Em reacção aos resultados do censo nacional do lobo-ibérico, a associação ANP-WWF diz-se profundamente preocupada com a deterioração do estado de conservação desta espécie emblemática em Portugal e pede medidas urgentes ao Governo.
Os resultados do censo nacional (2019-2021) do lobo-ibérico (Canis lupus signatus) foram divulgados na passada sexta-feira, dia 13 de Dezembro.
Estima-se que existam hoje 58 alcateias em Portugal, menos cinco do que as 63 registadas no censo anterior, de 2002/2003. Das alcateias actuais, foram confirmadas 56, mas destas apenas 37 tinham reprodução confirmada, incluindo só três a sul do Douro.
Além disso, também diminuiu a área de presença confirmada desta espécie. “Em duas décadas a área estimada de 20.400 km², diminuiu para 16.000 km², representando uma redução de 23%, mostrando ainda uma diminuição de 8% no número de alcateias (que só não é mais significativa, pois o núcleo da Peneda-Gerês teve um aumento de 50%)”, salientou a ANP-WWF hoje em comunicado.
“Os lobos representam um elemento-chave dos nossos ecossistemas já que, como predadores de topo, ajudam a manter o equilíbrio natural e apoiam a diversidade da vida selvagem”, recordou a organização.
Em Portugal, o lobo-ibérico está classificado pelo Livro Vermelho de 2023 como Em Perigo, estando em pior estado do que em Espanha (tem a classificação de “Quase Ameaçado” no país vizinho).
Para a ANP-WWF, “os dados confirmam que têm sido escassos e pouco ambiciosos os esforços dos últimos Governos para travar o declínio da espécie, agravado pela perda e fragmentação de habitat, perseguição direta, escassez de presas naturais, os incêndios florestais e as alterações climáticas”.
Segundo Catarina Grilo, diretora de Conservação e Políticas da ANP-WWF, “esta situação torna-se ainda mais preocupante tendo em conta o panorama internacional e a mais recente resolução da Convenção de Berna, apoiada por Portugal, que determinou a diminuição do estatuto de proteção do lobo, colocando em causa décadas de esforços de conservação cujos desígnios continuam por cumprir, como se vê, aliás, em relação ao próprio lobo-ibérico, subespécie do lobo cinzento”.
Em dezembro de 2023, a presidente da Comissão Europeia apresentou uma proposta para diminuir o estatuto de proteção do lobo de “estritamente protegida” para “protegida”, o que permite abates “seletivos” em caso de conflito com populações rurais.
Nos meses que se seguiram, Portugal posicionou-se contra a redução da proteção. No entanto, em setembro de 2024, alterou o seu sentido de voto, “abrindo um precedente e dando um passo muito perigoso ao contribuir para a desproteção da biodiversidade”.
A proposta foi formalmente adotada na reunião do Conselho da UE, a 26 de setembro, e submetida ao Comité Permanente da Convenção de Berna, que este mês de dezembro acabou por aprovar a diminuição do estatuto do lobo, uma decisão amplamente criticada por organizações ambientais, cientistas e demais especialistas em conservação da natureza.
Em declarações ao jornal Expresso durante as votações no seio da União Europeia, a Ministra do Ambiente e Energia justificou este voto alegando que, em Portugal, não haveria qualquer redução do estatuto desta espécie e as medidas aprovadas não serão aplicadas no território nacional, dado haver legislação específica nacional de proteção desta espécie.
Mas a ANP-WWF disse ter dificuldade em “acreditar que Portugal conseguirá resistir à pressão para flexibilizar as suas normas ambientais, especialmente depois de outros países começarem a fazê-lo, situação que, complementada com os dados do censo agora publicados, leva a um potencial ainda mais danoso para a conservação do lobo ibérico no país”.
“A ANP|WWF teme que o atraso de um ano na publicação deste relatório se deva a uma tentativa de reter a divulgação destes resultados negativos até à votação o que, a confirmar-se, demonstra falta de compromisso com a transparência e a conservação da biodiversidade em Portugal, para lá de uma já confirmada falha grave na implementação de medidas eficazes para conservar esta espécie ameaçada”.
Por tudo isto, a organização apela ao Governo “que assuma a sua responsabilidade e implemente medidas eficazes para reverter este cenário preocupante”.
Entre essas medidas está a proibição da caça em locais de alcateias e em épocas de reprodução, a inviabilização de projetos de infraestruturas em áreas de localização conhecida de alcateias, a melhoria dos mecanismos de compensação por danos causados por lobo e a convocação urgente de uma reunião do Plano de Ação para a Conservação do Lobo-Ibérico, para discutir estes resultados e rever as ações prioritárias.
“Proteger o lobo-ibérico não é apenas uma questão de conservar uma espécie”, comentou Vasco da Silva, Coordenador de Florestas e Biodiversidade da ANP|WWF. “Trata-se de garantir a integridade dos nossos ecossistemas, promover a coexistência harmoniosa entre pessoas e a vida selvagem e respeitar os compromissos internacionais de Portugal em relação à salvaguarda da biodiversidade. Apelamos à coragem do atual Governo para que esta situação possa ser revertida com urgência.”
PUB