Olhando para 2016, o correspondente da Wilder António Heitor teve um ano “de boas observações e excelentes momentos de campo”. Águias-pesqueiras e de Bonelli, gaivinas-de-bico-preto a caçar insectos nos arrozais e um bando de íbis-pretos, ao final do dia, aproveitando o trabalho do agricultor para encontrar alimento são alguns dos momentos altos para este observador de aves.
O ano começou em força com as rapinas: censo de águia-pesqueira e censo de águia-imperial. Foram dias com bastantes espécies mas uma destacou-se das restantes: um trigueirão diferente dos outros. No final do trabalho é reconfortante ver que algumas das nossas espécies estão a conseguir aguentar apesar de passarem por tempos difíceis.
No meio dos dias de censo visitei a zona portuária de Lisboa à procura de gaivotas. Tinha como meta para 2016 aprender um pouco mais sobre este grupo de espécies que levanta algumas dificuldades na identificação, devido às grandes semelhanças entre elas. Ao mesmo tempo aproveitei para procurar aves anilhados e, desta forma, contribuir um pouco para o aumento do conhecimento sobre elas.
Durante todo o Inverno e a Primavera foram muitas as visitas ao Estuário de Tejo. Numa delas houve um encontro muito aguardado: um marreco. Os patos são um dos grupos de aves que mais gosto, pela sua elegância e resistência às adversidades. O marreco em particular não é uma espécie comum no nosso país. Não costuma invernar, como as restantes espécies de patos, e podemos encontrá-lo com maior frequência durante a migração, sendo mais fácil de ver na Primavera do que no final do Verão.
Uma passagem pela “Horta da minha Tia Clara” em Melgaço foi palco para um festival de passeriformes comuns. No final da estadia reforço a convicção sobre a importância das hortas “urbanas” como suporte para uma comunidade de fauna e flora que, embora comum, sofre alguns sinais de declínio. Aproveitei e fui até aos planaltos de Castro Laboreiro e à Serra da Peneda. Aqui foram visíveis os impactos da irresponsabilidade humana: um corvo com sinais de ter sido atingido por um tiro. O abate de aves a par do uso de venenos são crimes a combater.
À medida que o calor apertava, as idas ao estuário do Tejo obrigavam a saídas pela fresca. Apesar do atraso na sementeira do arroz, fruto de uma Primavera atípica e de chuvas fortes fora de tempo, as aves lá foram chegando e ocupando o seu lugar neste habitat agrícola. Como sempre as perdizes-do-mar e as garças-vermelhas foram das primeiras espécies registadas. Mas as aves que guardo melhor na memória foram as gaivinas-de-bico-preto. Este ano andavam atarefadas a caçar insectos nos arrozais, tolerando a minha presença.
O Verão é sempre tempo de menos saídas, mas tal não significa que não se tire partido das férias para algumas observações curiosas. Numa delas pude registar com alegria mais um ano bem sucedido para o casal de águia-de-Bonelli da Lezíria do Tejo. Ver um juvenil a voar junto de uma ave adulta é um bom presságio para esta ave. Esta grande rapina tem demonstrado uma grande capacidade de adaptação a condições tão diferentes. Se em alguns locais se alimenta principalmente de coelhos e perdizes, em outros os pombos são fundamentais. Já na lezíria, pelo que pude assistir, as garças e cegonhas são alvo comum.
O fim do Verão anuncia a época das migrações. Na lezíria do Tejo os primeiros a chegar são os abibes e as narcejas, ainda durante Agosto. Mas os maiores desafios são encontrar as espécies em passagem, como a gaivina-preta, o cartaxo-nortenho ou o chasco-cinzento.
As gaivotas voltaram a marcar lugar de especial relevância, não pela diversidade de espécies, mas sim pelos registos interessantes. Encontrei aves anilhadas, muitas do RIAS (Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens da Ria Formosa, no Algarve), o que me fez pensar no elevado número de aves que precisam de ir para um centro de recuperação devido a causas diversas. Uma delas é a poluição o que, tendo em conta a curiosidade das gaivotas, as coloca especialmente em risco.
Já o Outono ia a meio e uma visita ao rio Tejo em Vila Nova da Barquinha proporcionou um (re)encontro memorável com uma águia-pesqueira que caçava junto à margem procurando um peixe mais distraído. Um, dois, três mergulhos e nada. Enquanto me deliciava com a “pescaria”, um vulto descendo a pique anunciava a entrada em cena de uma águia-calçada em plena perseguição. Também a “calçada” não teve muita sorte.
O fim do Outono começava a anunciar o Natal. O menino Jesus deu-me algumas prendas antecipadas: voltei a dar de caras com uma pesqueira. Esta era já uma “velha conhecida” pois era um animal anilhado que costuma utilizar os postes elétricos da Lezíria. Apesar da excelente oportunidade para chegar perto desta grande rapina, não deixa de constituir uma grande ameaça, pois o perigo de electrocução é grande.
No último dia de campo do ano, já durante o pôr-do-sol, um enorme bando de aves aproveitava o trabalho do agricultor para encontrar alimento mais facilmente. Um grupo de íbis-pretos deixou-se aproximar o suficiente para uma das minhas melhores sessões fotográficas. Luz de final de dia fantástica, sem nuvens, sem vento e aves descontraídas.
Ao ver uma cena assim de perfeita harmonia entre o Homem, a agricultura e a natureza fico cada vez mais convicto que é perfeitamente possível utilizarmos os recursos naturais sem os destruir, potenciando ao mesmo tempo recursos para a fauna e flora. Para atingirmos esse equilíbrio só nos falta dialogar e procurar soluções vantajosas para todos os interesses.
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