Visão-americano. Foto: Ryzhkov Sergey/Wiki Commons

Visão-americano: Este sério problema ambiental saiu das quintas de produção de animais

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No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras publicada em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, Luís Miguel Rosalino, professor auxiliar na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, apresenta-nos este carnívoro de pelagem bela e lustrosa – qualidade que se tornou na sua maldição – detectado em Portugal pela primeira vez há quase 40 anos.

O que é um visão-americano?

O visão-americano (Neovison vison) é um carnívoro de origem americana, de tamanho médio (com 30 a 45 centímetros de comprimento) e muito conhecido pela sua pelagem brilhante e lustrosa, castanho-escura, quase negra, que embora torne esta espécie esteticamente muito bonita também foi uma “maldição”.  Isto porque foi esta característica da sua pelagem que fez com que primeiro fosse bastante caçado e, mais recentemente, criado em cativeiro para a obtenção das suas peles, utilizadas na produção dos tão conhecidos casacos de visão.

O nome visão deriva do seu nome específico “vison”, que em sueco significa “um tipo de doninha”. Em alguns países este carnívoro é conhecido como doninha-de-água (ou ‘water weasel’ em inglês) – nome que indicia bem a ligação que tem com os sistemas aquáticos.

Este uso de sistemas aquáticos fez com que o visão-americano se adaptasse às condições ambientais desses ecossistemas. Assim, apresenta membranas interdigitais nas patas posteriores, que o ajudam a deslocar-se dentro de água, e a pelagem é densa e impermeável (o que contribui também para valorização comercial das peles deste animal). Para além da sua pelagem negra uniforme, apresenta algumas manchas brancas no queixo e às vezes no abdómen.

Foto: Cephas/Wiki Commons

Normalmente os machos são bastante maiores que as fêmeas, chegando a pesar quase o dobro: os machos pesam 800 a 1800 gramas e as fêmeas entre 500 e 900 gramas. Por isso, são fáceis de distinguir.

Onde é que no mundo pode o visão-americano ser encontrado?

Este visão é considerado uma espécie semi-aquática: embora use preferencialmente os ecossistemas aquáticos (por exemplo ribeiras, rios, lagos, pauis, zonas costeiras e outros), ocupa também os ambientes terrestres contíguos. Naturalmente este carnívoros ocorrem, como o nome indica, na América do Norte (Estados Unidos e Canadá), desde as regiões mais árida do sul até aos limites da tundra. No entanto, com a ajuda do Homem, colonizou quase todos os continentes, desde a Europa e Ásia Oriental à América do Sul e à Nova Zelândia.

À Europa este predador chegou na segunda década do século XX, tendo os primeiros indivíduos sido detectados na Suécia. Estas populações pioneiras de invasores mantiveram-se contidas até aos anos 50 e 60, altura a partir da qual se verificou uma expansão deste predador para outras zonas do continente.

Actualmente, o visão-americano pode ser encontrado um pouco por todo a Europa, desde a Bielorrússia, Rússia, Ucrânia Letónia, Estónia, Lituânia e Polónia a Este, até às regiões atlânticas da Bélgica, Holanda, França e Reino Unido, passando pelas zonas centrais do continente (Alemanha, República Checa). Sendo uma espécie resiliente, conseguiu colonizar os ambientes mais frios do Norte da Europa (Dinamarca, Finlândia, Islândia e Suécia), mas também as zonas mais temperadas e quentes do Mediterrâneo (Espanha, Itália, Portugal, Sérvia, Montenegro). 

Como é que este carnívoro chegou a Portugal?

O visão-americano foi introduzido em Espanha no finais da década de 50, para criação em quintas de produção intensiva, com o objectivo de comercializar as suas peles. Na década de 80 estimava-se que o número dessas quintas ascendia a 400, a grande maioria localizadas na região Noroeste, na Galiza. Foi nessa década que as primeira populações deste predador se estabeleceram na natureza em Espanha, fruto de fugas dessas instalações.

Visão-americano. Foto: tsaiproject/Wiki Commons

Pensa-se que a colonização do território português tenha ocorrido a partir de populações que escaparam destas quintas de produção da Galiza e que conseguiram chegar à fronteira portuguesa. Assim, o primeiro indivíduo foi detectado em Portugal no rio Minho, em 1985. 

E onde pode ser encontrado no nosso país?

A distribuição do visão-americano em Portugal não é actualizada de uma forma sistematizada desde 2015, altura em que foi implementado o primeiro estudo que visava avaliar a expansão deste predador no país. Nessa altura foi possível confirmar que a espécie já se encontrava na maioria dos rios do Minho (Rios Minho, Lima, Cávado e Ave), em especial nas regiões mais a jusante destes rios. Foi ainda possível recolher informações que permitiram confirmar que a espécie já tinha colonizado áreas a este da Serra do Marão, nomeadamente nos rios Tâmega e Tua. Actualmente, já existem registos fiáveis do visão-americano (ou seja, fotografias) na plataforma Biodiversity4All, localizados nas zonas mais orientais de Trás-os-Montes – nomeadamente no Rio Sabor, junto a Torre de Moncorvo, no rio Angueira a sul de Vimioso e no Douro Internacional, na zona de Miranda do Douro.  

Visão-americano fotografado na zona de Miranda do Douro. Foto: Naturpel/Biodiversity4All

Mas quais são os problemas causados por este invasor nos ecossistemas ibéricos?

Sendo um predador oportunista e generalista – cuja dieta inclui invertebrados, peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos – este carnívoro pode ter um impacto importante em espécies de vertebrados que possam já estar ameaçadas, uma vez que a pressão predatória que pode induzir nessas espécies pode levá-las a tornarem-se raras ou mesmo a extinguirem-se localmente.

Por outro lado, sendo um predador exótico e invasor, algumas das espécies de presa que pode consumir nos ecossistemas ibéricos podem ainda não ter desenvolvido estratégias anti-predatórias específicas para fazer face às estratégias de caça dos visões-americanos. Esta limitação pode tornar as presas nativas mais susceptíveis à predação, como é o caso do rato-de-água (Arvicola sapidus).

Ainda para mais, ao consumirem estas presas, as populações de visão competem directamente com os carnívoros nativos – entre os quais o toirão (Mustela putorius) e a lontra (Lutra lutra) – que, dessa forma, terão que partilhar os recursos alimentares disponíveis com estes novos predadores.

E o visão-americano compete com o visão-europeu?

Compete sim, e este é um exemplo de como isso pode ter efeito nefastos na sobrevivência dos carnívoros nativos. O visão-europeu (Mustela lutreola) é um mustelídeo que na Ibéria apenas ocorre em Espanha e é uma espécie rara e ameaçada devido à perda e fragmentação de habitat, a problemas genéticos associados ao reduzido tamanho populacional e a mortalidade induzida pelo Homem (por exemplo, atropelamento). Este mamífero ocorre em ambientes de água doce (rio, ribeiros, etc.), tal como o visão-americano.

Visão-europeu. Foto: Paco Gómez/iNaturalist

A chegada do visão-americano a áreas onde a espécie nativa ocorre trouxe mais um factor de ameaça ao visão-europeu, cuja sobrevivência na natureza já era difícil. Ainda para mais o invasor é maior e mais agressivo; tem um maior sucesso reprodutor, pois gera mais crias por ninhada; tem uma dieta mais generalista; é ecologicamente mais versátil. Estas características fazem com seja um competidor mais eficaz que o visão-europeu, tendo sido já aliás detectado o ataque e morte da espécie nativa pelo invasor.

Por outro lado, o visão-americano é também um vector de algumas doenças que afectam espécies nativas, o que faz com que a sua presença possa levar ao aumento da prevalência de patologias em espécies como o visão-europeu.

E quanto ao SARS-CoV-2?

Em Abril de 2020 foi detectado, pela primeira vez, um surto de SARS-CoV-2 em visões-americanos de uma quinta de produção na Holanda. Desde então, diversas outras quintas localizadas em países europeus como a França, Dinamarca, Grécia, Itália, Espanha, Suécia, Polónia e Lituânia detectaram a presença deste vírus nos seus animais. Uma vez que os visões-americanos infectados transmitiam o vírus aos restantes animais da quinta e tinham a possibilidade de o transmitir aos humanos, países como a Dinamarca decidiram matar todos os visões-americanos registados no país. Apesar de várias espécies silvestres (nativas ou invasoras) poderem ser infectadas por SARS-CoV-2, na Europa apenas foi referida a detecção deste vírus em visões-americanos residentes em quintas, ou que se tornaram ferais – como foi detectado em 2021 na Comunidade Valenciana em Espanha – e nunca em animais silvestres nativos.

Visão-americano. Foto: Ryzhkov Sergey/Wiki Commons

É possível controlar ou erradicar as populações desta espécie? 

É muito difícil controlar ou erradicar uma espécie de animal invasor quando já há populações estabelecidas e a reproduzir-se. E por isso, as acções mais eficazes centram-se em impedir a invasão e eliminar os indivíduos numa fase inicial do processo. Passado esse limite, apenas é possível gerir a população.

Na Ibéria, estamos nesta última fase em que se tentam minimizar os efeitos e controlar algumas populações – como por exemplo as que ocorrem em áreas de presença de espécies ameaçadas como é o caso do visão-europeu. As acções de erradicação com mais sucesso, após o estabelecimento de populações reprodutoras, foram as que decorreram em ilhas, uma vez que aí o espaço é limitado e a recolonização pode ser evitada.

Por exemplo, no Parque Nacional Ilhas Atlânticas, na costa ocidental da Galiza, foi estabelecido um plano de erradicação do visão-americano em 2009, para tentar libertar as áreas do parque de um invasor que tinha chegado às ilhas no início dos anos 2000. A monitorização dessa população revelou que, em 2014, poucos ou nenhuns indivíduos ainda existiam no parque, o que indiciou que o plano teve, aparentemente, sucesso.  

Duas curiosidades

Os indivíduos desta espécie são muito curiosos e inteligentes: conseguem mesmo memorizar formas e ter a capacidade de aprender, quando treinados, a replicar alguns comportamentos e acções. Estas características levaram alguns investigadores a considerarem-nos mais inteligentes do que os gatos ou alguns primatas. 

Apesar de a sua caça e produção em quintas estar associada à utilização da sua pelagem na confecção de vestuário, para os povos nativos americanos, que coexistiam naturalmente com este predador, este carnívoro era considerado uma espécie especial. Segundo a cultura dos índios da Costa Noroeste, o visão é filho de uma fêmea de leão marinho e do sol, tendo herdado a extraordinária capacidade de nadar da mãe e a pelagem brilhante do pai. No Canadá, ter contacto ou matar um visão trazia má sorte e por isso a espécie não era molestada.


Saiba mais.

Descubra mais sobre o visão-americano no site do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental.


Série Espécies Aquáticas Invasoras

Em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder dá-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.

Recorde o que se passa em Portugal com o siluro, o mexilhão-zebra, a rã-de-unhas-africana, o alburno, a amêijoa asiática, o caranguejo-peludo-chinês, a amêijoa-japonesa, a gambúsia, o lagostim-sinal, a medusa Blackfordia virginica, o lucioperca, o caranguejo-azul, a ludevígia-rastejante, o jacinto-aquático, a íbis-sagrada, o mosquito-tigre-asiático e a pinheirinha-de-água.

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