pelo Homem. Da casca e das folhas podem extrair-se taninos, utilizados no curtimento de peles.

A madeira, dura e resistente, é usada na carpintaria e no fabrico de utensílios diversos de artesanato.

Devido à sua rusticidade e beleza, a alfarrobeira é particularmente apreciada como planta ornamental de sombra, em jardins e parques.

Curiosidades

Ainda em relação às sementes da alfarrobeira, um dos seus principais usos na antiguidade ainda é conhecido nos dias de hoje.

Cada semente tem um peso aproximado de 200 miligramas e naquela época eram usadas para pesar metais e pedras preciosas.

Embora atualmente se saiba que o peso das sementes tem variações, na antiguidade achava-se que eram muito uniformes em tamanho e peso e, dessa forma, foi usada como medida padronizada, tendo daí surgido o quilate, parâmetro usado até hoje para pesar metais e pedras preciosas. Por exemplo, um diamante de cinco quilates tem o mesmo peso que cinco sementes de alfarroba.

O nome quilate, inclusive, é oriundo do nome da alfarroba em grego, Keration, do qual também deriva o nome do género Ceratonia. Keras- + -teno, significa “chifre saliente”, provavelmente em referência à morfologia e à consistência do fruto. O restritivo específico siliqua deriva do latim e significa “vagem”, numa referência em referência ao tipo de fruto desta árvore.

Esta é uma belíssima árvore, que deve procurar num próximo passeio ao ar livre. Se a encontrar partilhe esse momento connosco. Publique as suas fotografias nas redes sociais com #oqueprocurar #plantasdeportugal #floranativa e #àdescobertadasplantasnativas.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Multicaule – planta que se ramifica junto à base, produzindo vários caules, sensivelmente da mesma espessura e altura.

Ritidoma – camada externa do caule das plantas, formada por tecidos mortos (casca).

Persistente – folhagem que se mantém verde, na árvore, ao longo de todo o ano, renovando gradual sem que a árvore fique despida.

Peciolada – provida de pecíolo (pé da folha que liga o limbo ao caule).

Paripinulada – folha composta, com os folíolos mais ou menos opostos e desprovida de folíolo ímpar terminal.

Folha composta – folha cujo limbo (parte mais larga da folha) é dividido em vários folíolos.

Folíolo – cada uma das partes em que o limbo, de uma folha composta ou recomposta, se divide.

Estípula – estrutura semelhante a uma pequena folha, que se encontra na base do pecíolo, geralmente aos pares, uma de cada lado.

Elíptica – folha com forma que lembra uma elipse, mais larga no meio e com o comprimento duas vezes a largura.

Coriácea – que tem uma textura semelhante à casca da castanha ou do couro.

Polinização entomófila – realizada por insetos.

Dióica – espécie que apresenta flores unissexuadas, femininas e masculinas, ocorrendo em indivíduos diferentes.

Poligâmica – espécie vegetal que possui flores hermafroditas e unissexuais (masculinas e femininas) dispostas na mesma planta.

Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).

Inflorescência – forma como as flores estão agrupadas numa planta.

Corola – conjunto das pétalas (peça floral, geralmente colorida ou branca), que protegem os órgãos reprodutores da planta.

Cálice – conjunto das peças florais de proteção externa da flor – sépalas, frequentemente verdes.

Vagem – fruto seco e polispérmico, em que as sementes estão inseridas na sutura carpelar.

Polispérmico – fruto com muitas sementes.

Indeiscente – fruto que não se abre naturalmente quando maduro, não libertando as sementes.

Sutura – linha, frequentemente saliente correspondente às linhas de união de duas partes contíguas.

Bosque esclerófilo – bosque ou floresta composto por espécies arbóreas e arbustivas providas de folhas rígidas, recobertas por uma cutícula protetora.

Heliófila – planta que vive preferencialmente em locais de exposição solar plena. Necessita da luz solar para um bom desenvolvimento.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.

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