Há algumas aves que tiram proveito da neve que cobre a Serra da Estrela nos meses de inverno. Ricardo Brandão e José Conde explicam quais são, como vivem e os melhores locais para as procurar. E se quiser saber mais, ainda há vagas para o Workshop de Aves Invernantes da Serra da Estrela, de 25 a 26 de Janeiro.
WILDER: Em Portugal, que espécies de aves estão perfeitamente adaptadas a ambientes de neve, de alta montanha?
José Conde e Ricardo Brandão: No caso da serra da Estrela, podemos associar os ambientes nevados a algumas espécies de aves invernantes emblemáticas, como por exemplo a escrevedeira-das-neves (Plectrophenax nivalis) ou a ferreirinha-serrana (Prunella collaris).
Além destas espécies mais ambicionadas pelos observadores de aves nacionais, há outras aves invernantes que têm nos habitats de altitude desta montanha um efetivo com relevância em Portugal, de que se evidenciam o melro-de-colar (Turdus torquatus) e o cruza-bico (Loxia curvirostra), estando a sua presença associada essencialmente a zimbrais e a bosques de coníferas, respetivamente.
No entanto, há outras espécies com uma distribuição relativamente mais alargada no país e que também podem estar presentes nas zonas mais elevadas quando as condições meteorológicas são desfavoráveis, das quais podemos destacar o corvo (Corvus corax) ou até a rara gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax).
E, obviamente, há ainda uma grande quantidade de espécies comuns que toleram perfeitamente o frio e a neve e que ocorrem em elevadas altitudes, tanto em ambientes humanizados (ex: Torre), como a alvéola-branca (Motacilla alba) ou o rabirruivo-preto (Phenicurus ochruros); ou florestais (ex: Covão d´Ametade) como o chapim-real (Parus major) ou o tentilhão-comum (Fringilla coelebs).
W: Que capacidades as tornam diferentes das demais, a fim de suportar condições mais adversas?
José Conde e Ricardo Brandão: De uma forma geral, a estratégia da generalidade das aves poderá passar por abandonar as zonas mais frias quando as condições são mais extremas, em alguns casos fazendo deslocações altitudinais rápidas (no sentido ascendente/descendente) como resposta a variações meteorológicas bruscas. Porém, há algumas espécies que são mais tolerantes ao frio permanecendo nas zonas onde a sobrevivência acarreta mais riscos. Nesses casos o desafio consiste em criar reservas de energia. Para tal, durante o dia, modelam o comportamento aumentando o tempo de procura de alimento e agregando-se em bandos para maximização da probabilidade de obtenção de alimento. Já à noite, partilham dormitórios, em lugares particularmente protegidos, como forma de manterem uma maior temperatura corporal e assegurarem um menor gasto energético. Não raras vezes, estes bandos procuram abrigo em edifícios em ruínas, sendo muitas vezes formados por aves de espécies diferentes.
Outo aspeto prioritário, diz respeito aos cuidados com a plumagem, de forma a conseguir a adequada proteção térmica e de impermeabilização.
W: Que ameaças enfrentam estas aves de alta montanha?
José Conde e Ricardo Brandão: As aves de montanha enfrentam ameaças globais como as alterações climáticas, que podem provocar alterações na disponibilidade alimentar das espécies, principalmente quando ocorrem de uma forma brusca ou em padrões drasticamente diferentes do habitual. As espécies de menor dimensão e taxas metabólicas mais elevadas tendem a ser as potencialmente mais afectadas.
Localmente, e concretamente no caso do Parque Natural da Serra da Estrela, a contínua humanização e degradação dos habitats naturais – seja através de excessiva pressão turística e/ou da construção de infra-estruturas (estradas, miradouros, parques eólicos, barragens, etc) – perturba as espécies mais sensíveis, reduzindo os seus efetivos e alterando as suas áreas de distribuição.
W: Podem sugerir alguns bons locais para ver estas aves?
José Conde e Ricardo Brandão: Apesar de ser um local muito perturbado e com muitos problemas de conservação, o planalto da Torre continua a ser um local óbvio para observação de aves em contexto de neve.
Descendo gradualmente em altitude, merecem referência a Lagoa Comprida, o Vale do Rossim, o Cântaro Magro, a Nave de Santo António, o Covão d ´Ametade, o Vale Glaciar do Zêzere e a zona florestal envolvente de Manteigas, apenas para referir os mais clássicos e que fazem parte do roteiro habitual dos observadores de aves que visitam a Serra da Estrela.
As Penhas da Saúde são um exemplo de outro local merecedor de uma visita mais demorada. Com efeito, no início do período mais frio é possível aí observar um grande número de aves invernantes características de habitats florestais, como as várias espécies de tordos (Turdus spp.), o tentilhão-montez (Fringilla montifringilla) e o dom-fafe (Pyrrhula pyrrhula), em particular quando as tramazeiras (Sorbus aucuparia) apresentam bagas.
W: Quais os objectivos do curso que vai acontecer no final de Janeiro? Ainda há vagas?
José Conde e Ricardo Brandão: A 25 e 26 de Janeiro de 2025 decorrerá a 13ª edição do Workshop de Aves Invernantes da Serra da Estrela, organizada pelo Centro de Interpretação da Serra da Estrela (CISE) / Municipio de Seia e pelo Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens (CERVAS) / Associação ALDEIA. Este evento tem como objetivo percorrer e a dar a conhecer alguns dos melhores locais do Parque Natural da Serra da Estrela para a observação de aves, em particular durante os meses mais frios do ano. Esta atividade é aberta a todos os interessados, independentemente do seu nivel de conhecimento de identificação de aves, e conta com formadores que trabalham na monitorização, conservação e divulgação das aves da região há várias décadas. Ainda há vagas e as inscrições podem ser feitas na página de facebook do CERVAS.
Ricardo Brandão, veterinário, é o coordenador do CERVAS – Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens, que funciona em Gouveia. José Conde é técnico do Centro de Interpretação da Serra da Estrela (CISE), em Seia.
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