Rota das Algas. Foto: Vera Sepúlveda

Rota das Algas: da maré vazia até à mesa

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Em plena pandemia COVID 19, Joana Duarte, bióloga marinha, cozinheira e surfista, começou a levar algas para casa, a pesquisar sobre elas e a testar receitas. Desta investigação, onde biologia e gastronomia se entrelaçam, resultou a Rota das Algas, que consiste em visitas guiadas às praias do Oeste para identificação e degustação das algas marinhas portuguesas.

O ponto de encontro é na praia de São Sebastião, na Ericeira. É Novembro e a maré está vazia. O grupo é de cinco pessoas e todas leram com atenção o briefing: trouxeram consigo roupa confortável e quente, sapatos que se possam molhar para quem preferir não andar descalço, uma muda de sapatos secos, um tupperware e uma tesoura. 

Rota das Algas. Foto: Vera Sepúlveda

A praia surpreende por não estar tão fria quanto se esperava. Apesar do sono matinal e algum frio húmido, rapidamente os participantes se ambientam. A visita começa então com uma apresentação de Joana Duarte, a guia e especialista. Depois, todos os elementos do grupo se apresentam. 

“Como souberam da Rota das Algas?”, pergunta Joana para perceber como vai direcionar o passeio – mais gastronómico ou mais científico, dependendo das preferências. O grupo é bastante heterogéneo: há cozinheiros, foodies, designers/ilustradores, pintores e meros curiosos que souberam da Rota das Algas pelo Instagram, pelo artigo da Lisbon Insiders ou pelo Observador.

São agora 07h50 e antes de todos se descalçarem, é feita uma breve introdução teórica a noções de oceanografia e astronomia para se poder entender de que forma se vão modificando as marés ao longo do ano. É explicada a importância das fases da lua na leitura das marés e de que forma isso poderá influenciar uma maior ou menor visibilidade de algas na zona da maré baixa. Também se fica a saber que as algas têm um perfil nutricional muito interessante e completo, sendo ricas em vitaminas, proteínas e sais minerais, além de serem uma importante fonte de fibra. 

“Temos uma diversidade enorme de algas por explorar e a maioria das macroalgas [algas visíveis a olho nu] é comestível”, refere Joana Duarte. “No entanto, para quem tem problemas de tiroide o consumo de algas deverá ser controlado devido ao seu elevado teor de iodo.”

Rota das Algas. Foto: Vera Sepúlveda

São 08h15 e agora é altura de passar à prática.  Os participantes deixam as mochilas e pertences na areia seca junta às rochas, agarram no tupperware e na tesoura, descalçam os sapatos e iniciam o passeio na zona mais alta junto à maré baixa. Há quem leve também o telemóvel ou a câmara para registo fotográfico.

Já equipados e de pés descalços, curiosamente sem frio, começam por identificar uma das primeiras algas que aparecem nas zonas mais secas durante a maré vazia: a fava-do-mar (Fucus vesiculosus), que surpreende muito pela textura agradável, crocante e pelo sabor delicioso. Prova-se logo à medida que se identifica. 

É aqui que se aprende a fazer uma captura sustentável das algas: corta-se apenas um terço da alga, deixando o restante intacto para permitir a sua regeneração. O que se captura coloca-se no tupperware para levar para casa ou para comer mais tarde.

É também nesta fase que se percebe a importância de apenas recolher algas que estão presas à rocha, rejeitando sempre as que estão em suspensão na água, pois poderão já estar em decomposição. Esta é, aliás, uma dica preciosa para o forrageio de algas: escolher sempre aquelas que estão presas às rochas. O problema de estarem em decomposição é a formação de substâncias ácidas e urticantes que poderão queimar a boca e o trato digestivo. “Com exceção de algumas zonas do Algarve, não encontramos algas presas à areia”, explica a bióloga.

O grupo avança em direção ao mar, lentamente, e apercebe-se que a fava-do-mar desaparece e surge uma nova: a frosques (Bifurcaria bifurcata). Esta alga também é bastante crocante e tem um sabor espantoso a frutos secos, lembra amêndoa com pele. Mais uma vez, é feita uma captura sustentável e coloca-se no recipiente.

Mais ou menos ao mesmo nível onde aparece a frosques, identificam-se mais três espécies de algas similares entre si, mas que, na verdade, são distintas, todas genericamente conhecidas como “musgos”. Especificamente aprende-se a identificar: o musgo-da-Irlanda (Chondrus crispus), os musgos (Chondracanthus teeidei) e o corninho (Mastocarpus stellatus). 

Aprende-se que estes musgos têm propriedades espessantes e gelificantes, sendo muito utilizados na Irlanda para fazer pudins e compotas. Apanham-se alguns, para quem quiser fazer uma panacota mais tarde. Joana Duarte explica que basta ferver o leite e a nata com estas algas/musgos e que por causa das suas propriedades gelificantes, já não será necessário acrescentar gelatina à receita como habitualmente.

Rota das Algas. Foto: Vera Sepúlveda

O cenário presta-se a uma pausa. O aroma a maresia e os pés molhados nesta praia da Ericeira em pleno mês de novembro fazem refletir sobre como é incrível um recurso alimentar tão interessante e nutritivo estar ao alcance de todos e não haver a tradição ou cultura do seu consumo. O mar à volta está calmo e o dia tornou-se límpido, fazendo deste passeio à beira-mar uma experiência também de reconexão com a natureza.

Faz-se agora um pequeno intervalo na captura de algas e a guia aproveita para explicar a importância de se verificar o site do IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera) sobre a qualidade das águas na costa, antes de se apanhar algas. O IPMA tem um departamento que monitoriza diariamente a qualidade das nossas águas e esta informação está disponível no seu site sendo relevante para as pessoas que pretendam apanhar marisco (mexilhão, lapas, percebes) e algas, para consumo próprio. Pode “ler-se” assim a costa portuguesa a nível de salubridade e qualidade das águas. 

“É fundamental consultar sempre o site antes de virem apanhar algas, não estejam estas águas contaminadas com alguma descarga não prevista”, ressalva Joana Duarte. Por descarga não prevista entenda-se descargas de águas contaminadas de suiniculturas, aviários, campos de cultivo, etc. Muitas vezes estas situações ocorrem sem nenhum controlo e podem interferir nos lençóis freáticos, indo desaguar ao mar. 

São 09h30 e continua a identificação de algas. Agora com água pelos tornozelos, o grupo está com os pés totalmente submersos – e uma água que aparentava estar tão fria está, afinal, bastante agradável. 

“Para os mais curiosos, esta água, que surpreendentemente não está fria, deve-se a dois fenómenos físicos que ocorrem em simultâneo na nossa costa [Costa Ocidental Europeia]: o fenómeno de Coriolis e o transporte de Eckmann, que permitem o movimento de massas de água provocado pelo vento”, explica Joana Duarte.

Agora já é possível identificar o chorão-do-mar (Codium) e a alface-do-mar (Ulva Ulva). “Algas muito saborosas e muito utilizadas em gastronomia desde sempre”, afirma Joana Duarte. O chorão-do-mar tem um forte sabor a marisco, a percebes. E a alface-do-mar tem uma textura semelhante à da alface, e um sabor muito salino, típico de alga. Todos levam umas para casa, pois a bióloga diz que ficam ótimas numa açorda de camarão. Ou também podem ser congeladas e utilizadas mais tarde. 

Rota das Algas. Foto: Vera Sepúlveda

Já são 10h10 e encontram-se finalmente as famosas laminárias (Saccorhiza polyschides), vulgarmente conhecidas por carochas. Estas são as algas compridas e castanhas que no verão tiram a vontade de dar um mergulho. Enrolam-se nas pernas como cabelos. 

Segundo Joana Duarte estão a ser desenvolvidas numerosas seeweed farms, tanto nos EUA e Canadá como no Ártico, pois está demonstrado que estas algas são importantes consumidores de CO2 da atmosfera, reduzindo a acidificação dos oceanos, além de serem importantes fontes nutricionais na alimentação do ser humano. 

Apesar de não se consumirem estas algas de uma forma frequente, várias startups nos EUA estão a desenvolver produtos alimentares cuja base proteica são estas algas. São boas para hambúrgueres e pastas, a imitar pasta de atum.“ Cortem agora uma lâmina desta alga, levem para casa, dêem-lhe uma fervura rápida e incorporem-na picadinha numa salada como se fosse pimento verde”, desafia. Joana levou consigo um frasco de pickles desta alga feito por ela e dá a provar: “Parece cornichon!”, diz.

São agora 10h30, a hora prevista para o fim da atividade. Colocam-se algumas questões a Joana Duarte, que prontamente responde. Cada um dos participantes leva consigo um tupperware cheio de algas, com diferentes cores e texturas, várias sugestões de receitas culinárias e uma incrível sensação de comunhão com a natureza.


Saiba mais sobre o projecto Rota das Algas aqui e fique a par das próximas saídas.


Quem é Joana Duarte?

Licenciada em Biologia Marinha e Mestre em Oceanografia, Joana decidiu, aos 29 anos, apostar na culinária, outra das suas grandes paixões. O gosto pela cozinha levou-a para Barcelona onde estudou na Escola Hoffmann e trabalhou durante seis anos em restaurantes estrelados, como MOO (assessoria dos irmãos Roca), Comerç 24 e Tapas 24. Em 2013, regressou a Portugal onde integrou as equipas de restaurantes como o Pedro e o Lobo, Fortaleza do Guincho e Alma, terminando a liderar por cinco anos a cozinha do Tapisco, projeto do chef Henrique Sá Pessoa, em Lisboa. Atualmente é consultora gastronómica independente e dá aulas nas Escolas de Hotelaria e Turismo de Setúbal e do Estoril.

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