Uma equipa de investigadores franceses fez um estudo com resultados inesperados sobre este “fóssil vivo” da actualidade, cuja origem remonta há quase 400 milhões de anos.
Espécie de águas profundas, o celancanto africano continua a ser raramente observado, mas tal não se deve ao seu tamanho, uma vez que pode atingir dois metros de comprimento e pesar até 110 quilos.
Acredita-se que resistem apenas alguns milhares destes peixes nas águas do Estreito de Moçambique e por isso a espécie está classificada pela União Internacional para a Conservação da Natureza como Criticamente em Perigo – o último degrau antes da extinção.
Aliás, durante muito tempo pensava-se que o celacanto tinha desaparecido para sempre da face da Terra desde há 65 milhões de anos. Até que em 1938 foi descoberto um exemplar, que trouxe este peixe misterioso para o escrutínio da ciência.
Agora, a comunidade científica depara-se com uma nova surpresa. Uma equipa do Ifremer – Instituto Francês de Pesquisa para a Exploração do Mar e do Museu Nacional de História Natural de Paris anunciou ter provas de que o celancanto pode viver durante muitas décadas – talvez até mesmo uma centena de anos.
Segundo um artigo publicado na revista científica Current Biology, estes investigadores analisaram 27 espécimes de celacantos guardados na colecção do Museu Nacional de História Natural de Paris. Com recurso a novos métodos, concluíram que um desses peixes terá chegado aos 84 anos de idade, deitando por terra o que se acreditava até agora: que os celacantos não viveriam mais do que 22 anos.
“A nossa descoberta mais importante é que a idade do celacanto estava subestimada por um factor de cinco”, afirmou o autor principal do estudo, Kélig Mahé, em comunicado. “A nossa nova estimativa quanto à idade permitiu-nos reavaliar o crescimento do celacanto, que pelos vistos é um dos mais lentos entre peixes marinhos de tamanho semelhante, tal como outros traços da história de vida, que mostram que a história de vida do celacanto é na verdade uma das mais lentas de todos os peixes”, adiantou o investigador, ligado ao Ifremer.
Em causa estão aspectos biológicos como por exemplo a idade de reprodução. Com efeito, a equipa acredita que estes peixes só atingem a maturidade sexual aos 55 anos, o que aumenta ainda mais a preocupação quanto ao futuro da espécie. Isto porque hoje em dia serão poucos os celacantos que sobrevivem tanto tempo, uma vez que são vítimas por exemplo de pesca acidental.
Outra descoberta intrigante – e igualmente preocupante – é o tempo de gestação da espécie: os cientistas estimam que uma gravidez de celacanto dura cerca de cinco anos no total, ao longo dos quais a cria cresce e desenvolve-se dentro da mãe.
Escamas sob análise
Estas conclusões baseiam-se na análise das escamas de 27 celacantos conservados em fluidos, incluindo embriões e peixes com quase dois metros, guardados desde os anos 60 na colecção do Museu Nacional de História Natural de Paris – considerada uma das maiores colecções do mundo no que respeita a esta espécie.
À semelhança dos anéis das árvores, as escamas contêm pequenas marcas, cada uma equivalente a um ano de vida. Um estudo anterior tinha avaliado as escamas de 12 exemplares, concluindo que estes peixes não viveriam mais do que 22 anos – o que fazia do celacanto uma das espécies do seu tamanho com um crescimento mais rápido.
Mas o estudo agora publicado recorreu a novas tecnologias, incluindo o uso de luz microscópica polarizada, e descobriu marcas quase invisíveis nas escamas, que antes tinham passado despercebidas e que a equipa acredita que correspondem afinal aos anéis das árvores. Por cada marca grande, encontraram cinco dessas marcas mais pequenas, explicou outro dos autores, Bruno Ernande, ao The Guardian. Esse achado indica que os celacantos afinal pode ser cinco vezes mais velhos do que se pensava.
“Os celacantos parecem ter uma das mais lentas, se não mesmo a mais lenta história de vida entre peixes marinhos, próxima às dos tubarões do mar profundo e dos peixes da família Trachichthyidae”, indicou também o autor principal, Kélig Mahé, que está preocupado com a conservação da espécie.
“As espécies com vidas longas caracterizadas por histórias de vida lentas e uma fecundidade relativamente baixa são conhecidas por serem extremamente vulneráveis a perturbações naturais ou de natureza antrópica (humana), devido à sua taxa de substituição muito baixa”, avisou o cientista. “Os nossos resultados sugerem por isso que o celacanto pode estar ainda mais ameaçado do que se pensava, devido à sua história de vida peculiar.”
Saiba mais.
Recorde a história de uma descoberta surpreendente em 1938, junto à costa da África do Sul, que transformou o celacanto no herói das espécies redescobertas.