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Tartaruga-comum. Foto: James St. John/WikiCommons

Trabalhos na Antártida, com tartarugas em Cabo Verde e sobre sementes ganham prémio de Ecologia

29.07.2025

Afonso Ferreira, Sara Mendes e Diana Sousa-Guedes foram os galardoados com o Prémio de Doutoramento em Ecologia 2025 – Fundação Amadeu Dias, organizado pela SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia, foi hoje revelado.

O primeiro lugar foi entregue a Afonso Ferreira, investigador no MARE (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Este investigador estudou o impacto das alterações climáticas na produtividade primária da Antártida. Afonso Ferreira adoptou um plano de trabalho com diferentes técnicas e metodologias, combinando observações in situ, dados de satélite e experiências laboratoriais com culturas de fitoplâncton.

“O seu grande desafio foi compreender as dinâmicas sazonais e espaciais do fitoplâncton na Antártida Ocidental, essenciais à compreensão do funcionamento dos produtores primários, assim como as eventuais implicações que estes impactos podem vir a ter para a dinâmica dos predadores do ecossistema”, explica a SPECO em comunicado.

Esta tese demonstrou que as alterações climáticas estão associadas a um aumento da biomassa de fitoplâncton e que as diferentes espécies estão bem adaptadas ao ambiente de luz altamente variável da região.

No entanto, umas conseguem tolerar melhor o stress luminoso, o que pode justificar a sua predominância nas camadas associadas à água do degelo glaciar.

A segunda classificada é Sara Mendes, actualmente investigadora no Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC), Espanha, mas antes doutoranda no CFE (Centro de Ecologia Funcional) da Universidade de Coimbra.

Sara Mendes estudou o impacto das alterações climáticas, a perda de biodiversidade e a urbanização na capacidade de dispersão de sementes. Esta fase do ciclo de vida representa a única oportunidade de movimento das plantas, fundamental para a dinâmica das populações e para a sua resiliência às alterações climáticas.

O trabalho de Sara Mendes usou “a abordagem das redes ecológicas e permitiu a construção da primeira rede de dispersão de sementes a nível Europeu, a mais completa para um continente”.

Com base nesta rede, avaliou o estatuto de conservação do serviço de dispersão de sementes na Europa e lançou uma ferramenta aplicável a outros tipos de interacções, funcionando como um indicador precoce da degradação das comunidades.

“O estudo forneceu a primeira evidência empírica de sementes dispersas por animais para além do seu limite actual de distribuição, mostrando a necessidade da conservação de animais dispersores para as plantas acompanharem as alterações climáticas.”

Ao estudar o papel da urbanização através desta ferramenta das redes ecológicas verificou ainda que os dispersores generalistas facilitam a dispersão de plantas exóticas das cidades para os ecossistemas naturais. Sara Mendes alerta assim para a importância de conservar a vegetação natural nos espaços urbanos e de controlar a introdução de espécies exóticas nos parques e ruas das cidades. 

Diana Sousa-Guedes, investigadora do Centro de Investigação em Ciências Geo-Espaciais (CICGE) da Universidade do Porto, foi a terceira premiada.

A investigadora quis saber como a poluição por plástico e as alterações climáticas afectam os habitats de nidificação de tartarugas marinhas em Cabo Verde, um dos maiores hotspots de nidificação da espécie a nível mundial.

Neste seu trabalho, Diana Sousa-Guedes “usou uma abordagem multi-escala ecológica, onde cruzou dados de campo, deteção remota e modelação ecológica”.

“À escala do ninho, demonstrou que a presença de fragmentos de plástico reduz significativamente o sucesso de eclosão e interfere na sincronização da emergência dos neonatos, aumentando a vulnerabilidade à predação. À escala das ilhas, mapeou os padrões espaciais de acumulação de lixo marinho em praias remotas e turísticas, tendo constatado que a sua dispersão está ligada à actividade pesqueira e às correntes oceânicas. À escala do arquipélago, integrou variáveis ambientais e antropogénicas (como lixo marinho, temperatura, inundação, luz artificial e turismo) para avaliar a vulnerabilidade de mais de 300 praias de nidificação e verificou que as áreas com mais ninhos coincidem com zonas críticas de acumulação de lixo, constituindo um paradoxo de conservação.”

“À escala global, este trabalho revelou tendências preocupantes associadas ao aquecimento das praias, com aumentos recentes no número de ninhos, mas os dados alertam para um futuro declínio, à medida que se ultrapassam limites térmicos críticos para o desenvolvimento embrionário. Foi também com este trabalho que identificou os produtos químicos que geram toxicidade para os neonatos.”

Os três primeiros classificados irão apresentar o seu trabalho e receber o prémio no 24º Encontro Nacional de Ecologia que, este ano, irá decorrer de 20 a 22 de Novembro na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Os prémios, no valor de 3000, 2000 e 1000 euros, são atribuídos, respectivamente, ao primeiro, segundo e terceiro classificados. Os três candidatos terão ainda um bónus de 1 ano com quotas pagas.

O prémio recebeu 14 candidaturas elegíveis, de doutorados com teses defendidas nas Universidades de Aveiro, Algarve, Coimbra, Lisboa, e Porto. No ano passado tinha recebido 6.

No seu nono ano, estes prémios pretendem “valorizar o trabalho desenvolvido por recém-doutorados ao longo do seu programa doutoral” na área da Ecologia, explicam os organizadores. 

O júri foi constituído por Maria Amélia Martins-Loução, presidente da SPECO (Sociedade Portuguesa de Ecologia), João Gonçalves, administrador da Fundação Amadeu Dias, Joaquin Hortal, investigador colaborador do cE3c, do Museu Nacional de Ciencias Naturales (CSIC) Madrid, Jorge Gonçalves, professor convidado da Universidade do Algarve, Investigador Senior e Membro da Direcção do CCMAR (Centro de Ciências do Mar), Helena Freitas, professora catedrática da Universidade de Coimbra e coordenadora do CFE (Centro de Ecologia Funcional), Myriam Lopes, professora associada da Universidade de Aveiro e vice-coordenadora do CESAM (Centro de Estudos Ambientais e Marinhos) e por Ricardo Melo, professor auxiliar da Universidade de Lisboa e coordenador  do pólo de Lisboa do MARE (Centro de Ciências Marinhas e Ambientais).

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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