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Medusa-do-Tejo (Catostylus tagi). Foto: Duarte Frade/WikiCommons

O que fazer se encontrar gelatinosos arrojados

24.07.2024

Quem for à praia poderá encontrar medusas ou outros gelatinosos na areia, junto ao mar. O que fazer? A Wilder perguntou isso mesmo ao GelAvista, equipa do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) que se dedica a estas espécies. Antonina dos Santos respondeu em nome da equipa deste projecto de Ciência Cidadã.

WILDER: Há, ou não, alguma época do ano em que estes arrojamentos sejam mais comuns?

Antonina dos Santos: Avistamentos de espécies gelatinosas são registados durante todo o ano. Daí ser tão importante manter os cidadãos envolvidos no GelAvista durante os meses de outono e inverno, apesar da menor afluência às praias. No fundo, a resposta depende da espécie de que estivermos a falar, já que os dados GelAvista mostram períodos mais favoráveis à ocorrência de determinadas espécies, que vão alternando em termos de dominância ao longo do ano. Nos meses de verão, por exemplo, há grande probabilidade de encontrar a medusa-tambor (Rhizostoma luteum) e, ocasionalmente, a medusa-compasso (Chrysaora hysoscella) na região do Algarve. É também um período em que a medusa-do-tejo (Catostylus tagi) regressa, nomeadamente às águas costeiras dos estuários do Tejo, Sado e Guadiana, mas também à ria de Aveiro. Esta é, aliás, uma espécie muito frequente durante os meses de outono. No inverno e primavera, a veleiro (Velella velella) e a caravela-portuguesa (Physalia physalis) são muito comuns, sendo que a caravela-portuguesa continua a ser avistada também nos meses de verão. Estes são os padrões mais comuns, mas é também importante decifrar a variabilidade entre diferentes anos, pois verificam-se, por exemplo, períodos mais alargados de ocorrência ou desfasamentos do período de aparecimento determinados pelas condições climáticas. Este ano, por exemplo, a primavera foi marcada pelo arrojamento de um grande número de ctenóforos, mas no ano passado tivemos muitos avistamentos da água-viva riscada.

W: Quais as causas mais prováveis para estes arrojamentos?

Antonina dos Santos: Os arrojamentos estão sobretudo relacionados com os ciclos de vida das espécies e com as condições oceânicas e ambientais. Estes animais gelatinosos apresentam ciclos de vida muito variados, sendo que a sua reprodução e crescimento ocorra em condições ambientais muito diversas. Em condições ambientais favoráveis, são capazes de um crescimento populacional muito rápido, o que resulta em abundâncias elevadas em determinadas épocas do ano. Por outro lado, são animais com fraca capacidade de natação, isto é, não conseguem fazer frente às correntes marinhas e marés e, dependendo das condições dos ventos, poderão ser transportados em direção à costa. A maioria das espécies que arrojam nas praias são animais de zonas costeiras. As espécies de áreas mais oceânicas, como a caravela-portuguesa e veleiro, também arrojam ainda que apresentem outros mecanismos para promover o seu transporte através das correntes superficiais. Os animais arrojados chegam, muitas vezes, bastante danificados devido à zona de rebentação e, por isso, trata-se do fim do seu ciclo de vida para muitos. No entanto, servem como fonte de alimento para muitas aves marinhas. No fundo, trata-se dos processos e ciclos naturais dos ecossistemas e da teia alimentar marinha.

W: Que espécies são mais prováveis de as pessoas encontrarem nas praias portuguesas?

Antonina dos Santos: Depende da região do país e da época do ano. No norte e centro, as espécies mais comuns são a caravela-portuguesa, a medusa-do-tejo e a veleiro. A medusa-do-tejo é também bastante frequente a sul, no sudeste algarvio. Na costa algarvia, a medusa-tambor e a medusa-compasso são também frequentes. Nas ilhas dos Açores e Madeira, a caravela-portuguesa e a água-viva (Pelagia noctiluca) são as mais comuns, com a veleiro também a ocorrer. Isto não exclui que, sob determinadas condições de correntes oceânicas e ventos, outras espécies não consigam atingir outras regiões. É o caso da água-viva ou da medusa-tambor, por exemplo, que são ocasionalmente avistadas em praias da costa sudoeste até Aveiro.

W: O que devem as pessoas fazer ao encontrar um gelatinoso no areal? E se ainda estiver vivo?

Antonina dos Santos: No caso de avistamento de gelatinosos no areal, se possível, aconselhamos a que não se interfira com o ecossistema pois, como já dissemos, os animais arrojados servem de alimento a aves marinhas. Deve-se assinalar o organismo gelatinoso para evitar contactos inadvertidos. Se tal não for possível, devido a grande afluência de pessoas na praia e, especialmente no caso das espécies mais urticantes (caravela-portuguesa, água-viva, medusa compasso), aconselhamos a que sejam removidos da praia e colocados nos depósitos de lixo orgânico. Recomendamos que nunca se deverá tocar no animal, mesmo que aparente estar morto, pois as suas células urticantes continuam activas. Não deverão tentar devolver o animal à água, a maioria dos animais já não irão sobreviver após os danos eventualmente sofridos na zona de rebentação e, podem voltar podendo continuar a representar um risco para as pessoas que frequentam a praia. Também aconselhamos a não enterrar, já que numa próxima maré os animais podem ser desenterrados ou ficarem mal enterrados podendo vir a ser pisados por alguém que não tenha conhecimento de que ali foi enterrado o animal. Em caso de contacto acidental com o animal, poderão seguir as indicações do GelAvista no site gelavista.ipma.pt

Pedimos ainda que contribuam para a monitorização do GelAvista e façam uma fotografia ao animal com um objecto a servir de referência de escala. De seguida, enviem juntamente com a data, hora, local e número de organismos para o GelAvista através da aplicação para dispositivos móveis ou do email [email protected], para que possamos registar o avistamento. Caso não avistem qualquer gelatinoso, partilhem o avistamento nulo com o GelAvista.

W: Desde o seu início, quantas espécies já estão registadas no GelAvista?

Antonina dos Santos: Desde 2016, temos já registadas 51 espécies (ou géneros) diferentes, de grupos muito diversos, pertencentes aos cnidários, como sifonóforos, hidromedusas, cifomedusas, ou stauromedusas, mas também de outros grupos como, salpas, ctenóforos, pirosomas, entre outros. Os dados GelAvista já recolhidos e o conhecimento que, juntamente com os cidadãos de todo o país, obtivemos até ao momento são divulgados anualmente no Encontro GelAvista, cuja 9ª edição se realizará a 10 e 11 de Outubro próximos.

W: O facto de haver gelatinosos junto às praias é sinónimo de boa qualidade das águas ou não necessariamente?

Antonina dos Santos: Não há uma relação directa, devido à multiplicidade de factores que actuam no ambiente marinho. Sendo os organismos gelatinosos incapazes de resistir às correntes e marés encontram-se, por vezes, juntamente com acumulações de lixo em determinados locais. Isto não significa que prefiram as zonas de lixo mas sim, são levados involuntariamente juntamente com este para determinados locais de retenção, onde as águas estão mais paradas e sem ação das marés e/ou correntes. Como as espécies gelatinosas toleram condições que podem ser desfavoráveis para outros animais, como temperaturas da água mais elevadas ou baixos níveis de oxigénio dissolvido na água, portanto, são capazes de ocupar zonas em que a qualidade da água não será tão boa. Por outro lado, certos grupos, como é o caso das salpas, por exemplo, que se alimentam de fitoplâncton, sendo organismos filtradores, dependem muito da produtividade da água e da disponibilidade de alimento. Nestes casos, águas mais produtivas poderão resultar em períodos de grande abundância para estas espécies, pois as condições serão favoráveis à sua sobrevivência. É, por isso, que monitorizar estes animais é tão importante, pois são considerados como indicadores de alterações nas condições oceânicas e qualquer aumento da sua abundância ou frequência pode alertar para eventuais mudanças climáticas a médio e longo prazo.


Saiba aqui qual a diferença entre medusas e alforrecas.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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