Corre, pára, bica. Corre, pára, bica. Com o seu infindável pára-arranca, os borrelhos parecem bonecos de corda a percorrer o lodo dos nossos rios e estuários. Na verdade, estão em busca de alimento, parando sempre que vêem uma possível presa. Dependendo do local e da altura do ano, há quatro espécies que pode observar.
Borrelho-de-coleira-interrompida
O borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus) vê-se ao longo de toda a costa portuguesa, ao longo de todo o ano. Como o seu nome indica, este borrelho apresenta uma coleira incompleta, tanto na plumagem nupcial (que enverga na primavera/verão) como na plumagem de inverno, e que ajuda a distingui-lo do borrelho-grande-de-coleira e do borrelho-pequeno-de-coleira. Para além disso, tem patas escuras e uma barra branca nas asas, que é visível em voo. Na época de reprodução, os machos apresentam uma coroa acastanhada e uma barra preta na testa.
Apesar de se ver um pouco por toda a costa portuguesa, o borrelho-de-coleira-interrompida ocorre principalmente nos estuários do Tejo e Mondego e na Ria de Aveiro, com a Ria Formosa a albergar uma parte significativa da população invernante desta espécie.
Também conhecido como corricão ou curo-curo, o borrelho-de-coleira-interrompida reproduz-se na primavera/verão, nidificando sobretudo em complexos de salinas, embora também possa fazer o ninho nas dunas das praias. Faz o ninho em zonas abertas e expostas, recorrendo à camuflagem para proteger as suas posturas: ornamentam muitas vezes o ninho com conchas e pequenas pedras, e tanto ovos como crias têm cores e padrões que se dissimulam na areia. A perturbação dos locais de nidificação pelos veraneantes e a predação por cães são duas das principais ameaças a esta espécie, classificada como Pouco Preocupante em Portugal continental mas Criticamente em Perigo na Madeira, onde é conhecido por rolinha-da-praia. Outra ameaça importante é o abandono e reconversão das salinas para outras práticas, que tem vindo a reduzir os seus locais de nidificação.
Borrelho-pequeno-de-coleira
O borrelho-pequeno-de-coleira (Charadrius dubius), também conhecido por areeiro ou passarinho-das-areias, é o mais pequeno dos borrelhos que ocorrem em Portugal. É mais frequente no sul do país, podendo ver-se sobretudo entre março e agosto, altura em que nidifica nas margens de ribeiras e açudes do interior. No final do verão migra para África para passar o inverno, regressando na primavera. Durante estas épocas de migração, é mais frequente observar esta espécie na faixa costeira.
Na plumagem nupcial, o borrelho-pequeno-de-coleira tem uma coleira escura a toda a volta do pescoço, uma barra preta na testa e um característico anel amarelo em volta do olho. É visivelmente mais pequeno e elegante do que o borrelho-grande-de-coleira e o borrelho-de-coleira-interrompida e, ao contrário destas espécies, não tem a barra branca nas asas.
Para proteger a sua prole, tanto o borrelho-pequeno-de-coleira como o borrelho-de-coleira-interrompida fazem um teatro: quando um predador ou uma pessoa se aproxima do ninho, o borrelho adulto finge-se ferido na asa, tentando atrair o intruso para longe da área do ninho. Atingido esse objetivo, “recupera” milagrosamente e voa dali para fora, regressando ao ninho depois de o perigo ter passado.
Borrelho-grande-de-coleira
Maior e de aspeto mais robusto que o borrelho-de-coleira-interrompida e o borrelho-pequeno-de-coleira, o borrelho-grande-de-coleira visita o nosso país sobretudo no inverno, refugiando-se dos rigores do norte nos nossos estuários e rias e, por vezes, também nas zonas húmidas do interior. A principal área de invernada da espécie em Portugal é a Ria Formosa, mas é também abundante na Ria de Aveiro e nos estuários do Tejo e do Sado.
Também conhecido por colado ou fradinho, distingue-se do borrelho-pequeno-de-coleira não só pelo tamanho mas também pela notória barra branca nas asas. Na plumagem de inverno apresenta uma interrupção na coleira, que pode causar alguma confusão com o borrelho-de-coleira-interrompida, mas a coleira do borrelho-grande-de-coleira é mais extensa e espessa. No inverno o seu bico passa de laranja com ponta preta para uma tonalidade mais escura e o laranja das patas fica mais esbatido, mas continua a apresentar uma risca branca evidente por cima dos olhos.
Borrelho-ruivo
Esta é uma espécie que ocorre em Portugal quase exclusivamente como migrador de passagem. Sagres é, porventura, o local mais indicado para observar esta espécie: aí são regularmente observados pequenos bandos de borrelho-ruivo, sobretudo nos meses de Setembro e Outubro. Ocasionalmente, pode ver-se esta espécie também nas Lezírias do Tejo ou no Cabo Espichel e têm sido registadas também algumas observações esporádicas no inverno, em pastos ou em campos agrícolas perto da faixa costeira, onde por vezes se associa às tarambolas-douradas e abibes.
Claramente maior do que qualquer uma das outras espécies de borrelho e mais pequeno que as tarambolas-douradas, o borrelho-ruivo identifica-se pela barra clara acima dos olhos, que se prolonga até à nuca, e pela barra branca no peito, em forma de meia-lua e bastante visível, mesmo na plumagem de inverno ou nos juvenis. Na plumagem nupcial, abaixo dessa meia-lua branca, apresenta a plumagem arruivada que lhe dá o nome.
Nesta espécie, macho e fêmea têm papéis trocados em relação ao que é habitual nas aves: é a fêmea que apresenta as cores mais vivas na plumagem nupcial, tentando atrair a atenção dos machos e são os machos que cuidam das crias.
Como se reproduz apenas nas altas montanhas e na tundra ártica, o borrelho-ruivo é considerado uma espécie altamente susceptível às alterações climáticas. Apesar de não estar globalmente ameaçado, este migrador de longa distância tem sofrido recentemente um declínio populacional.
Este artigo foi escrito por Sonia Neves e por Hany Alonso da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).
Conte as Aves que Contam Consigo
A série Conte as Aves que Contam Consigo insere-se no projeto “Ciência Cidadã – envolver voluntários na monitorização das populações de aves”, dinamizado pela SPEA em parceria com a Wilder – Rewilding your days e o Norwegian Institute for Nature Research (NINA) e financiado pelo Programa Cidadãos Ativos/Active Citizens Fund (EEAGrants), um fundo constituído por recursos públicos da Islândia, Liechtenstein e Noruega e gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian, em consórcio com a Fundação Bissaya Barreto.