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Aeroporto do Montijo: Cientistas sublinham contradições em carta publicada na Science

18.09.2020
Foto: Paulo Valdivieso/Wiki Commons

Os planos para a construção de um novo aeroporto no Montijo contradizem os objectivos do Acordo Verde Europeu e a nomeação de Lisboa como Capital Verde Europeia, avisam dois cientistas portugueses.

“Ao expandir a capacidade aeroportuária, este Estado-membro da União Europeia [Portugal] vai dar uma contribuição negativa às metas climáticas ao não retroceder nem suspender a nova infraestrutura, tal como ameaçar a biodiversidade através de efeitos negativos, permanentes e irreversíveis nas espécies de aves de uma área protegida a nível europeu”, afirmam José Alves e Maria Dias, na carta publicada esta quarta-feira na Science.

José Alves é investigador no Departamento de Biologia e no Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro. Por sua vez, Maria Dias é coordenadora científica do programa marinho na organização Birdlife International.

Os planos de construção do novo aeroporto prevêem que seja edificado na península da actual Base Aérea do Montijo, situada “no coração do Estuário do Tejo, uma vasta zona húmida costeira de importância chave para aves nidificantes, invernantes e que migram através da Rota do Atlântico Leste”, entre os locais de nidificação e as zonas de invernada em África, lembram os dois autores.

Com efeito, estima-se que a área do estuário é uma importante zona de repouso e de passagem “para 300.000 aves aquáticas e muitas outras espécies de aves migradoras”, estando protegida por legislação nacional e europeia e por convenções internacionais.

Maçarico-de-bico-direito (subespécie Limosa limosa islandica), que inverna no Estuário do Tejo e nidifica na Islândia. Foto: Hans Hillewaert/Wiki Commons

No entanto, lembram os dois cientistas portugueses, a construção do aeroporto do Montijo, financiada pelo grupo privado Vinci, recebeu luz verde da autoridade ambiental portuguesa, a Agência Portuguesa do Ambiente, no início de 2020. E apesar das reduções de actividade do transporte aéreo devido à actual pandemia, o Governo reafirmou já várias vezes a intenção de avançar com as obras, a última das quais já em Setembro.

José Alves e Maria Dias apelam também ao Governo português e à União Europeia para “colocarem o Acordo Verde em acção abandonando este projecto”.

Frame de ilha com aves no Estuário do Tejo
Aves na zona do Estuário do Tejo. Foto: Joana Bourgard

Este acordo europeu, conhecido em inglês por ‘European Green Deal’, foi anunciado por Bruxelas em Dezembro do ano passado como o plano que vai ajudar a conduzir a Europa até à neutralidade climática até 2050. “Preservar e restaurar a biodiversidade e reduzir as emissões líquidas de gases com efeito de estufa” são alguns dos objectivos.

Autoridades portuguesas questionadas pelo secretariado da Convenção de Berna

Já o secretariado da Convenção de Berna enviou a 9 de Setembro uma carta ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), à qual a Wilder teve acesso, na qual indica que recebeu uma queixa internacional contra a construção do novo aeroporto e requer uma resposta das autoridades portuguesas.

A Convenção de Berna, conhecida também como Convenção sobre a Vida Selvagem e os Habitats Naturais da Europa, foi assinada em 1979 e transposta para a legislação portuguesa dois anos depois. Tem como objectivos conservar a fauna e a flora selvagens e os seus habitats naturais, em especial os que exigem cooperação internacional, dando especial importância a espécies migradoras.

A queixa apresentada por José Alves no início deste mês, em nome da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, alega que o aeroporto do Montijo vai “afectar negativamente a zona húmida [do Estuário do Tejo] que é habitat para diversas espécies de aves aquáticas migradoras” e acusa o projecto de violar vários artigos e anexos da convenção.

“Os impactos potenciais incluem poluição sonora, colisões com aviões e destruição de habitat devido à construção da infraestrutura ligada ao aeroporto”, indica a carta da representante da Convenção de Berna, citando a queixa apresentada. A queixa apresentada pela SPEA reafirma também que o processo de avaliação de impacte ambiental “foi deficitário”.

A secretária da Convenção, Ursula Sicker, indica ao ICNF para dar uma resposta oficial à queixa até ao final de Janeiro, a tempo de que a queixa contra o novo aeroporto seja apreciada durante um encontro interno da organização internacional, agendado para o final do primeiro trimestre.


Saiba mais.

Releia aqui a entrevista dada por José Alves à Wilder sobre a importância do Estuário do Tejo para as aves e o impacto da construção de um novo aeroporto.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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