Diversidade de algas marinhas. Foto: João Canilho

Como coleccionar algas num algário

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Se procura uma actividade de Verão em família, na natureza, por que não experimentar fazer um “herbário” de algas, coleccionando as diferentes espécies que encontrar num algário? João Canilho explica como fazer.

Nas praias de Portugal existem cerca de 400 espécies de algas diferentes, agrupando-se em algas vermelhas, algas castanhas e algas verdes.

Diversidade de algas marinhas. Foto: João Canilho

Há, por isso, muito para descobrir.

Para conhecer melhor este mundo marinho pode fazer um algário, ou seja, um herbário de algas. Este “usa a mesma técnica de prensagem que os herbários de plantas para preservar as algas”, explica à Wilder João Canilho, curador da exposição Phycologia, patente de 4 de Julho a 13 de Outubro no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa.

A primeira coisa a fazer é colher as algas.

Depois vai colocá-las num tabuleiro com água a hidratar.

A seguir “mergulhamos com cuidado uma folha de papel de aguarela (texturado) no tabuleiro por debaixo das algas a boiar e, levantando lentamente, trazemos a alga fixa na mesma folha”, explicou o perito.

“Retiramos o papel escorrendo a água em excesso e, com ajuda de um pincel, vamos ‘penteando’ a alga de forma a conseguir abri-la e ficarmos com um exemplar onde todas as estruturas são observadas.”

Processo de herborização dos espécimes por Paula Paes e João Canilho. Foto: Pedro Arsénio

De seguida, “colocamos uma folha de papel vegetal para ir ao forno por cima do exemplar, colocamos folhas de jornal tanto por cima como por baixo da folha para absorver a humidade e um peso homogéneo, como as antigas páginas amarelas ou outros volumes pesados sobre estas folhas. As folhas de jornal deverão ser mudadas vinte e quatro horas depois para uma secagem mais rápida. Em dois dias temos os nossos exemplares preservados”.

De salientar que não é preciso “colar” as algas ao papel. Segundo João Canilho, “as algas apresentam substâncias aglutinantes como o agar ou o alginato que atuam como uma cola natural. Ao serem prensadas, as células rebetam e expelem estas substâncias que ajudam na adesão ao papel”. “A razão pela qual colocamos a folha de papel vegetal (de ir ao forno) anti-aderente é para evitar que estas substâncias colem também à folha superior e nos impeçam de a retirar para revelarmos o exemplar prensado.”

Saiba mais sobre as algas marinhas de Portugal

Foram vários os naturalistas que estudaram as algas marinhas portuguesas, nomeadamente desde a década de 1950. Segundo João Canilho, “as principais referências de levantamentos de espécies a algas marinhas portuguesas correspondem às publicações de Palminha (1953, 1954, 1961), Mesquita Rodrigues (1957, 1963), Póvoa dos Reis (1977) e Ardré F. (1961), representando este último o estudo mais completo sobre a botânica marinha portuguesa durante largos anos”.

“Ardré estudou, identificou e descreveu 404 espécies de macroalgas, das quais 246 eram algas vermelhas (Divisão Rhodophyta), 98 eram algas castanhas (Divisão Ochrophyta) e 60 algas verdes (Divisão Chlorophyta).” 

“Nos últimos anos, novos levantamentos em áreas geográficas mais localizadas foram realizados por outros autores, mas estima-se que o número total esteja aproximado do valor dado por Ardré anteriormente.”

Segundo João Canilho, “as espécies ou géneros mais prováveis encontrarmos nas praias variam consoante estivermos mais a norte ou a sul, a exposição da praia às ondas e outras condições ambientais”.

Mas de um modo geral, “podemos encontrar sempre espécies que apresentam baixos requisitos ecológicos, isto é, não são muito exigentes com as condições do seu meio e ocorrem em zonas onde outras espécies não sobrevivem”.

“Estas algas pertencem aos géneros Ulva (um conjunto de espécies de algas verdes normalmente conhecidas como “alface do mar”); o género Codium (com as duas espécies Codium tomentosum e Codium fragile); a alga vermelha Asparagopsis armata; a cada vez mais recorrente alga castanha Rugulopteryx okamurae, e duas ou três espécies de algas incrustantes, comummente conhecidas como “algas coralinas” por se assemelharem a corais, como as pertencentes ao género Corallina.”

Destas, o Codium fragile – muito semelhante à nossa espécie nativa C. tomentosum – é uma espécie exótica de origem japonesa e o primeiro registo em Portugal da sua presença data de 2021. Mas há outras espécies exóticas de algas, como a “Asparagopsis armata, uma alga australiana há já pelo menos meio século no nosso território, e a Rugulopteryx okamurae, outra alga japonesa, que se encontra pelo Mediterrâneo desde o início dos anos 2000 e que nos últimos anos teve uma explosão na sua distribuição em Portugal continental e ilhas”, explicou João Canilho.

Segundo este perito, “as algas são dos organismos mais cosmopolitas que existem no planeta e fornecem inúmeros serviços aos ecossistemas onde se encontram”.

Nemalion helminthoides. Foto: João Canilho

“Por serem organismos fotossintéticos encontram-se na base de diferentes redes tróficas, possuindo funções de absorção de dióxido de carbono, alimento e refúgio para outros organismos. Do ponto de vista humano e industrial, fornecem-nos não só alimento há milénios (existem resquícios de algas nos dentes de humanos de há 14 mil anos), como podemos extrair moléculas para utilização em diversas áreas, da medicina à biotecnologia.”

As “florescências de algas” (em inglês bloom) que, por vezes, podemos encontrar na praias podem ser fenómenos naturais – onde as algas se fragmentam  e/ou morrem e são arrastadas sazonalmente pelas correntes até às praias – como acontece no norte, na região de Esposende, e que originou a cultura dos Sargaceiros e da recolha das algas.

Mas também podem revelar algo mais. “Num cenário de alterações climáticas, com aumento da temperatura e de dióxido de carbono no oceano, ou em zonas de poluição de origem humana, muitas espécies apresentam alterações dos seus ciclos de vida, que resultam num crescimento e dispersão mais rápidos, produzindo mais biomassa durante um período mais longo e que, consequentemente, leva à formação destas camadas de algas mortas em zonas costeiras com graves consequências ecológicas e impactos sociais.”


Conheça o projecto “Rota das Algas” com esta reportagem de Mariana Melo Duarte.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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