Jorge e Rui descobrem para a Ciência quatro novas espécies de insectos em Portugal

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Jorge Almeida e Rui Andrade descobriram para a Ciência quatro novas espécies de pequenas moscas, três delas apenas se conhecem em Portugal. A descrição das espécies, que demorou mais de 10 anos, foi agora publicada na revista Bishop Museum Occasional Papers.

“Para as ver é preciso debruçarmo-nos na areia.” Quem o diz é Jorge Almeida, 47 anos, e um dos autores da descoberta, juntamente com Rui Andrade, 41 anos, trabalhador independente na área da entomologia.

As novas espécies foram descritas num artigo publicado a 20 de Março na revista Bishop Museum Occasional Papers. Baptizadas com os nomes científicos Empidideicus carrapateira, E. blascoi, E. inesae e E. pallidifacies, são “moscas muito pequenas, com dois a três milímetros de tamanho”, explicou à Wilder Jorge Almeida, consultor de TI.

Jorge Almeida começou a interessar-se por insectos depois de um ataque de pulgas em casa, que o levou “a procurar informação sobre como as combater”. “Mais tarde, comprei uma câmara e comecei a fotografar insectos. Até que um dia virei a atenção para as moscas e alistei-me no diptera.info em Junho 2006. Nunca mais as larguei”.

Este responsável diz que a diversidade de moscas “é simplesmente assombrosa”: só para Portugal, são conhecidas perto de 3200 espécies. “É a ordem com mais diversidade de nichos ecológicos, mesmo quando comparados com outras ordens de vespas, escaravelhos e borboletas. Dá para várias vidas”, garante.

Jorge Almeida em saída de campo. Foto: D.R.

São centenas de milhares de espécies no mundo e “todos os anos elas surpreendem-me tanto a nível da diversidade morfológica (podem imitar de quase tudo!) como a nível dos papéis ecológicos. São claramente fundamentais ao equilíbrio dos ecossistemas, desempenhando serviços vitais aos mesmos”.

A dedicação de Jorge Almeida e de Rui Andrade às moscas já deu frutos, desde logo a descrição destas quatro novas espécies, incluindo três que só existem em Portugal. Agora, o género Empidideicus ficou com um total de 57 espécies conhecidas no mundo e sete no nosso país.

Como são as moscas agora descritas

“Apesar de muito pequenas, estas moscas destacam-se pela sua enorme beleza, tanto na forma como na coloração”, considera Rui Andrade.

Rui Andrade. Foto: D.R.

Estas moscas pertencem ao género Empidideicus (pertencente à família Mythicomyiidae) e caracterizam-se pelo longo probóscide (“tubo” que se projecta para fora da cabeça para se alimentarem) e pelas cores do tórax e abdómen, que podem variar do preto ao amarelo e castanho. Por norma, têm marcas visíveis no tórax. “Para se distinguir este género de outros da mesma família, temos de recorrer à nervação da asa.”

“Quem for às dunas e procurar flores amarelas e vir uns pequenos insectos com um probóscide visível, é possível que esteja a ver uma das espécies do género Empidideicus“, refere o entomólogo.

Habitat da Carrapateira, onde foram encontradas duas das quatro espécies. Foto: Jorge Almeida

Segundo o artigo científico, estes pequenos insectos parecem preferir flores com pétalas grandes, com muitos malmequeres, por exemplo, que possam ser usadas como “zonas de aterragem”.

Estas serão moscas polinizadoras, acreditam os peritos. Os adultos “alimentam-se do pólen e néctar de inflorescência das plantas da familia Asteraceae, vulgo, na sua maioria, os malmequeres”, explica Jorge Almeida. “Estas são as mais frequentes, contudo também há outras famílias de plantas nas quais podemos encontrar os Empidideicus, como as Lamiaceae, Brassicaceae, Crassulaceae, Euphorbiaceae e Geraniaceae.” 

Além do seu papel enquanto polinizadores, estes insectos “devem ser também presas para muitos invertebrados como aranhas e outras moscas predadoras e terão certamente os seus parasitóides”, acrescenta Rui Andrade. “Mas também aqui existe um grande desconhecimento sobre a relação que estas moscas têm com outros animais, mesmo em espécies semelhantes que já são conhecidas há muito tempo.”

A maioria dos Empidideicus novos para a Ciência foram encontrados nas dunas das praias portuguesas, em especial nas dunas primárias. 

E. blascoi. Foto: Jorge Almeida
E. blascoi. Foto: Rui Andrade

“Em Portugal estas espécies têm sido encontradas sobretudo em habitats quentes e secos como dunas ou matos mediterrânicos, onde os adultos podem ser vistos sobre uma grande variedade de flores, em particular asteráceas, alimentando-se de pólen e néctar que alcançam com o auxílio do longo probóscide”, explica Rui Andrade. “Frequentemente observam-se inúmeros exemplares sobre uma mesma flor, por vezes pertencentes a mais do que uma espécie.”

Dunas da Carrapateira. Foto: Rui Andrade

Foram precisos mais de dez anos para descrever estas espécies.

Como indica Jorge Almeida, “Neal Evenhuis, que tem os holótipos de muitos Empidideicus, não estava disponível para auxiliar-nos nesta tarefa”. Por outro lado, “também foi preciso ter um bom número de espécimens para ver as possíveis variações entre indivíduos”. E em terceiro lugar, foi necessário “algum tempo para maturar a ideia e ter certeza que estamos realmente perante espécies novas para a Ciência”.  

A importância desta descoberta

Até agora pouco se sabia sobre a taxonomia desta família de moscas, Mythicomyiidae, em Portugal. O trabalho no campo de Jorge Almeida e Rui Andrade permitiu descobrir uma fauna diversa desta família no nosso país.

A história destas mosquinhas em particular começou em 2008, como conta Rui Andrade. “A primeira vez que eu e o Jorge Almeida vimos Empidideicus em Portugal foi nas dunas da Apúlia, no concelho de Esposende, em 2008. Esta foi também a primeira vez que a família Mythicomyiidae foi detectada no nosso país. Em 2009 publicámos uma pequena nota sobre a descoberta, com a ajuda do especialista Neal Evenhuis que nos ajudou a identificar a espécie (Empidideicus hackmani).”

Depois dessa publicação, Jorge e Rui continuaram o trabalho de prospecção no campo, à procura destas moscas.

E. pallidifacies. Foto: Jorge Almeida
E. pallidifacies. Foto: Rui Andrade

No campo, Jorge Almeida usa dois métodos para procurar moscas: varrimento da vegetação com uma rede entomológica e captura manual de insectos com um frasco. Rui Andrade usa ainda armadilhas pan trap, que são pratos coloridos (amarelos e azuis) com alguma água misturada com detergente para baixar a tensão superficial da água, para facilitar a captura. 

Pan trap, um dos métodos usados na captura de exemplares. Foto: Rui Andrade

“Fomos notando que estávamos a encontrar espécies diferentes, com diferenças óbvias na morfologia e coloração. No entanto só soubemos que algumas delas eram novas para a Ciência quando enviámos o material para o Neal Evenhuis – o especialista mundial em Mythicomiidae, a família destas moscas – que as comparou com as outras espécies descritas de Empidideicus e chegou à conclusão que estas eram diferentes”, explicou Rui Andrade, o perito que identifica as moscas para a comunidade do “Que Espécie É Esta?”.

Segundo Rui Andrade, “a descrição de espécies é um primeiro passo fundamental para conhecer tudo o resto sobre essas espécies e o seu lugar na natureza”. “Não se pode estudar o comportamento ou ecologia de uma espécie sem primeiro reconhecer essa espécie como diferente das demais.” 

“Para mim a publicação deste trabalho é o resultado de muitos anos de trabalho de campo e é muito emocionante poder finalmente ter um nome para dar a todas estas espécies, para que depois elas possam ser melhor estudadas.”

E uma delas, a Empidideicus inesae, recebeu mesmo o nome de Inês Almeida, filha de um dos autores, Jorge Almeida.

Holótipos no Norte e no Sul

Tanto para a Empidideicus inesae como para a Empidideicus carrapateira, os holótipos – ou seja, os espécimens únicos a partir da qual é feita a descrição da espécie – foram encontrados na praia algarvia da Bordeira (na Carrapateira, concelho de Aljezur), a 16 de Abril de 2011, por Jorge Almeida e Rui Andrade. Já o holótipo da Empidideicus pallidifacies foi encontrado em Arcozelo, Porto, em Maio de 2011, por Rui Andrade. A mesma espécie também já foi encontrada na Apúlia (Esposende, Braga) e em Gulpilhares (Porto).

Além das três novas moscas agora descritas, o artigo anuncia o registo para Portugal pela primeira vez da espécie Empidideicus freyi. Os autores já encontraram esta mosquinha no Canidelo, em Arcozelo, Gulpilhares, Apúlia e Almancil.

E. freyi. Foto: Jorge Almeida

O que falta fazer

“Há demasiadas lacunas no universo de moscas em Portugal”, lamenta Jorge Almeida.

“Desde que Portugal é país, até hoje, menos de 30 pessoas, e nem todas dipterologistas, descreveram, pelo menos, uma espécie nova de mosca para a Ciência. É um número extremamente baixo. Temos uma inexistente massa crítica que é insuficiente para conhecer bem o que temos. Estamos ainda numa situação em que é possível que mais de metade de moscas estejam por conhecer!”, comenta.

“Infelizmente, é bem provável que vamos ter muitas espécies extintas antes sequer de as conhecer. A agricultura intensiva, aquecimento global e destruição de habitats são algumas das mais prováveis causas para o declínio que vemos. Perante isto, é óbvio que nos deixa orgulhosos em saber que Portugal, apesar de tudo, esconde jóias espectaculares à espera de serem apreciadas!”, acrescenta.

Jorge Almeida continua a tentar saber mais sobre estes insectos. “Estou a tentar tirar fotografias de cópulas de todas estas espécies. Ainda não consegui. Não é fácil testemunhar esses eventos.” 

Por outro lado, ainda falta conhecer melhor a distribuição geográfica destas mosquinhas e os seus comportamentos. “Precisamos de mais observações para perceber melhor o que envolve a sua biologia. Contudo, os escassos recursos dificultam esta tarefa. Seria bom se mais pessoas se interessassem por moscas, mas estas estão ligadas a sentimentos negativos, infelizmente. Esperemos que estas fotos e partilha possam, pouco a pouco, mudar esse cenário.”

O lado positivo, sublinha Rui Andrade, é que “como são geralmente abundantes podem ser observadas e estudadas por qualquer pessoa que tenha gosto e interesse em aprender sobre história natural”.

Fica a dica.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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