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Lobo-ibérico. Foto: Arturo de Frias Marques/Wiki Commons

Lobos aumentaram quase 60% na Europa. Portugal em contramão

12.03.2025

Novo estudo internacional compila as estimativas de evolução das populações de lobo a nível europeu. A Wilder falou com Francisco Álvares, investigador que acompanha a espécie, sobre estes resultados e a realidade nacional.

O número de lobos (Canis lupus) em 34 Estados europeus, incluindo Portugal, aumentou 58% ao longo da última década, para mais de 21.500 animais em 2022, indica um estudo internacional publicado na revista científica PLOS Sustainability & Transformation, que se baseia nas estimativas mais recentes para cada um dos países.

Os dados agora publicados foram compilados por cientistas ligados à LCIE – Large Carnivore Initiative for Europe, um grupo de especialistas em grandes carnívoros da IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza, e resultam de um “exaustivo trabalho” financiado pela União Europeia (UE), indicou à Wilder um dos investigadores envolvidos, Francisco Álvares. Foi com base nestas estimativas que Bruxelas justificou recentemente a redução do estatuto de proteção da espécie.

Dos cerca de 21.500 lobos estimados para o espaço europeu, 19.000 habitam na UE. Este grande carnívoro é agora encontrado em todos os países europeus exceto nos três mais pequenos – Mónaco, São Marino e o Vaticano – descreve o artigo científico. Sete países da UE têm mais de 1000 lobos cada – Bulgária, Grécia, Alemanha, Polónia, Espanha e Roménia – mas em contrapartida noutros sete Estados-membros registam-se menos de 100 animais, nomeadamente na Áustria, Bélgica, Dinamarca, Hungria, Luxemburgo, Noruega e Países Baixos.

A Alemanha destaca-se com um grande crescimento – de uma alcateia em 2000 passou para 184 em 2022 – sendo um dos 19 países onde subiu o número de lobos. Já as populações da espécie noutros oito países são apontadas como “globalmente estáveis”, incluindo Espanha e Portugal, “flutuaram” na Estónia, Letónia e Sérvia, e diminuíram noutros três países, estes últimos exteriores à UE (Bosnia-Herzegovina, Montenegro e Macedónia do Norte).

“Em geral, os lobos mostraram capacidade para recuperar em paisagens fortemente alteradas e de múltiplos usos a uma escala continental, quando isso lhes é permitido, o que confirma a extraordinária adaptabilidade da espécie”, nota o artigo publicado.

Ainda assim, o mesmo estudo chama a atenção para a diversidade dos métodos de contagem de lobos por toda a Europa, que variam em qualidade, em escala e nas entidades que os realizam. E destaca a necessidade de nos próximos anos se manter uma monitorização com resultados de confiança apesar dos orçamentos limitados, ainda mais quando diminuiu a proteção legal dada a estes predadores, a nível da UE.

Situação nacional “muito diferente”

Já em Portugal, apesar das estimativas de população “globalmente estáveis”, de facto a situação é “muito diferente” do que se passa em geral na Europa, afirma Francisco Álvares. Os resultados do último censo apontam para uma redução de 20% da área de distribuição da espécie e para “um ligeiro decréscimo” do número de alcateias em duas décadas.

Lobo-ibérico (Canis lupus signatus) fotografado por uma câmara de fotoarmadilhagem na zona de Montalegre, distrito de Vila Real. Fonte: ©BIOPOLIS-CIBIO

Hoje mantêm-se quatro grandes núcleos populacionais de lobo-ibérico no nosso país. O investigador, que está ligado ao BIOPOLIS-Cibio (Universidade do Porto), alerta que o núcleo populacional a sul do Douro “será atualmente o único a nível europeu em elevado risco de extinção, após o desaparecimento da pequena população da Serra Morena no sul de Espanha”.

“Ao contrário dos restantes países europeus, em Portugal, particularmente na região Norte onde o lobo persiste, o território é extremamente humanizado, com uma crescente diminuição de áreas de refúgio sem presença de humanos ou animais domésticos, mesmo no interior da rede nacional de Áreas Protegidas, e com um coberto vegetal dominado por matos e florestas de produção, principalmente de eucalipto e pinheiro, pouco adequado para as presas naturais do lobo”, explica também.

Por esses motivos, Francisco Álvares nota que a situação da paisagem portuguesa resulta em menos espaço para uma possível expansão deste predador de topo, ao contrário de outros países europeus.

Medidas de conservação “ineficientes”

Além disso, o investigador aponta o dedo às medidas de conservação que foram até agora aplicadas em Portugal; considera-as “ineficientes” a vários níveis. Desde logo, porque não conseguem evitar “uma intensa perseguição ilegal” a esta espécie, como têm mostrado, por exemplo, os números do Sistema de Monitorização de Lobos Mortos.

Em segundo, porque não solucionam a “reduzida disponibilidade de alimento”, uma vez que as presas naturais, como o veado e o corço, têm uma “limitada diversidade e abundância”, e há cada vez menos ovelhas e outros pequenos ruminantes criados em regime extensivo.

Além disso, afirma, as medidas já no terreno não têm conseguido proteger os locais de reprodução do lobo face às diversas atividades humanas que continuam a realizar-se no habitat deste grande carnívoro: “gestão florestal, atividade cinegética, desenvolvimento de infraestruturas, atividades turísticas”, exemplifica.

Exemplo de habitat do lobo-ibérico no Noroeste de Portugal, Alto Minho, nas serras do Soajo e da Coura. Foto: ©Nuno Guimarães

Francisco Álvares lembra ainda que “o PACLOBO-Plano de Ação para a Conservação do Lobo-ibérico em Portugal (2017) é o instrumento legal para mitigar estas ameaças e permitir alcançar o estado de conservação favorável do lobo no nosso país”, mas “até à data muito pouco foi executado”. “Importa um maior compromisso da parte do Governo e das autoridades nacionais”, salienta.

A este propósito, um despacho do Ministério do Ambiente de 30 de Janeiro deu ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) três meses para apresentar um novo programa de medidas para conservar o lobo-ibérico, uma vez que o Plano de Ação para a Conservação do Lobo em Portugal “não teve o sucesso esperado”.

Quanto ao estudo científico agora publicado, acrescenta o mesmo responsável, comparam-se também os padrões de ataques de lobo às várias espécies de animais domésticos e o respetivo impacto económico em compensações, tendo em conta o número de lobos existentes. Além disso, são incluídos os métodos utilizados por cada país para a amostragem nacional (como informação suplementar) e também um link para “aceder aos dados detalhados, e áreas de distribuição em formato vetorial (shapefile), permitindo assim um acesso público e generalizado desta informação a gestores ou outros interessados”.


Saiba mais.

Conheça ainda as respostas de Francisco Álvares a três perguntas sobre as conclusões apresentadas neste artigo científico:

Wilder: Pode-se dizer, de acordo com este estudo, que o lobo é um exemplo de sucesso no que respeita à recuperação de espécies selvagens ameaçadas na Europa? Houve aqui alguma política articulada a nível europeu que não sucedeu com outras espécies?

Francisco Álvares: De facto, a situação atual do lobo na Europa, com um aumento de quase 60% das suas populações ao longo da última década, é um excelente exemplo de sucesso na recuperação de espécies ameaçadas, o que justificou a recente redução do estatuto do lobo de “espécie de fauna estritamente protegida” para “espécie de fauna protegida”.  É de lembrar que um sucesso semelhante foi também registado noutro grande carnívoro, o lince-ibérico, o qual nas últimas duas décadas passou de espécie “Criticamente em Perigo” para “Vulnerável”, de acordo com a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da UICN, e muito devido a programas de reintrodução ativa de animais nascidos em cativeiro.

No caso do lobo na Europa, onde nunca existiram reintroduções ou libertações de animais (apesar de ser um mito difundido) e em que a sua recuperação se deve unicamente à expansão natural das populações residuais que persistiram até meados do século XX, este sucesso deveu-se a um conjunto de fatores. Os instrumentos políticos e jurídicos, como seja a proteção legal do lobo no âmbito da Diretiva Habitats da UE, da Convenção de Berna ou de legislação nacional, juntamente com programas de conservação, como os programas LIFE, têm sido essenciais para permitir a recuperação deste carnívoro, juntamente com uma maior consciencialização da sociedade sobre a necessidade da sua preservação, principalmente entre o público jovem e mais urbano.

Além disso, outros fatores indiretos como o êxodo humano para as grandes cidades e o crescimento das populações de ungulados silvestres também permitiram aumentar as condições de refúgio e alimento para o lobo. Mas possivelmente, a maior razão para esta extraordinária recuperação na Europa é a grande capacidade de adaptação e resiliência que o lobo apresenta, capaz de sobreviver em qualquer ambiente que lhe proporcione alimento e refúgio, desde que não seja alvo de intensa perseguição por humanos.

W: Nas conclusões do ‘paper’, é referido que um dos desafios para a Europa será adaptar as políticas de conservação para esta nova situação de crescimento da espécie. Quais são os principais riscos no que respeita a esta transição e à mudança de políticas?

Francisco Álvares: Os maiores riscos serão as atitudes humanas extremas e a manipulação ideológica e política do lobo, sem considerar o vasto conhecimento científico que existe sobre a espécie. A Europa poderá conseguir conviver com o lobo, mas isso implica estratégias e apoios para proteger os animais domésticos com risco de ataques (gado e cães), permitir populações de ungulados silvestres como alimento natural, assegurar boas praticas de ordenamento territorial e desenvolvimento de infraestruturas de forma a salvaguardar áreas de refúgio e reprodução, e também potenciar os benefícios económicos associados a um território com lobo.

O abate legal de lobos, tradicionalmente visto como uma solução imediata perante conflitos (mas atualmente motivando uma grande contestação social e científica), está demonstrado não permitir reduzir os ataques à pecuária, a medio-longo prazo, mas poderá levar a uma atenuação imediata de conflitos e maior tolerância social junto das comunidades rurais, pelo que poderá justificar-se em determinadas situações pontuais e devidamente ponderadas.

No entanto, esta questão é altamente polémica e politizada, estando a atrair todas as atenções e argumentos na recente redução do estatuto de proteção do lobo ao abrigo da Convenção de Berna, em vez de serem focadas as necessidades de conservação acima indicadas, cruciais para alcançar uma verdadeira convivência com este predador. Esta realidade dos últimos meses ilustra bem os desafios que nos esperam para adaptar as políticas de conservação ao rápido crescimento populacional do lobo.

W: Como é que podemos evitar que o lobo e as políticas de conservação se tornem reféns das “guerras culturais”, como aconselha o estudo?

Francisco Álvares: Para que a conservação do lobo não seja refém das guerras culturais, e principalmente de guerras políticas ou ideológicas, é crucial evitar atitudes humanas extremas, seja pró ou contra lobo, e desenvolver estratégias objetivas e exequíveis baseadas no conhecimento científico disponível. 

É necessário considerar o lobo como ele é, um carnívoro generalista, que pode ocupar regiões humanizadas, mas necessita de zonas tranquilas para se reproduzir, e que na ausência das suas presas naturais é capaz de atacar animais domésticos vulneráveis, resultando em impactos socioeconómicos. Por isso, é crucial procurar soluções para promover uma coexistência sustentável entre o lobo e as atividades humanas, contrariando as pressões de cariz económico, populista e político.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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