Foto: Andreia Miraldo

Guardiões das Flores: A importância de monitorizar os nossos polinizadores. E o que está a ser feito

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Fique a saber como é que os cientistas conseguem obter dados para avaliar a situação dos insetos polinizadores e para que serve esse trabalho, em Portugal. Esta é a quinta crónica da série Guardiões das Flores, uma parceria entre a Wilder e o projeto PolinizAÇÃO, do CFE – Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra.

Os polinizadores desempenham um papel essencial nos ecossistemas, assegurando a reprodução de inúmeras plantas, incluindo muitas culturas agrícolas fundamentais para a alimentação humana. Abelhas, borboletas, escaravelhos, moscas e outros insetos polinizadores são responsáveis por um processo ecológico fundamental: a polinização, que envolve a transferência de pólen entre flores, e é essencial para a produção de frutos e sementes.

No entanto, um pouco por todo o mundo as populações de polinizadores estão em declínio, o que levanta preocupações sobre os impactos desta perda na biodiversidade, na segurança alimentar e na saúde pública.

Demonstração da técnica de amostragem “intersecção de voo”, direcionada a insetos polinizadores, testada no estudo piloto de metodologias de monitorização no âmbito do projeto PolinizAÇÃO. Serra de Carnaxide, Oeiras. Foto: Andreia Miraldo

O que é um programa de monitorização e qual a sua importância?

Um programa de monitorização é um sistema estruturado de recolha, análise e interpretação de dados que se estende ao longo do tempo, com o objetivo de avaliar qual é o risco de extinção e se os números de determinados organismos estão estáveis, a aumentar ou a diminuir. No contexto dos insetos polinizadores, assenta em metodologias aplicadas sempre da mesma forma, que permitem comparar a situação de uma população em diferentes períodos de tempo e em diferentes lugares, identificar ameaças e fornecer informação científica essencial para a sua conservação e gestão sustentável.

A implementação de um programa nacional de monitorização de polinizadores é crucial para garantir a recolha sistemática de dados ao longo do tempo. Sem esta informação de base, qualquer tentativa de proteção e gestão sustentável torna-se limitada. Monitorizar os polinizadores permite antecipar desafios, orientar políticas eficazes, avaliar o impacto das medidas adotadas e assegurar que as futuras gerações continuem a beneficiar dos serviços essenciais que estes pequenos, mas indispensáveis organismos, prestam à natureza. 

Além de revelarem padrões populacionais e identificarem declínios antes que se tornem irreversíveis, os programas de monitorização de polinizadores permitem avaliar o impacto de fatores como práticas de gestão do território, uso de pesticidas, urbanização e alterações climáticas. Além disso, a informação recolhida serve de base para o desenvolvimento de políticas públicas que promovam práticas mais sustentáveis e para a criação e conservação de habitats favoráveis aos polinizadores.

Uma monitorização eficiente poderá ajudar também na deteção precoce de espécies invasoras, permitindo ações atempadas para a sua erradicação antes que se estabeleçam e dispersem. Um exemplo preocupante em Portugal é a vespa-asiática (Vespa velutina), uma espécie predadora que já está a afetar negativamente a biodiversidade e os recursos naturais do nosso país.

Quem pode estar envolvido no programa de monitorização?

O sucesso de um programa nacional de monitorização de polinizadores depende da colaboração de vários setores da sociedade: cientistas, gestores do território (como agricultores, produtores florestais, municípios, entre outros), decisores políticos e cidadãos desempenham um papel crucial na recolha e utilização dos dados.

A ciência cidadã é uma ferramenta poderosa neste processo, permitindo a recolha de dados em larga escala e garantindo uma cobertura geográfica ampla, ao mesmo tempo que promove a sensibilização da população para a importância dos polinizadores e da sua conservação. Projetos de ciência cidadã, como o Censos de Borboletas e a Rede de Estações de Borboletas Noturnas, são exemplos de iniciativas bem-sucedidas que conjugam o contributo da sociedade com a produção de conhecimento científico.

Ao envolver a comunidade, um programa nacional de monitorização não só reforça a base de conhecimento científico, como também fomenta um compromisso coletivo com a conservação dos polinizadores e da natureza.

Ativação de uma armadilha ‘malaise’, direcionada à comunidade de insetos voadores, utilizada no estudo piloto de metodologias de monitorização no âmbito do projeto PolinizAÇÃO. Serra de Carnaxide, Oeiras. Foto: Andreia Miraldo

Que tecnologias podem ajudar um programa de monitorização?

A monitorização de polinizadores exige amostragens repetidas no espaço e no tempo. Após a recolha de material é essencial identificar todas as espécies amostradas para quantificar a diversidade encontrada em cada local. Esta tarefa requer um elevado nível de conhecimento e treino, sendo tradicionalmente realizada por especialistas em taxonomia de cada grupo de polinizadores.

Este conhecimento é particularmente importante em países como Portugal, onde a diversidade de polinizadores é extremamente elevada. Atualmente estão reportadas cerca de 740 espécies de abelhas no território nacional, o que torna a sua identificação e caracterização um trabalho hercúleo. Felizmente, novas tecnologias e métodos estão a revolucionar este processo, tornando-o mais eficiente e acessível! 

Polinizadores com códigos de barras?

Imagine uma amostra repleta de insetos minúsculos, cada uma representando uma peça do complexo puzzle da biodiversidade. Identificá-los individualmente seria um processo moroso e dispendioso. O método de metabarcoding revoluciona esta tarefa, ao permitir a extração e análise do ADN de todos organismos presentes na amostra de uma só vez.

Esta técnica inovadora amplifica regiões específicas do ADN que funcionam como “códigos de barras”, únicas para cada espécie, e compara-as com bases de dados genéticas para identificar rapidamente a diversidade de insetos presentes. Mas para que esta metodologia seja eficaz, é crucial existir uma catalogação prévia dos “códigos de barras” das espécies em Portugal.

Este processo requer uma estreita colaboração entre taxonomistas, que realizam a identificação morfológica das espécies, e biólogos moleculares, responsáveis pela obtenção dos “códigos de barras” individuais. 

A inteligência artificial aprende a reconhecer os polinizadores!

Adicionalmente, os investigadores têm vindo a explorar a inteligência artificial (IA) como uma ferramenta inovadora na identificação de polinizadores. Imagine um mundo onde qualquer pessoa pode identificar uma abelha ou borboleta apenas com uma fotografia no telemóvel. Graças aos avanços da IA, estão a ser desenvolvidas ferramentas que aprendem a identificar espécies através de imagens, sons e até padrões de alimentação.

Estas tecnologias não só aceleram a investigação e aprofundam o conhecimento sobre os polinizadores, como também abrem portas para a ciência cidadã. Com aplicações móveis e ferramentas de IA, qualquer pessoa pode contribuir para a monitorização destes organismos, democratizando o conhecimento e ajudando a proteger estes animais tão importantes.

Apesar da eficiência destas novas tecnologias, uma vez mais, é fundamental a validação por taxonomistas para assegurar a exatidão dos resultados.  

O que se está a fazer lá fora?

Os polinizadores enfrentam atualmente um desafio crítico, mas a União Europeia está a responder com ações concretas. Em 2023 foi dado um passo decisivo com a criação do regulamento “Um Novo Acordo para os Polinizadores”, que estabelece metas obrigatórias para os Estados-membros reverterem o declínio das populações de polinizadores até 2030.

Projetos como o STING e o STING2 estão a desenvolver um sistema de monitorização de polinizadores europeu (EU-PoMS), que permitirá avaliar a saúde dos polinizadores e a eficácia das medidas de conservação adotadas.

A partir de 2027, todos os países da UE terão de implementar um sistema de monitorização alinhado com a metodologia proposta pelo EU-PoMS. Projetos como o InsectAI estão a desenvolver soluções inovadoras, baseadas em IA e ciência cidadã, para a monitorização e conservação de insetos polinizadores na Europa.

O que estamos a fazer em Portugal?

Portugal está a dar passos importantes para proteger os polinizadores, reconhecendo o seu papel vital na natureza e na nossa alimentação. O projeto PolinizAÇÃO, financiado pelo Fundo Ambiental, é uma iniciativa colaborativa que visa reverter o declínio destes pequenos heróis. Cientistas, especialistas e cidadãos estão a trabalhar em conjunto para definir medidas concretas para criar o primeiro Plano de Ação para a Conservação e Sustentabilidade dos Polinizadores em Portugal. 

Para apoiar esta missão, foi iniciado o projecto ARCADE que está a melhorar as coleções museológicas de polinizadores, tornando-as ferramentas valiosas para monitorizar a diversidade destes organismos. Paralelamente, está a ser feito um investimento na formação de cidadãos, vigilantes da natureza e técnicos de várias instituições, capacitando-os na identificação e monitorização dos polinizadores.

Estas ações de formação têm sido desenvolvidas por instituições governamentais, como o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, em parceria com ONGs, como o Tagis. O objetivo é claro: aumentar o número de pessoas com conhecimento sobre estes animais, permitindo um acompanhamento de perto da sua saúde e garantindo um futuro mais florido.

Amostras recolhidas em armadilhas coloridas (“pantraps”) direcionadas a insetos polinizadores, durante o estudo piloto de metodologias de monitorização no âmbito do projeto PolinizAÇÃO. Serra de Carnaxide, Oeiras. Foto: Andreia Miraldo

Proteger os polinizadores exige um compromisso coletivo. A implementação de um programa robusto de monitorização, que junte cientistas, entidades da Administração, associações de produtores e cidadãos em geral, é um passo decisivo para garantir a sua conservação em Portugal e assegurar um futuro mais biodiverso e sustentável para todos.


Andreia Miraldo trabalha como investigadora no CFE – Centro de Ecologia Funcional, da Universidade de Coimbra, e como investigadora associada no Museu de História Natural da Suécia. Nesta crónica também colaboraram como autores Eva Monteiro, Hélder Cardoso, Helena Ceia, João Loureiro, Sílvia Castro, também investigadores. Carolina Caetano e Cândida Ramos, da Universidade de Coimbra, asseguraram a revisão do artigo. O texto foi ainda revisto por Inês Sequeira, da equipa da Wilder.


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