Margaridas. Foto: Paula Côrte-Real

Jardins para a vida silvestre: Como trazer as flores do campo para a nossa porta

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Aprenda com uma rede de especialistas a tornar cada recanto num oásis para ajudar a biodiversidade, desde aves e anfíbios a abelhas e morcegos. Fernanda Botelho dá-lhe as suas dicas sobre flores silvestres neste primeiro artigo da nova série “Jardins para a vida silvestre”, uma parceria entre a revista Wilder e a Fundação Calouste Gulbenkian.

A atual crise da biodiversidade, com a perda de espécies a um ritmo muito superior ao normal, explica-se em parte porque animais e plantas estão a perder os seus habitats. Deles dependem para se alimentarem, reproduzirem e abrigarem. Para Fernanda Botelho, autora de vários livros sobre plantas silvestres comestíveis e medicinais, esta não tem de ser uma batalha perdida. Qualquer pessoa pode começar a ajudar ao trazer as flores silvestres para a sua porta, seja uma varanda cheia de vasos, um quintal ou um terreno maior.

Esta especialista em fitoterapia inaugurou o ciclo de visitas “Jardins para a Vida Silvestre” no Jardim Gulbenkian, no dia 20 de fevereiro e partilhou connosco algumas sugestões que podem ter grandes impactos.

Margaridas. Foto: Paula Côrte-Real

Quatro bons motivos para tornar os nossos jardins urbanos e varandas em corredores ecológicos de plantas silvestres

Para Fernanda Botelho não existem dúvidas: “podemos e devemos replicar estes ecossistemas nos nossos espaços”.

“Estas plantas estão muito bem-adaptadas ao nosso/seu território e, portanto, convivem de forma harmoniosa e equilibrada com insetos, aves e répteis que deles se alimentam ou aí constroem os seus abrigos.” 

Em segundo lugar, “podemos incorporar na nossa alimentação algumas/muitas destas espécies”.

Além disso, “são bonitas e, muitas delas, perfumadas”.

Folhado em flor. Foto: Paula Côrte-Real

Por fim, mas não menos importante, as flores silvestres “ajudam-nos a entender melhor os ciclos da natureza ao observarmos quando irrompem do solo, quando surgem as primeiras folhas, quando começam a florescer, quando dão frutos e sementes…”

Antes de começar, conheça e valorize a nossa flora silvestre

Saiba o quão importante é a nossa flora silvestre, desde os dentes-de-leão e margaridas aos trevos, ervilhacas, tojos e giestas. Estas e tantas outras espécies são cruciais para a” manutenção da biodiversidade”.

Como? Segundo Fernanda Botelho, estas plantas “são fundamentais para melhorar a estrutura dos solos, fixando nutrientes e prevenindo a erosão”. E “não são apenas as árvores e arbustos que têm esse papel, mas também as herbáceas de maior ou menor porte”.

Flor da madressilva. Foto: Paula Côrte-Real

Estas plantas, por mais insignificantes que nos possam parecer, “desempenham um papel muito importante na descompactação de solos, criando matéria orgânica quando incorporadas nos mesmos e ajudando a fixar azoto, como é o caso das leguminosas como os trevos, o meliloto, o tojo, as ervilhacas ou as giestas, entre outras”.

Além disso, a flora silvestre é um “verdadeiro nicho para a vida selvagem”. Por exemplo, as “aves fazem aí os seus ninhos; répteis e alguns pequenos mamíferos escondem-se por debaixo dos seus ramos; abelhas, borboletas e muitos outros insetos beneficiam da variedade de pólen e néctar à sua disposição”.

Como se tudo isto não bastasse, algumas plantas silvestres também podem ser usadas “na alimentação humana e também como plantas medicinais”. Por isso, “resgate os conhecimentos tradicionais sobre os benefícios das plantas!”

Leve e multiplique espécies silvestres para a sua casa

“Observe com muita atenção o que cresce espontaneamente perto da zona onde vive. Essas serão as plantas mais indicadas para multiplicar no seu quintal, canteiros, varandas, vasos”, sugere Fernanda Botelho. 

Flores do pilriteiro. Foto: Paula Côrte-Real

“Se a planta for abundante e não for uma espécie protegida pode levar para casa um pedacinho com raiz, tendo sempre o cuidado de deixar mais e levar menos. Pode observá-la ao longo de todo o seu ciclo e esperar que este seja cumprido e aí recolher algumas sementes.”

Outra alternativa é recorrer a empresas e instituições que se dedicam à comercialização das espécies autóctones portuguesas.

Não intervenha

“Uma vez multiplicadas essas espécies nos seus espaços deve deixar um recanto, um vaso ou um canteiro onde não intervenha. Estas plantas serão provavelmente pouco exigentes em recursos hídricos, a não ser que sejam plantas ripícolas como as mentas (Mentha suaveolensou M. pulegium), poejo, cavalinhas ou salgueirinha (Lithrum salicaria).”

Comece, por exemplo, por estas espécies

Seria “extensa” a lista de espécies que Fernanda Botelho considera essenciais para quem quer promover as plantas silvestres nos seus terrenos. Ainda assim deixa a ressalva: “Essas espécies vão depender das condições edafoclimáticas em que cada pessoa se encontra”.

Por exemplo, no Jardim Gulbenkian encontramos inúmeras espécies que podemos tentar replicar nas nossas casas. E são “bastante versáteis e adaptáveis às várias zonas do nosso país”.

Fernanda Botelho mencionou o folhado (Virbunum tinnus), “de grandes cachos de flores brancas, de perfume leve, excelente para sebes, ajudando a mitigar o vento e o ruído”. “Depois da abundante floração entre janeiro e maio, dependendo dos anos, surgem as bagas oblongas e de um azul metalizado muito apreciadas por várias espécies de aves, sobretudo melros”.  

Flores do tojo. Foto: Paula Côrte-Real

Outros dos arbustos escolhidos são a murta (Myrtus communis), com as suas flores brancas e perfumadas e bagas azul-escuras, e o alecrim, importante “como corta-vento e como planta aromática de usos medicinais e culinários e muitíssimo apreciada pelas abelhas”.

A lista dos arbustos não estaria completa sem o pilriteiro (Crataegus monogyna) que, na visita de dia 20 de fevereiro, “começava vigorosamente a despontar folhas e flores. Em poucos dias ficará completamente envolvido num manto branco de perfume leve e no zumbido de muitas abelhas”.

Segundo Fernanda Botelho, “este arbusto que pode atingir um porte de pequena ou média árvore é também conhecido por vários outros nomes regionais como espinheiro branco, escalheiro, abronceiro, escambrulheiro, etc”. “É um arbusto bonito, apesar dos espinhos. Depois da floração começarão a surgir as pequenas bagas a lembrar maçãs em miniatura. Estas são comestíveis para aves e pessoas e muito medicinais, usadas sobretudo em patologias cardíacas”.

E não esqueça as plantas mais pequenas, que despontam nos prados

As primeiras a assomarem à superfície são as margaridas (Bellis perennis) – que convém não confundir com as margacinhas (Erigeron karvinskianus), que são consideradas espécies invasoras e crescem por todo o lado, nas frestas dos muros e a pender dos canteiros, com flores um pouco semelhantes à margarida. 

Desta lista faz também parte o “dente-de-leão (Taraxacum sp.), de raízes profundas e usos medicinais, principalmente para tratar problemas de fígado. As suas folhas de rosetas basais são também usadas em infusões pelas suas propriedades diuréticas, ajudando no alívio de pernas e pés cansados e inchados devido à retenção de líquidos”, explica Fernanda Botelho. “Estas folhas de sabor fresco e amargo são muito apreciadas em saladas em vários países da Europa, podendo mesmo ser encontradas à venda nos mercados.”  

Tomilho em flor. Foto: Paula Côrte-Real

Depois, pode optar por trevos de flor cor-de-rosa (Trifolium pratense) e de flor branca (Trifolium repens). “Estes (folha e flor) também podem ser usados em saladas e na decoração de pratos”.

“Da minha lista de plantas silvestres – herbáceas, trepadeiras ou arbustos – incluo as madressilvas (Lonicera sp.), as várias espécies de malvas (Malva sylvestrisM arborescens, Lavatera sp), urtigas (Urtica sp.), trevos (Trifolium sp.), verbasco, agrimónia, lupinios, giestas, murtas, zimbros, sabugueiro, medronheiro, prunelas, violetas, tomilhos, erva-cidreira, erva-de-são roberto…”

“Convém lembrar que estas plantas, se encontradas em lugares públicos, sujeitas a muito pisoteio e alguma poluição, não devem ser colhidas para fins alimentícios.”


Este é o primeiro artigo da nova série “Jardins para a vida silvestre”, uma parceria entre a revista Wilder e a Fundação Calouste Gulbenkian.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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