Os abutres-do-egipto (Neophron percnopterus) já estão de regresso ao Douro Internacional, na fronteira entre Portugal e Espanha, depois de passarem o Inverno em África. A Wilder conta-lhe como foi a longa viagem de Douro, uma das cinco aves seguidas com um emissor GSM, no âmbito do projecto Life Rupis.
São os mais pequenos dos abutres da Europa: também conhecidos por britangos, os abutres-do-egipto medem até 65 centímetros de comprimento e têm uma envergadura de asas que varia entre 1,55 e 1,70 metros. Com uma plumagem essencialmente preta e branca, a face é amarelada e têm a cauda longa.
Mas o tamanho menor não impede estas aves de percorrerem grandes distâncias. Douro, por exemplo, fez 4.400 quilómetros durante um mês de viagem, atravessando o chamado corredor ocidental do Saara, disse à Wilder Julieta Costa, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), entidade que coordena o Life Rupis (2015-2019).
Começou a viagem de regresso do Mali, onde tinha passado os meses mais frios, a 26 de Janeiro. “Do Mali passou para a Mauritânia – onde voltou atrás 400 quilómetros – e seguiu novamente para Norte até ao Saara Ocidental, atravessando depois Marrocos no sentido Sul-Norte até ao estreito de Gibraltar.”
Douro conseguiu voar a velocidades médias “bastante altas”: chegou a percorrer 87 quilómetros em duas horas, ao longo do deserto e até chegar ao estreito de Gibraltar, possivelmente com a ajuda do vento.
Mas ao contrário de pequenas aves como o papa-moscas-preto, que atravessam o maior deserto do mundo sem descansar, pensa-se que os abutres-do-egipto pousam para se alimentar, “pois chegam a parar nos mesmos pontos e até voltam atrás pontualmente, fazendo crer que procuram alguma coisa”, explica Julieta Costa.
“Também repousam durante a noite, pelo que os emissores estão preparados para emitir a localização apenas durante o dia. Até porque, como aves planadoras, precisam do ar quente ascendente para se deslocarem.”
Sobreviver às dificuldades
Ausência de correntes térmicas ou ventos favoráveis, tempestades do deserto e outras intempéries, e ainda falta de água ou de alimentos, foram as ameaças naturais que este abutre teve de enfrentar. Já o estreito de Gibraltar não costuma representar obstáculo e chega a ser atravessado em cerca de 20 minutos.
E quanto a eventuais obstáculos causadas pela acção humana, durante o Inverno ou já na viagem de regresso? Há pouca ou nenhuma informação, apesar das tentativas de contacto com empresas locais no Mali, lamenta a especialista da SPEA.
“Não temos qualquer conhecimento do terreno e das condições no Mali, Senegal ou Mauritânia. Outros abutres-do-egipto têm sido mortos no Níger ou no norte de África, mas no corredor oriental de migração, que passa entre os Balcãs, Grécia, Itália e o Sudão.”
Douro sobreviveu a todas as dificuldades. Chegou no dia 25 de Fevereiro à zona de reprodução na região do Douro Internacional, do lado espanhol da fronteira. “Eventualmente já estará a rondar o seu território [de nidificação] e à espera da companheira”. É que estes abutres, tal como a maioria das aves de rapina, regressam todos os anos ao mesmo ninho, pelo que “voltam a reencontrar o mesmo par após meses de separação”.
Mas podem ocorrer desencontros, ressalva Julieta Costa. Foi o que aconteceu no ano passado, quando um macho voltou bastante antes da fêmea. “Quando esta chegou, já o ninho tinha sido ocupado por outra.”
Ninhos de lã
Se for igual aos ninhos de outros abutres-do-egipto, o ninho de Douro e da companheira ficará abrigado numa fenda ou numa reentrância das arribas que moldam o vale do Douro.
Construídos com ramos na base, sucedem-se camadas de materiais mais finos e maleáveis, como raminhos e ramagens. Ao contrário de outras espécies de abutres do Douro – grifos e abutres-pretos – esta espécie tem “a particularidade de procurar lã de ovelha para completar a “cama” onde as crias vão nascer, tornando-a mais macia (e quente).”
Dos cinco abutres seguidos pela equipa do Life Rupis, também a fêmea Faia está de regresso, mas veio pelo chamado corredor central do Saara. Esta quarta-feira, dia 14 de Março, já estava em Espanha, um pouco acima de Córdova (Andaluzia).
Quanto aos outros três abutres-do-egipto, também a passarem o Inverno em África, não há sinais desde há alguns meses. O que pode ser um problema de transmissão ou significar que algo correu mal com as aves. “Esperemos que regressem sãos e salvos”, diz a especialista da SPEA.
Douro e Faia tinham sido capturados e marcados com emissores em Junho de 2017, com o objectivo de estudar os locais de alimentação, nidificação e os padrões de migração da espécie.
O primeiro tinha sido Rupis, em Julho de 2016, seguido pela fêmea Poiares, em Maio de 2017, marcada enquanto estava em reabilitação. O quinto e último abutre-do-egipto a receber um emissor foi Bruçó, em Julho do ano passado.
Em Portugal, tal como na Europa, os abutres-do-egipto estão Em Perigo de extinção. O Douro Internacional alberga o maior núcleo destas aves no país e é um dos mais importantes da Península Ibérica.
Segundo o censo de 2016, existem actualmente 121 casais confirmados e outros 14 possíveis na área do projecto Life Rupis, que inclui o Parque Natural do Douro Internacional (cerca de 95.000 hectares) e o Parque Natural de Arribes del Duero (107.000 hectares).
Além do abutre-do-egipto, o projecto transfronteiriço pretende também reforçar as populações de águia-perdigueira. A SPEA tem mais oito entidades parceiras, incluindo a Associação Transumância e Natureza, a Palombar, o ICNF, a Junta de Castela e Leão, a Fundación Patrimonio Natural de Castilla y Léon, a Vulture Conservation Foundation, a EDP Distribuição e a GNR.
[divider type=”thin”]Saiba mais.
Para conhecer os movimentos dos cinco abutres-do-egipto, transmitidos quase em tempo real, pode espreitar os mapas aqui.
Recorde também outros artigos sobre os abutres-do-egipto em Portugal, publicados na Wilder.