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Sete perguntas a Afonso Rocha sobre a migração das aves no Outono

08.10.2018

A 22 de Setembro, um grupo de ornitólogos celebrou a chegada do Outono na Quinta da Atalaia, no Estuário do Tejo, com uma sessão de anilhagem. Contaram 76 aves de 16 espécies. Afonso Rocha, um dos responsáveis do Grupo de Anilhagem do Estuário do Tejo, responde a sete perguntas sobre a migração das aves no Outono. 

 

WILDER: Que espécies de aves estão a passar neste momento, rumo a África?

Afonso Rocha: Nesta altura há milhares de aves de diferentes espécies a migrar ao longo do nosso país. Muitas utilizam as zonas húmidas como local de paragem para descansar e/ou reabastecer as reservas de gordura. Alguns exemplos são o rouxinol-dos-caniços, o chasco-cinzento, o pilrito-de-bico-comprido e o fuselo que rumam aos seus territórios de invernada a Sul do deserto do Sahara.

 

As salinas do Tejo são o refúgio de preia-mar para muitas aves aquáticas, com especial importância para as aves limícolas

 

W: E mais concretamente no Estuário do Tejo, que espécies estão a chegar?

Afonso Rocha: Nesta altura do ano estão a passar várias populações de aves da mesma espécie. Para umas o estuário do Tejo será o ponto final da sua viagem, mas para outras é apenas um ponto de paragem numa viagem mais longa até África. Estão a chegar, por exemplo, populações invernantes de perna-vermelha e de pisco-de-peito-azul. Sabemos isto graças às aves marcadas com anilhas. O controlo de aves marcadas com anilhas coloridas ou a recaptura de aves com anilhas metálicas permite-nos responder à pergunta.

 

W: Qual a importância do Estuário do Tejo para as aves migradoras?

Afonso Rocha: O estuário do Tejo é, para muitas aves, o último grande local de paragem antes de voarem directamente para os locais de invernada em África na migração Outonal, para sul. Localiza-se, estrategicamente, na rota de migração do Atlântico Este. A Norte, esta rota de migração é vasta e cobre uma área desde a Gronelândia à península de Taymyr no Norte da Rússia, afunilando em seguida pela Islândia, ilhas britânicas e Norte da Europa. As aves vindas do Norte atravessam a Península Ibérica rumo aos locais de invernada em África e milhares destas aves páram no Estuário do Tejo para reabastecer ou apenas descansar, como se fosse uma área de serviço numa autoestrada.  Algumas espécies percorrem toda a extensão desta rota de migração, como o pilrito-das-praias que se reproduz na Gronelândia e inverna até à costa da África do Sul.

 

Captura de aves limícolas com redes verticais

 

W: Normalmente quando ocorre o pico das migrações outonais no Estuário do Tejo?

Afonso Rocha: A migração outonal tem um período longo, com início em meados de Julho, prolongando-se até meados de Outubro. Setembro é o mês mais espectacular para a observação de aves limícolas nos vários estuários do país. A migração outonal para mim é a mais fantástica, pois podemos observar muitos juvenis que nasceram durante a Primavera e que, devido à sua inexperiência, páram em habitats pouco típicos.

 

Afonso Rocha com um borrelho-grande-de-coleira (Charadrius hiaticula)

 

W: Que tipo de aves chegam agora ao Estuário do Tejo? São migradores de longas distâncias ou de mais perto?

Afonso Rocha: O fluxo migratório dentro de um período de migração é irregular e depende, entre outros factores, das condições atmosféricas. Isto porque as aves aproveitam os ventos a diferentes altitudes que as permitam “levar” dos locais onde se reproduziram para os seus destinos de Inverno. Isso quer dizer que num dia podemos ver muitas aves de uma espécie, por exemplo felosa-das-figueiras, e no dia seguinte já grande parte dessas aves desapareceu. Os migradores de longas distâncias tendem a migrar mais tarde que os de curtas distâncias. Um bom exemplo disso é a grande passagem de fuselos que passam no Estuário do Tejo em Setembro rumo aos território de invernada na Mauritânia ou na Guiné-Bissau, ou o chasco-cinzento que nidifica na Gronelândia e passa o Inverno na África subsariana. Resumindo, as aves que migram distâncias mais curtas e que invernam em Portugal podem ser observadas mais cedo que os migradores de longa distância.

 

Perna-vermelha (Tringa totanus)

 

W: O que estão a tentar saber com o projecto de anilhagem no Estuário do Tejo?

Afonso Rocha: O grupo de anilhagem do Estuário do Tejo congrega um conjunto de investigadores e voluntários que apoiam o desenvolvimento de projectos de investigação e monitorização da avifauna, bem como a formação de novos anilhadores. Dois exemplos de projectos que desenvolvemos são: o Projecto Estações de Esforço Constante, que nos permite estimar a abundância de várias espécies de aves nidificantes e a sua produtividade (número de juvenis voadores) ao longo dos anos; e a marcação de perna-vermelha com anilhas coloridas para determinar a origem das populações que invernam em Portugal (Estuário do Tejo) e também na costa oeste Africana (Guiné-Bissau). Estes estudos permitem-nos afirmar, por exemplo, que o rouxinol-dos-caniços teve uma baixa produtividade na passada Primavera e que os perna-vermelha começam a chegar ao Estuário do Tejo em meados de Julho para aqui passarem o Inverno.

 

Pisco-de-peito-azul (Luscinia svecica cyanecula)

 

W: Como podem as pessoas ajudar as aves migradoras?

Afonso Rocha: Podem ajudar as aves migradoras tendo o prazer de as observar no campo e ao encontrarem uma ave com marcas coloridas, reportarem a sua observação. São este tipo registos, as observações ou as fotografias de aves com marcas coloridas, que suportam vários projectos de investigação e permitem melhorar o conhecimento sobre as estratégicas migratórias e a fenologia de muitas espécies de aves.

 

Anilhas coloridas. A utilização de combinações coloridas permitem identificar individualmente as aves no campo sem ser necessário capturá-las novamente

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Quatro sítios para assistir à migração das aves no Estuário do Tejo, sugeridos por Afonso Rocha:

O estuário do Tejo, devido à grande diversidade de habitats que o compõe, é um local de eleição para observação de aves durante todo o ano e em especial durante os períodos migratórios onde podem ser observadas espécies que apenas surgem no nosso país nestes períodos.

Diria que os locais chave a visitar são:

  • Ponta da Erva
  • Lagoas do EVOA na lezíria sul
  • Sítio das Hortas
  • Salinas do Samouco (Alcochete).

 

[divider type=”thick”]Saiba mais sobre o Grupo de Anilhagem do Estuário do Tejo.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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