PUB

Cinco espécies portuguesas que dependem da madeira morta

18.10.2019

Um grupo de cientistas defendeu na semana passada a importância de deixar a madeira morta nas florestas. Aqui ficam cinco espécies para as quais isso fará toda a diferença.

Quer seja uma árvore morta (de pé ou caída no chão), quer seja madeira morta em decomposição em árvores ainda vivas – como em cavidades, ramos e tumores -, é importante deixá-la ficar nas florestas e bosques. Foi isso que disse um grupo de investigadores alemães na semana passada.

“A madeira morta em decomposição é um elemento essencial nas nossas florestas”, disse à Wilder João Gonçalo Soutinho, coordenador do projecto VACALOURA.pt. É a base de microhabitats para inúmeras espécies.

A decomposição de madeira “permite manter os ciclos de nutrientes destes habitats, ajuda a reter humidade e a suportar os solos”, acrescentou.

Mas, acima de tudo, sustenta “um grande número de seres vivos que evoluíram para degradar e decompor esta madeira”, havendo espécies que se especializaram em determinadas espécies e estruturas das árvores.

Na verdade, entre 25-30% das espécies que vivem nas florestas a nível mundial precisam de madeira morta durante algum momento da sua vida e usam-na, por exemplo, para se alimentarem, hibernarem ou nidificarem e todos estes organismos são chamados saproxílicos.

Aqui ficam cinco espécies que dependem da madeira morta para sobreviver. João Gonçalo Soutinho explica os contornos destas relações.

Vaca-loura (Lucanus cervus):

Vaca-loura. Foto: João Gonçalo Soutinho

A vaca-loura alimenta-se de raízes mortas de carvalho-alvarinho (Quercus robur). “Tem um ciclo de vida de dois a três anos no nosso país, durante o qual passa a maior parte do tempo a ingerir e degradar a madeira morta”, explicou João Gonçalo Soutinho. “Esta espécie permite que a decomposição da madeira por fungos e bactérias possa ser acelerada posteriormente.”

O maior escaravelho europeu é apenas uma das espécies de escaravelhos que existem em Portugal que se alimentam de madeira morta durante o seu desenvolvimento. Escaravelhos saproxílicos são um dos grupos mais diversos de fauna dependente destas estruturas e, de acordo com as últimas estimativas, 17.9% das espécies europeias encontram-se em risco de extinção, principalmente pela falta e destruição dos seus habitats.

Mas há muitos mais invertebrados sem ser escaravelhos que dependem de madeira morta, como moscas, abelhas, vespas, formigas, borboletas, traças, térmitas, entre outros. “Estes não só degradam a madeira morta mas também degradam os cogumelos que crescem nela, predam e controlam populações de outros organismos, são a base de cadeiras alimentares destes ecossistemas e muitos são ainda polinizadores quando se transformam em adultos.” 

Cogumelo Trametes versicolor:

Foto: Jerzy Opioła/WikiCommons

Há uma panóplia de espécies de fungos exclusivos de madeira morta, como os políporos (que parecem prateleiras nas árvores) como o cogumelo Trametes versicolor ou o Formitopsis pinicola e uma parte deles é também comestível e pode ser usado para, por exemplo, começar fogueiras (uma vez que grande parte são lenhificados). Muitas vezes, cada espécie de fungo tem outras espécies de organismos associados que são capazes de decompor os seus cogumelos. É um mundo a descobrir.

O processo de decomposição da madeira morta só acontece realmente quando envolve fungos e bactérias que têm o papel de transformar a matéria orgânica em inorgânica novamente. A forma como a madeira é colonizada por fungos dita a forma como será decomposta uma vez que há fungos que são capazes de decompor todos os elementos da madeira, mas outros nem por isso.

Pica-paus:

Pica-pau-malhado-grande. Foto: Flevobirdwatching/WikiCommons

Além das corujas que usam grandes cavidades das árvores para nidificarem, há um grupo particular de aves extremamente especializadas e dependentes de madeira em decomposição, os pica-paus.

Em Portugal podemos encontrar várias espécies, como o pica-pau-malhado-grande (Dendrocopus major), o pica-pau-malhado-pequeno (Dendrocopus minor) e o peto-verde (Picus viridis).

Os pica-paus têm uma dieta que inclui várias espécies de invertebrados que se desenvolvem na madeira morta, normalmente sob a casca das árvores. Além disso são o grupo mais importante de aves que criam e usam orifícios nas árvores para nidificarem.

Estas aves são excelentes a criar estes orifícios, mas normalmente só os usam uma vez, deixando-os para outras espécies de aves – como chapins, trepadeiras e piscos – nidificarem no futuro (as caixas ninhos que normalmente construímos em madeira e colocamos nas árvores têm exatamente esta finalidade).

Os pica-paus são espécies chave nas florestas pois criam abrigo para espécies que não conseguem criar os orifícios. 

As cavidades criadas por estas espécies, além de darem proteção contra predação e abrigo contra condições meteorológicas extremas para outros vertebrados, são também zonas com variações muito reduzidas da temperatura e da humidade e por isso são locais ideias para os ciclos de vida de muitos seres vivos.

Morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus):

Morcego-anão. Foto: Gilles San Martin/Wiki Commons

O morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus), juntamente com o morcego-arboricola-gigante (Nyctalus lasiopterus) são outras espécies que dependem da madeira morta. Estes encontram nas árvores excelentes locais para se abrigarem, por vezes debaixo da casca das árvores.

São exemplos de outros vertebrados sem ser aves que usam a madeira morta durante a sua vida.

Mas há muitas outras espécies que usam as cavidades que se formam na madeira morta, principalmente como abrigo (e usam desde cavidades com três centímetros que foram escavadas por algum escaravelho, até as grandes cavidades que se assemelham a pequenas cavernas) ou local de hibernação/estivação.

Podemos ainda encontrar associados a madeira morta e os seus microhabitats espécies de mamíferos, como as martas (Martes foina) ou as raposas (Vulpes vulpes).

Salamandra-de-pintas-amarelas (Salamandra salamandra):

Salamandra-de-pintas-amarelas. Foto: Agis Kothalis/WikiCommons

A salamandra-de-pintas-amarelas (Salamandra salamandra) é uma das espécies de anfíbios de Portugal que depende destes ecossistemas, assim como o sapo-comum (Bufo spinosus).

Esta salamandra procura abrigar-se debaixo de troncos durante os meses mais quentes do Verão. Além disso, alimenta-se de muitos pequenos animais que vivem na madeira morta, como lesmas, bichos-de-conta, aranhas e outros invertebrados.

Portugal, um país com pouca madeira morta disponível

Há uma grande variedade de espécies que dependem da madeira morta em Portugal.

No entanto, somos, de acordo com dados de 2015 citados por João Gonçalo Soutinho, o 4º país da Europa com menos madeira morta disponível nas suas florestas.

Isto acontece “fruto de uma cultura generalizada de colheita deste material para usufruto privado, mas também por uma falta de reconhecimento e valorização pública da madeira morta como estrutura essencial à gestão sustentável das nossas paisagens”.

No entanto há projetos a trabalhar para valorizar estes ecossistemas. Exemplos são o projecto VACALOURA.pt que promove a conservação da vaca-loura a nível nacional partindo da ajuda dos cidadãos, utilizando esta espécie como um símbolo para sensibilizar sobre a importância destes habitats e ainda como motivo para preservar a madeira morta em determinados locais um pouco por todo o país.

Há também a uma escala local o Projecto Gigantes Verdes que promove, no Município de Lousada, a preservação das árvores de grande porte devido ao seu valor ecológico, caracterizando todas as árvores de grandes dimensões relativamente à diversidade de microhabitats que albergam e criando mecanismos que promovam a sua proteção.

Há ainda iniciativas pontuais de manutenção de madeira morta para fins de conservação um pouco por todo o país, principalmente em florestas protegidas, mas a grande parte da madeira morta disponível no país é fruto dos incêndios e posterior gestão.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

Don't Miss