Carine Azevedo fala-nos de uma planta muito especial, a última orquídea silvestre do ano a florir em Portugal Continental, cujas flores brancas e perfumadas podemos encontrar por estes dias.
As orquídeas são frequentemente apelidadas de rainhas das flores pela sua elegância, delicadeza e graciosidade únicas. Como as suas flores se mantêm perfeitas por um longo período de tempo, são das plantas mais conhecidas e procuradas para decorar espaços.
Existem cerca de 25.000 espécies de orquídeas, distribuídas por aproximadamente 800 géneros botânicos e muitos híbridos, que apresentam as mais variadas cores, formas e tamanhos. Crescem geralmente no sub-bosque de florestas tropicais e subtropicais, embora possam ocorrer nos mais diversos habitats.
Em Portugal, existe uma vasta coleção de orquídeas nativas que na sua maioria florescem durante a primavera e o verão, mas há uma espécie que podemos encontrar em flor durante o outono.
A orquídea-de-outono (Spiranthes spiralis) é a última espécie do ano a florir em Portugal Continental. Venham conhecê-la um pouco melhor.
Spiranthes
A orquídea-de-outono é uma espécie do género botânico Spiranthes, pertencente à família Orchidaceae.
Spiranthes é um género de orquídeas terrestres que contém cerca de 40 espécies, distribuídas pelas regiões temperadas da América do Norte, América do Sul, Europa, Ásia e Austrália, e que podem crescer numa ampla gama de habitats, incluindo prados, campos e até florestas.
Em Portugal, ocorrem apenas duas espécies cujas características morfológicas são muito semelhantes. No entanto, possuem períodos de floração distintos: a Spiranthes aestivalis floresce no final da primavera, entre os meses de maio e junho, e a Spiranthes spiralis tem floração outonal.
Orquídea-de-outono
A orquídea-de-outono (Spiranthes spiralis) é uma planta perene, herbácea, que pode atingir entre cinco a trinta centímetros de altura.
É formada por dois a quatro tubérculos subterrâneos, elipsóides, castanhos e lisos, que funcionam como órgãos de reserva e que permitem que se mantenha em dormência durante a época mais desfavorável ao seu desenvolvimento.
Quando as condições ecológicas são favoráveis, a orquídea-de-outono desenvolve a parte aérea, formada essencialmente pela haste floral e pelas folhas.
As folhas são basais e surgem em roseta, em conjuntos de quatro a cinco folhas, ao lado da haste floral. São ovado-elípticas, verdes, muito brilhantes, agudas e glaucas. As suas margens são inteiras e ligeiramente translúcidas.
Quanto à haste floral, surge no outono, após a ocorrência das primeiras chuvas. É verde, simples, ereta, cilíndrica, lisa e verde-pálida e tem a particularidade de preceder o aparecimento das folhas. A parte superior desta haste é coberta com pêlos glandulíferos, curtos e transparentes.
Por sua vez, as flores são perfumadas, hermafroditas, pequenas e brancas. Surgem dispostas numa única linha, em espiral, em conjuntos de 10 a 25 flores e não possuem pedúnculo.
Abaixo de cada flor surge uma bráctea protetora, elíptica e verde, semelhante a uma folha. As sépalas são livres, esbranquiçadas e estreitamente triangulares. Já as pétalas, ao contrário dos restantes elementos que compõem a haste floral, não possuem pêlos glandulíferos e são brancas.
Quanto ao labelo, é finamente crenado na extremidade, um pouco mais longo do que as sépalas e não possui esporão. É acentuadamente curvo para baixo, glabro, verde-amarelo e com rebordo branco.
Por seu turno, o fruto é uma cápsula ereta e oblonga, com numerosas sementes minúsculas, planas e reticuladas.
‘Autumn lady’s-tresses‘
A origem etimológica desta espécie está intimamente relacionada com a forma como as flores ocorrem.
O nome do género Spiranthes deriva do grego antigo, da combinação dos termos “spir-” que significa “enrolar-se” e de “-anthos” que significa “flor”, ou seja, “flores dispostas em espiral”, referindo-se à forma da inflorescência. O epíteto específico spiralis também se refere ao arranjo em espiral das flores ao longo da haste floral.
Esta característica também lhe confere o nome comum, em inglês, de ‘autumn lady’s-tresses’ (“tranças-de-dama de outono”).
Origem, ecologia e habitat
A orquídea-de-outono ocorre por quase toda a Europa, no Médio Oriente e no Norte de África.
Em Portugal está presente em Trás-os-Montes, Douro Litoral, Beira Litoral, Estremadura, Ribatejo, Alto Alentejo e Algarve, embora seja mais comum nas regiões da Beira Litoral e Estremadura, onde existem várias populações bem estabelecidas. Não há registo da sua ocorrência nos Arquipélagos da Madeira e dos Açores.
Esta espécie de orquídea ocorre em prados, clareiras de matos, em zonas de matos baixos e bermas de caminhos, mas também pode encontrar-se, mais raramente, em campos de cultivos e até em dunas.
Tem preferência por locais com boa exposição solar, mas também pode crescer em locais de semi-sombra. É indiferente ao tipo de substrato, mas no entanto tem preferência por solos secos, embora tolere os solos húmidos, desde que bem drenados.
A orquídea-de-outono não é autogâmica e atrai inúmeros insectos polinizadores, principalmente zangões e abelhas, que são responsáveis pela polinização e frutificação bem-sucedidas desta espécie.
A dispersão das sementes ocorre pela ação do vento, no entanto, a maioria das sementes não se afasta do local de origem, uma vez que é comum a grande maioria das novas plantas desenvolverem-se junto da planta-mãe.
Esta espécie silvestre, embora não apresente nenhum estatuto de conservação em particular, é rara, devendo por isso ser preservada como qualquer outra espécie de orquídea nativa.
Para a apreciar temos de estar bastante atentos e aproximarmo-nos bem dela, mas quando a encontramos ficamos com a certeza de que encontrámos um pequeno tesouro natural.
Se a vir por aí registe esse momento, mas não a colha, para que seja polinizada e volte a florir na próxima época. Basta observar e fotografar e, caso queira, partilhe a sua descoberta nas redes sociais, com #oqueprocurar #plantasdeportugal #floranativa e #àdescobertadasplantasnativas.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Perene – planta que tem um ciclo de vida longo e que viver três ou mais anos.
Herbácea – planta de consistência não lenhosa e verde.
Tubérculo – caule geralmente subterrâneo, suculento e volumoso, que contém substâncias de reserva.
Glauca – de cor verde-cinzenta-azulada.
Glandulífero – que tem glândulas ou pêlos glandulares.
Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).
Pedúnculo – “Pé” que sustenta a flor.
Bráctea – folha modificada, localizada na base da flor que a protege enquanto está fechada.
Sépala – peça floral, geralmente verde, que forma o cálice.
Pétala – peça floral, geralmente colorida ou branca, que forma a corola.
Labelo – tépala mediana, de tamanho e coloração diferente das restantes peças florais, que serve para atrair os insectos polinizadores.
Crenada – margem com recortes arredondados.
Esporão – prolongamento oco, fechado no extremo inferior, que se encontra na base das pétalas ou das sépalas de algumas flores, e que pode ou não conter néctar.
Glabro – sem pêlos.
Cápsula – fruto seco, com várias sementes, que abre e deixa as sementes cair quando maduro.
Autogâmica – planta cujas flores são hermafroditas e que são fecundadas pelo próprio pólen.
Autogamia – Polinização de uma flor hermafrodita pelo seu próprio pólen ou pelo pólen de flores do mesmo indivíduo. Opõe-se a alogamia – fecundação de uma flor pelo pólen de outro indivíduo da mesma ou de espécie diferente = Polinização cruzada.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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