Rã-de-unhas-africana: esta invasora é um caso de sucesso em Portugal

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Portugal também pode ser um bom exemplo no combate à proliferação de espécies exóticas invasoras.

No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras, publicada na Wilder em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, falámos com Rui Rebelo, professor e investigador na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que explica o que se passa actualmente com a rã-de-unhas-africana e quais são os problemas que este anfíbio causa.

Que espécie é esta?

A rã-de-unhas-africana (Xenopus laevis) é uma rã bastante atípica para um europeu. Isto porque pertence a uma família de rãs (Pipidae) que não existe na Europa. Os pipídeos são quase exclusivamente aquáticos e não só não têm de vir a terra, como também não aparecem à superfície, vivendo junto ao fundo. O modo de vida é às vezes mais semelhante a um peixe que a um anfíbio – por exemplo, só se alimentam debaixo de água, caçando pelo cheiro, e até têm um sistema de linha lateral, um órgão que serve para captar vibrações na água semelhante ao dos peixes. 

Adulto de Xenopus laevi, no qual é visível o sistema de linha lateral – uns pequenos “riscos” mais claros ao longo dos dois flancos. Foto: Rui Rebelo

A rã-de-unhas-africana que podemos encontrar em Portugal é originária da África do Sul e do sul de Moçambique. Estas rãs podem ser grandes – até 15 centímetros de comprimento – e viver até 20 anos em cativeiro. No entanto têm uma coloração castanha/cinzento/esverdeada, que as torna bastante miméticas, confundindo-se facilmente com o que está em redor. Além disso, como todos os pipídeos, podem passar toda a vida junto ao fundo dos lagos, charcos ou rios onde vivem. Por isso passam facilmente despercebidas aos humanos nos locais que invadem.

Chamam-lhe rã-de-unhas porquê?

Porque tem mesmo unhas. E para uma rã, isso é muito estranho. Na verdade as rãs deste Género (Xenopus) são mesmo as únicas entre todas as rãs do mundo que têm unhas córneas na extremidade dos dedos. Na Xenopus laevis essas unhas parecem pequenas garras no 3º, 4º e 5º dedos das patas posteriores. Não se sabe todas as funções que essas unhas podem ter, mas uma é muito óbvia: como estas rãs se podem alimentar de animais bem maiores que elas, mordem a presa, e com fortes coices conseguem desfazê-la em pedaços mais pequenos que conseguem engolir. Do mesmo modo, um coice desta rã podem causar um arranhão fundo ou pequeno golpe numa mão humana.

Como chegou a Portugal?

A rã-de-unhas-africana é muito fácil de criar em cativeiro, quase como se fosse um peixe de aquário, e por isso é vendida em lojas de animais de estimação. Pela mesma razão é também muito usada como animal de laboratório. Além disso, descobriu-se há muito tempo que as fêmeas desta espécie ovulam quando salpicadas com urina de mulheres grávidas (reconhecem a hormona humana). Isto levou a que nos anos 50 do século passado esta rã fosse exportada da África do Sul para laboratórios em todo o mundo, quando foram criados os primeiros testes de gravidez.

Nós comparámos os genes dos animais que se encontram em Portugal com os de animais de várias regiões da África do Sul e de outros países europeus onde esta rã foi introduzida. Verificámos que as rãs de Portugal são todas muito semelhantes entre si e também muito semelhantes às rãs de Vrendedal – uma estação zootécnica que fica na província do Cabo, na África do Sul. Esta estação foi a principal fornecedora de rãs aos laboratórios de todo o mundo entre as décadas de 1950 e 1970. Temos assim uma forte indicação de que estas rãs terão sido introduzidas, provavelmente de forma acidental, a partir de um laboratório. Esta foi também a forma de introdução de Xenopus laevis em Inglaterra, em Itália, em França, no Japão, etc.

E como pode ser detectada?

Esse é um dos grandes truques da espécie: passa muito facilmente despercebida. O modo mais fácil de a detectar é provavelmente pela observação dos seus girinos. Os girinos são muito diferentes dos girinos de todas as espécies nacionais. São semi-transparentes e formam “cardumes” que nadam em conjunto à superfície da água, onde se alimentam lentamente por filtração do fitoplâncton. Nenhum dos girinos das espécies nacionais faz isto.

Os girinos de Xenopus laevis são semi-transparentes e geralmente vivem em grupos. Foto: Rui Rebelo

Assim, o modo mais fácil de detectá-la é aproximar-se devagar dos charcos, lagoas ou rios e observar com a atenção a superfície da água. Os “cardumes” de animais semi-transparentes que se movem muito devagar à superfície podem ser assim descobertos.

Onde é que está presente no nosso país?

Foram encontradas várias populações reprodutoras nas bacias das ribeiras da Laje e de Barcarena, maioritariamente na porção que atravessa o concelho de Oeiras, no distrito de Lisboa. De vez em quando são encontrados animais isolados noutros locais. Actualmente, em 2020, após vários anos de uma campanha de controlo, é muito rara e só se encontram animais isolados, mas ainda nas duas ribeiras.

Isso significa que conseguiram erradicar esta espécie? 

A espécie ainda não está erradicada em Portugal, mas o seu efetivo diminuiu consideravelmente como resultado de um programa de erradicação que está em curso desde 2010, e que resulta de um protocolo estabelecido entre o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, a Câmara Municipal de Oeiras, o Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais/ Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e o Instituto Gulbenkian de Ciência.

Monitorização da ribeira de Barcarena durante o programa de controlo. As rãs adultas são capturadas com pesca elétrica – pequenos choques elétricos que apenas atordoam os animais – permitindo a sua captura com camaroeiro. Foto: Rui Rebelo

Com o apoio essencial de pessoal e viaturas da Câmara Municipal de Oeiras, todos os Verões é realizada uma monitorização das duas ribeiras invadidas, com a captura de todas as rãs-de-unhas encontradas, incluindo os girinos. Ao longo dos anos, e especialmente a partir de 2015, o número de animais capturados tem sido cada vez menor. Por exemplo em 2020 capturámos apenas 5 adultos.

Mas qual é afinal o problema com esta rã?

A rã-de-unhas-africana é muito voraz e sabe-se que tem impactos nas espécies de anfíbios nativas. Tem uma preferência por girinos, e por isso tem um impacto sobre as espécies europeias, que têm girinos que vivem preferencialmente junto ao fundo. Caça também as espécies nativas de peixes e de insetos, mas o impacto sobre estas espécies ainda não foi estudado. Tende a remexer muito os fundos onde vive, e isso tem como consequência o desenraizamento da vegetação aquática e um aumento da turbidez da água. As comunidades dos rios e lagos invadidos podem assim mudar totalmente – de espécies que vivem em água transparente com vegetação emergente para as espécies que vivem em locais turvos, em que as únicas plantas que sobrevivem são as algas (flutuantes).

Um juvenil de Xenopus laevis capturado durante o programa de controlo e erradicação de espécie em Oeiras. A espécie é voraz e consegue comer presas praticamente do seu tamanho –  neste caso um peixe endémico e ameaçado, Iberochondrostoma lusitanicum. Foto: Rui Rebelo

E finalmente o impacto mais grave resulta do facto desta espécie poder ser um vetor de doenças que são muito graves para os anfíbios nativos (e num caso também para os peixes). Esta rã é muito resistente às infeções e pode sobreviver a várias doenças em simultâneo, doenças essas que resultam de micro-organismos que também não são nativos e que podem “viajar” com a rã e ser introduzidos por todo o mundo.

E qual é a situação noutros sítios do mundo onde é invasora?

Dados os seus impactos e potencial invasor, tem havido tentativas de controlo ou erradicação em vários locais do mundo. Até agora foi possível erradicá-la de um dos dois locais onde foi introduzida no País de Gales, e também em alguns dos estados do sul dos EUA (populações isoladas). O segundo melhor exemplo é o de Portugal. Em alguns países, como no Chile e em França, já se assumiu que será muito difícil o controle e hoje em dia estão a tentar impedir a sua expansão, contendo-as em áreas relativamente restritas.

Que cuidados as pessoas devem ter para que não regresse a Portugal?

Esta rã continua a ser comercializada em lojas de animais. Tal como com muitas outras espécies, o principal cuidado a ter é não libertar estas rãs na natureza – em nenhuma ocasião. 


Série Espécies Aquáticas Invasoras

Ao longo dos próximos meses, em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder vai dar-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.

Recorde o que se passa em Portugal com o siluro e com o mexilhão-zebra.


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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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