Em toda a natureza que nos rodeia, principalmente nos espaços em que a intervenção do homem é menos perceptível, são agora bem evidentes os sinais que dizem estarmos em pleno inverno. Entre as imagens mais expressivas associáveis a este período do ano, evidencia-se a que é construída pela vegetação natural, arbórea e arbustiva, maioritariamente despida da sua folhagem.
O inverno fica melhor caracterizado se à paisagem desnudada acrescentarmos os tons cinzentos de dias curtos e pouco luminosos, uma chuva que tende a ser persistente e o frio que, nalgumas montanhas mais elevadas, a transforma em neve. Quando o vento sopra forte, estão reunidos os ingredientes para uma invernia perfeita.
Esta convergência de factores extremados torna-nos mais relutantes em sair para o campo, em desfrutar a natureza, especialmente agora, nestes primeiros dias do mês de Fevereiro, no pico da estação.
Mesmo considerando uma menor actividade da vida selvagem, já pressentida e anunciada na crónica anterior, há animais que não se detêm perante o inverno, período invariavelmente duro para a maioria deles. É que para além dos efeitos gravosos do tempo agreste que nesta época do ano se abate por todo o lado, as espécies de fauna selvagem também se confrontam com um problema maior, a escassez de alimento, realidade que é acentuada quando o estado de conservação dos habitats de que dependem, se encontra alterado e empobrecido.
Os bichos contrariam a adversidade decorrente da perda de biodiversidade, aproximando-se dos povoados onde se concentram os agentes destas alterações do meio, procurando alternativas para saciar a fome numa luta inadiável pela sobrevivência. Estes desvios forçados da sua conduta geram movimentações das quais resultam aproximações e encontros próprios do inverno. Esta é uma das razões por que devemos vivê-lo no monte, no campo.
Se desejamos sentir a natureza de uma forma intensa, o inverno é a estação indicada. Pressionando-nos mais, revela-se também mais envolvente pelo que é nos momentos em que tendemos a mantermo-nos na nossa zona de conforto, afastados da vida selvagem, que devemos sair de casa, para, por exemplo, nos determos em pormenores do mundo natural quando as condições atmosféricas nos reduzem o campo de visão ou afectam, em termos de segurança ou proveito, uma maior progressão no terreno. São detalhes que nos escapam nos meses mais propícios a grandes caminhadas em que todos os nossos sentidos estão dirigidos para o muito que se pode captar em cenários amplos e abrangentes repletos de uma actividade intensa e permanente. Nossa e dos seres selvagens que nos rodeiam.
As margens de pequenos cursos de água e a vegetação, normalmente discreta, que as reveste, são um excelente motivo para caminhar nesta altura do ano. Nos lamaçais e bancos de areia das suas margens confere-se a presença de quem aí vive, pelas pegadas e outros sinais no terreno.
A água é também uma fonte de atracção para quem procura cenários maiores, ou até um lado mais espectacular da natureza bravia. Por esta altura é expectável encontrar cascatas e quedas de água na sua força maior, animando os troços mais acidentados dos rios que escaparam às diversas barreiras edificadas pelo homem e que por isso se mantêm livres.
Em crónica anterior já se referiu o valor acrescido que o inverno representa para quem acompanha com regularidade a vida selvagem nas montanhas, atendendo à raridade de algumas das espécies de aves que, principalmente nos anos em que a estação se revela mais rigorosa, nos podem surpreender. Mas em redutos protegidos beneficiando de ambientes mais amenos, também por isso procurados pelas aves, resulta proveitoso despender tempo, a observar, a identificar, a fotografar. Estuários e lagoas interiores são espaços naturais especialmente indicados para visitar nesta época do ano. E mesmo em espelhos de água de parques e jardins criados em ambientes urbanos vale a pena investir algumas horas. Em todos eles poderemos encontrar espécies de aves que só nesta época estão entre nós.
O inverno deve ser vivido na natureza mesmo por aqueles que desejam que ele acabe depressa e que aguardam com alguma impaciência a explosão primaveril e todo o tempo quente e longo que lhe sucederá. Depois de um inverno intensamente sentido, a primavera e todas as mudanças que na natureza a anunciarão, serão mais valorizadas e apreciadas.