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Torda-mergulheira. Foto: Rogério Rodrigues

O porquê de conhecer melhor as aves marinhas da costa portuguesa

17.05.2022

Sidónio Paes fala-nos sobre as actividades de observação de aves marinhas, as muitas espécies que têm sido vistas entre o Cabo Raso e o Cabo Espichel – que por vezes surpreendem – e a importância desta monitorização.

A Associação Clube Xzen, organização sem fins lucrativos, promove várias atividades ao ar livre com o objectivo de aproximar crianças e jovens à Natureza e às Ciências – e tem feito um trabalho notável desde 2012. Actividades essas que passam por atividades divertidas no meio do campo, dando a conhecer melhor o mundo das “Orquídeas mentirosas”, “Serpenteando pelo campo” para procurar pistas sobre répteis, ou “À noite com as Aves”, entre outros, no quais os sócios e não sócios se envolvem em programas que promovem o conhecimento sobre aquele tema, desafios divertidos propostos pelos orientadores e sempre com a mão na natureza.

Em 2019, o Xzen propôs o desafio de criar um passeio de barco com a SeaEO Tours para Observação de Aves Marinhas e de Cetáceos em Lisboa. Nos últimos anos, os passeios foram tendo vários tipos de inscrições, desde os mais novos aos acompanhantes, até aos mais profissionais fotógrafos e amantes de aves em Portugal. Os passeios têm naturalmente uma vertente muito abrangente sobre o mundo da biodiversidade marinha, fruto da cooperação entre o Pedro Henriques (Fundador do Xzen), dos sócios adultos que provêm de diferentes áreas de formação académica, de mim como biólogo marinho, mas sobretudo da imensa curiosidade dos participantes mais novos.

Neste passeios, é habitual observar as espécies de golfinho-comum, golfinho-roaz, golfinho-riscado, entre outras espécies, como foi o caso do fantástico avistamento de baleias às portas de Lisboa.

Baleia-comum, o segundo maior animal da Terra, avistada às portas de Lisboa. Foto: Luís Lourenço

Mas o mais admirável é a presença frequente de aves marinhas. Estas espécies percorrem anualmente milhares de quilómetros ao longo do Oceano Atlântico, umas mais perto da costa, outras offshore, em busca de locais ideais para alimentação, para nidificação e até para repouso em pleno mar alto. 

Gansos-patola, também chamados de alcatrazes (Morus bassanus), mergulham perto da costa portuguesa. Foto: SeaEO Tours

As espécies mais habituais de serem avistadas são o ganso-patola, cagarra, pardela-balear, moleiro Grande, fura-bucho-do-Atlântico, pardela-preta, negrolas e até painhos. Por vezes os olhares mais atentos a bordo conseguem avistar espécies como a pardela-de-barrete, falaropo-de-bico-grosso, moleiro-pequeno, entre outras espécies de gaivotas, andorinhas-do-mar ou garajaus. No inverno, a diversidade e o entusiasmo aumenta com a presença dos alcídeos, nomeadamente o airo, a torda-mergulheira e o tão desejado papagaio-do-mar.

Torda-mergulheira (Alca torda). Foto: Rogério Rodrigues

Uma vez às portas do rio Tejo, é habitual observar bandos de patos e gansos em formação. Ao orientarem-se com a curvatura da costa portuguesa, estas aves vão entrando para o vasto estuário do maior rio português, que as alberga, alimenta e protege. Em finais de 2021, chegámos a avistar ao largo de Cascais um belíssimo bando de flamingos em direcção ao Estuário do Tejo.

Flamingos (Phoenicopterus roseus) em voo junto à costa de Cascais. Foto: SeaEO Tours
Airo (Airo aalgae). Foto: Rogério Rodrigues

Como nos conta Hugo Blanco, sócio do Xzen e ornitólogo entusiasta de aves marinhas, “até há pouco tempo desconhecia-se um dos maiores hotspots para aves marinhas no Oceano Atlântico Norte, onde invernam entre 2,9 e 5 milhões de aves marinhas. Sendo as aves marinhas um dos grupos mais ameaçados do mundo, é muito importante conhecê-las, para as conservar.”

E continua: “Nos últimos 6 meses já recolhemos informação muito relevante, entre o Cabo Raso e o Cabo Espichel, destacando-se o facto de no inverno o papagaio-do-mar (Fratercula Artica) ser comum. E descobrimos que o Atlântico tem, pelo menos na Primavera, a ocorrência da rara e muito mal estudada pardela-do-mediterrâneo – Puffinus yelkouan!”. [Distinta da Puffinus mauretanicus, que por vezes é chamada pelo mesmo nome comum.]

Papagaio-do-mar (Fratercula arctica). Foto: Rogério Rodrigues
Pardela-do-Mediterrâneo (Puffinus yelkouan). Foto: Rogério Rodrigues

Assim, cada participante que se inscreve através do clube pode dar um contributo para a ciência, seja pelo seu conhecimento, pela recolha/partilha de avistamentos ou mesmo pelas fabulosas fotografias captadas nestes passeios.

É verdade que existem vários censos marinhos e costeiros organizados pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), com a criação das IBAs (Important Bird Areas) marinhas e programas de recolha de dados exaustivos nos quais também participei enquanto Biólogo Marinho, durante o programa FAME – Future of the Atlantic Marine Environment.

Alcatraz (Morus bassanus). Foto: SeaEO Tours

No entanto, é necessária uma constante monitorização de alguns locais mais longínquos ou até costeiros, para aprofundar o conhecimento sobre estas belíssimas aves que vivem e dependem quase exclusivamente dos ambientes marinhos – tais como os passeios organizados pelo clube Xzen, com cariz de educação ambiental e promoção da ligação dos mais jovens com a Natureza.


Sobre o autor

Sidónio Paes é biólogo marinho e sócio-gerente da empresa SeaEO Tours.

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