A ludevígia-rastejante foi trazida das Américas para embelezar jardins e acabou a asfixiar os rios portugueses, contam-nos Jael Palhas e Hélia Marchante, investigadores no Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra e na Escola Superior Agrária de Coimbra, no âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras publicada em parceria com o projecto LIFE Invasaqua.
Que espécie é esta?
A ludevígia-rastejante (Ludwigia peploides) é uma planta aquática anfíbia que tanto pode crescer submersa, como flutuante na margem, ou então crescer em terra. Tem uns longos caules rastejantes que enraízam nos nós.
Na forma aquática, os seus caules compridos vêem-se ao longo da superfície, com rosetas de folhas flutuantes redondas, verde-escuras ou avermelhadas, que crescem frequentemente com este aspecto a partir das margens. Nestas, a planta cresce um pouco em altura até aos 30 a 80 centímetros, com pequenas flores amarelas de cerca de 3 centímetros de diâmetro. Por vezes, esta invasora pode também viver como flutuante livre na água.
Já as folhas da forma terrestre podem ser em forma de lança, sempre com nervuras muito visíveis. Uma característica que distingue esta planta da maioria das espécies com que pode ser confundida é o facto de ter folhas alternas (apenas uma folha por nó) e não opostas (duas folhas por nó) – como acontece com a sua prima nativa da Europa, a ludevígia-dos-pauis (Ludwigia palustris), e também com as mentas (Mentha sp.), as salgueirinhas (Lythrum sp.), as verónicas (Veronica sp.), as beldroegas (Portulaca oleracea).
Onde pode ser encontrada?
A ludevígia-rastejante coloniza sobretudo massas de água parada ou com pouca corrente como lagoas, charcas, remansos e margens de rios, valas e arrozais. Gosta de solos húmidos, ácidos e ricos em nutrientes, mas tolera uma grande diversidade de condições, nomeadamente a seca estival. É uma espécie americana, que estende a sua distribuição desde a América do Sul até a ao sul dos Estados Unidos. Existem várias subespécies, mas a que se encontra em Portugal é a Ludwigia peploides spp. Montevidensis, originaria da América do Sul, que deve o seu nome à cidade de Montevideu, capital do Uruguai.
Como chegou esta invasora a Portugal?
Foi pelas suas bonitas flores amarelas de cinco pétalas que esta espécie foi trazida para a Europa no século XIX, como planta ornamental em laguinhos de jardins. França foi o primeiro país onde se começou a espalhar na natureza. Em 2016 foi incluída na Lista de Espécies Invasoras que preocupam a União Europeia (Regulamento nº 1143 de 2014 da UE).
A sua primeira detecção na natureza em Portugal aconteceu há cinco anos, em 2016, quando foi detetada no Rio Cértima, no distrito de Aveiro, pelos investigadores Philip Verloove e Paulo Alves.
Onde é que está hoje presente?
No ano passado, em 2020, a ludevígia-rastejante foi detectada no Rio Minho, em Melgaço, mas já era conhecida mais a montante, em Ourense, desde 2016, onde tinha sido erradamente identificada como Ludwigia grandiflora – uma espécie muito parecida, também invasora, que em Portugal apenas foi detectada numa ribeira na Figueira da Foz. Ainda em 2020 foi detectada no Rio Mondego, na Barragem da Toulica (Idanha-a-Nova) e no Rio Sado. Já este ano, em 2021, foi detectada no Rio Alva.
Pela velocidade a que estão a ser detectadas novas localizações desta planta e pela velocidade a que se espalha, é muito possível que haja mais pontos onde estará presente sem ter sido ainda devidamente registada. É urgente termos o máximo de pessoas preparadas para reconhecerem esta planta se a virem.
As formas aquáticas com as rosetas de folhas redondas flutuantes são as mais fáceis de reconhecer, mas também a forma como se desenvolve nas margens, com as suas grandes flores amarelas, são facilmente detectáveis por quem passeia junto aos rios. Em Idanha-a-Nova estão a ser usados drones para mapear esta espécie que na sua forma aquática é facilmente reconhecível na foto aérea. Sugerimos que coloquem qualquer avistamento desta espécie na plataforma Biodiversity4all.
E qual é a situação noutros sítios do mundo onde é invasora?
Esta espécie é invasora em vários países da Europa, mas também nalgumas áreas da América do Norte. Na Oceânia há dúvidas sobre se será nativa ou introduzida. França é o país onde causa problemas há mais tempo. Em Espanha, a ludevígia-rastejante está estabelecida em várias bacias hidrográficas, mas foi durante muito tempo incorrectamente identificada como Ludwigia grandiflora, com a qual se pode confundir facilmente. Aliás, ambas as espécies – ludevígia-rastejante e Ludwigia grandiflora – estão incluídas na lista de espécies invasoras que preocupam a União Europeia.
Mas afinal, qual é o problema com esta ludevígia?
A ludevígia-rastejante cresce muito rapidamente, podendo duplicar a sua biomassa em poucos dias. Desta forma cobre a superfície da água e leva à eutrofização das massas de água, que são afetadas pelo excesso de nutrientes. Isso traduz-se em falta de oxigénio e na morte de vários organismos, como os peixes. Esta planta também actua como armadilha de sedimentos, acelerando o processo de sedimentação e assoreamento e podendo bloquear valas e canais, condutas de água e motores de rega, entre outros. Pode impedir a navegação, o uso balnear e a pesca, e ao cobrir totalmente a água afecta também negativamente a paisagem.
Por outro lado, esta espécie consegue dominar os ecossistemas que invade, roubando espaço às plantas nativas e reduzindo a biodiversidade nos locais onde se estabelece, até porque consegue produzir substâncias alelopáticas. Estas substâncias inibem o crescimento ou a germinação de outras espécies.
Em Portugal, por exemplo, está a ameaçar de extinção algumas plantas que já estavam ameaçadas. No Rio Minho está a invadir o habitat das últimas populações portuguesas do criticamente ameaçado nenúfar-anão (Nymphoides peltata); no Mondego ameaça a maior população portuguesa de junco-florido (Butomus umbellatus) e o último nenúfar-amarelo (Nuphar luteum) do Mondego. Em Idanha-a-Nova, está a invadir a única população conhecida de Limosella aquatica, uma planta Criticamente em Perigo, que estava desaparecida em Portugal há décadas e que foi reencontrada durante os trabalhos de mapeamento no âmbito do projecto LudVISION desenvolvido pelo município de Idanha-a-Nova (co-financiado pelo Fundo Ambiental), com vista à erradicação da ludevígia-rastejante nesta área.
É possível controlar ou erradicar as populações desta espécie?
A erradicação é muito difícil, uma vez que se espalha muito rapidamente, especialmente em rios e ribeiras onde se multiplica por fragmentação: cada fragmento arrastado pela corrente pode enraizar a jusante, originando uma nova planta e um novo foco de invasão. Ainda para mais, produz sementes quase todo o ano e é tolerante a uma grande variedade de condições ambientais.
Ainda assim, a melhor forma de lidar com esta espécie invasora é detectá-la precocemente e remover as plantas, antes que produzam sementes ou se espalhem para áreas maiores. As formas aquáticas desta espécie são mais fáceis de remover do que as formas terrestres, que formam tapetes rastejantes. Mas a remoção deve ser feita com cuidado para evitar espalhar fragmentos, pois os caules são frágeis e as raízes robustas e durante a remoção devem ser arrancados os caules com cuidado, para não se deixarem fragmentos.
Depois de removidas, as plantas podem ser compostadas ou depositadas em aterro sanitário.
E que cuidados se devem ter em Portugal?
O mais importante é travar a dispersão desta espécie, evitando a sua introdução intencional em lagos ornamentais, limpando os equipamentos de pesca e de desportos aquáticos e detectando precocemente e erradicando as novas populações ainda isoladas.
Uma curiosidade:
Quando se arranca uma folha de ludevígia-rastejante, esta frequentemente arranca juntamente consigo um pedacinho do nó do caule, com uma gema, que lhe pode permitir enraizar e criar uma nova planta.
Série Espécies Aquáticas Invasoras
Em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder dá-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.
Recorde o que se passa em Portugal com o siluro, o mexilhão-zebra, a rã-de-unhas-africana, o alburno, a amêijoa asiática, o caranguejo-peludo-chinês, a amêijoa-japonesa, a gambúsia, o lagostim-sinal, a medusa Blackfordia virginica, o lucioperca e o caranguejo-azul.