Por estes dias, centenas ou mesmo milhares de aves estão a chegar a Portugal para se reproduzirem. João E. Rabaça, professor da Universidade de Évora e coordenador do LabOr-Laboratório de Ornitologia, ajuda-o a compreender melhor o que está a acontecer.
O que é a migração das aves?
É a deslocação regular e periódica de grandes números de indivíduos entre uma área geográfica de origem e uma outra de destino. Nesta região do planeta, as aves migradoras chegam entre finais de Março e inícios de Maio (apesar de haver algumas que possam chegar ainda mais cedo), aqui se reproduzem e, quando o final do Verão prenuncia a estação fria que se avizinha, rumam a África onde permanecem até ao ano seguinte.
Porque migram as aves?
A resposta trivial diz que é para encontrarem os recursos necessários – essencialmente alimento e abrigo – para a sua sobrevivência. Todavia, a competição também desempenha um papel na “decisão” de migrar. Em algumas espécies, existe uma competição intra-específica que promove que alguns indivíduos migrem no final do Verão, enquanto outros permanecem nos locais de reprodução.
Que desafios enfrentam as aves nas migrações?
A capacidade para viajarem milhares de quilómetros cruzando barreiras geográficas e ambientes inóspitos é um dos traços mais impressionantes da migração das aves. Como o que acontece com o rouxinol-comum, por exemplo. Em 2009, investigadores do British Trust for Ornithology marcaram 20 rouxinóis com dispositivos electrónicos para saber mais sobre a sua migração. Quando, no ano seguinte, uma destas aves foi recapturada muito próximo do local onde tinha sido inicialmente marcada (Norfolk no Reino Unido), os investigadores descarregaram a informação contida no dispositivo e descobriram o seguinte: a ave foi marcada a 2 de Maio e abandonou a área em 25 de Julho; passou a oeste dos Pirenéus em finais de Agosto e chegou às imediações de Lisboa no início de Setembro; na segunda quinzena deste mês a ave estava na costa de Marrocos; desde a segunda quinzena de Novembro até meados de Dezembro esteve na região central do Senegal e Gâmbia e de meados de Dezembro a finais de Janeiro, a ave estacionou no sul do Senegal e Guiné-Bissau. Como o dispositivo entretanto avariou, os investigadores não puderam acompanhar a viagem de retorno, embora tivessem elementos que lhes permitiram verificar que terá rumado à Europa em Fevereiro. Este registo é interessante por duas razões: ilustra o modo como uma ave com pouco mais de 20 gramas concretiza uma jornada extraordinária e abre uma janela de oportunidade para uma melhor compreensão da migração das aves.
É importante “chegar a horas” aos locais de reprodução?
Este é um desafio adicional das migrações. As aves têm de procurar chegar tão cedo quanto possível, para seleccionarem os melhores territórios que assegurem os recursos necessários para uma reprodução bem sucedida. Mas chegar cedo de mais pode ser dramático, se a meteorologia primaveril for especialmente rigorosa.
Todas as aves migram?
Não, nem todas. Mais: existem espécies com populações migradoras e outras residentes. O mais extraordinário é que podem coexistir no tempo e no espaço. Como as toutinegras-de-barrete (Sylvia atricapilla). Estas pequenas aves comuns e residentes em Portugal, mesmo nas cidades, registam um aumento das suas populações durante o Inverno graças aos indivíduos oriundos do Norte e Centro da Europa, que encontram na Península Ibérica condições de alimento e abrigo necessárias à sua sobrevivência.
A que aves devemos estar mais atentos nesta altura do ano?
Vou dar algumas sugestões. Para começar, o abelharuco (Merops apiaster) e o rouxinol-comum (Luscinia megarhynchos). São espécies migradoras nidificantes que invernam em África, a sul do Sahara, e que chegam às nossas latitudes em inícios de Abril. O abelharuco é uma das aves mais polícromas da nossa avifauna e é comum no sul do território continental, nomeadamente no Alentejo, região onde é fácil observá-lo em vôo. Quanto ao rouxinol-comum, vê-lo é uma tarefa difícil mas a sua presença é assinalada através do seu canto forte e trinado e muito persistente, sendo frequente escutá-lo mesmo durante a noite. Depois há também o rouxinol-do-mato (Cercothrichas galactotes), um migrador tardio que chega justamente em inícios de Maio, permanecendo por aqui até finais de Agosto. Ocorre sobretudo nas regiões mais áridas do sudeste alentejano e algarvio, sendo possível observá-lo nos vales de rios e ribeiras de cariz mediterrânico.
Podemos também procurar observar os andorinhões-pretos (Apus apus) e os andorinhões-pálidos (A. pallidus), que podem ser vistos em Portugal a partir de finais de Março até ao fim do Verão, quando rumam a Sul para passar o Inverno em África. Em muitas cidades do continente, de Norte a Sul, os andorinhões compõem as paisagens urbanas e são bem visíveis e audíveis.
Outra sugestão é o chasco-ruivo (Oenanthe hispanica), ave que chega a Portugal a partir de meados de Março e permanece até finais de Setembro. As melhores áreas para observar esta elegante ave são o Douro Internacional, o Tejo Internacional e algumas zonas do Alentejo Central e Baixo Alentejo.