Foto: Andreas Escher/Wiki Commons

Ganso-do-egipto: Este invasor que nem sequer é ganso pode viver num jardim ao pé de si 

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No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras publicada em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, Luís Reino, investigador do CIBIO (Universidade do Porto) e Gonçalo Elias, coordenador do portal Aves de Portugal, falam-nos desta ave que tem vindo a espalhar-se por Portugal desde o primeiro registo em liberdade, em 2002, e que ainda aguarda um plano de acção.

Que espécie é esta? 

O ganso-do-egipto (Alopochen aegyptiaca) é uma ave aquática da família Anatidae, nativo da África subsariana. Tem uma distribuição ampla, que se estende desde o Senegal até à Etiópia e à África do Sul, subindo ao longo do Nilo pelo Sudão até à parte meridional do Egipto.

O nome genérico Alopochen deriva do grego Alopos (‘como uma raposa’) e khen (ganso); em português, isto poderia traduzir-se como ganso-raposino, o que constitui uma referência ao seu aspecto de ganso e aos tons castanhos da sua plumagem. O nome específico aegyptiaca é um adjectivo gentílico referente ao Egipto.

Foto: Andreas Trepte/Wiki Commons

Apesar do seu nome comum, não é um verdadeiro ganso, sendo taxonomicamente mais próximo dos patos. Trata-se de um anatídeo relativamente grande, com um comprimento de 63 a 73 centímetros, sendo por isso maior que a maioria dos patos. A plumagem é acastanhada, tendo os adultos uma mancha escura em redor do olho. Nas asas tem tons mais arruivados e, em voo, podem ver-se as coberturas alares brancas, que contrastam com as penas de voo pretas. O bico é rosado, tal como as patas.

Onde é que está presente em Portugal?

Esta ave exótica tem vindo a expandir-se em anos recentes e tem já uma distribuição alargada no nosso país. Distribui-se essencialmente pelas terras baixas do Litoral e por uma grande parte do Interior alentejano, com destaque para o distrito de Évora, havendo igualmente registos noutras regiões.

Ocorre essencialmente em dois tipos de locais: por um lado em meios aquáticos fortemente humanizados, nomeadamente parques urbanos com lagos, onde muitas vezes tem um comportamento semelhante às aves domésticas: convive com outras espécies de aves aquáticas que por ali ocorrem, mas nidifica em liberdade. Supõe-se que estes núcleos urbanos actuem como foco de dispersão da espécie, uma vez que os juvenis que ali nascem desaparecem do local onde nasceram com poucas semanas de vida.

Foto: 4028mdk09/Wiki Commons

Por outro lado, temos as áreas rurais, onde frequenta zonas próximas de água, nomeadamente albufeiras, açudes, rios e estações de tratamento, conhecendo-se já numerosos casos de nidificação neste tipo de locais.

Não existem dados quantitativos sobre o número de indivíduos presente no nosso país, mas é possível que o número total de aves em Portugal seja já da ordem dos vários milhares. De facto, só no Alentejo conhecem-se várias observações envolvendo mais de uma centena de aves, havendo mesmo um caso de quase 400 indivíduos juntos, na albufeira de Alqueva.

Como é que este invasor chegou a Portugal?

A presença do ganso-do-egipto na Europa já tem algumas centenas de anos e por isso os detalhes sobre o seu aparecimento no nosso país não são muito precisos. Sabe-se que a espécie terá sido introduzida na Europa como ave ornamental, durante o século XVII, mais concretamente no Reino Unido e, posteriormente, noutros países – incluindo presumivelmente Portugal.

Algumas estimativas sugerem que desde o final do século XIX até por volta de 1970 haveria 400 a 500 indivíduos na Europa.

Em 1967 dão-se as primeiras fugas na Holanda, havendo registo de nidificação em liberdade e, em 1970, a espécie começa a expandir-se no Reino Unido, na região de East Anglia. Nos anos que se seguiram, esta ave começa a surgir noutros países da Europa Central e, em 1993, surgem as primeiras observações em Espanha, onde os primeiros casos de nidificação em liberdade foram registados em 2001 (nas ilhas Baleares) e depois em 2004 (na Península).

Em Portugal, o primeiro caso que se conhece de observação em liberdade data de 2002 e a partir daí as observações tornaram-se cada vez mais frequentes. Não se sabe, contudo, se os indivíduos que ocorrem no nosso país resultam de fugas de aves que estavam em cativeiro por cá ou se resultam da expansão registada a nível europeu. Poderá haver até um misto das duas situações.

A população europeia encontra-se actualmente estimada em 30.000 casais.

Mas qual é o problema com este ganso?

São vários os problemas decorrentes da expansão do ganso-do-egipto. Embora não existam ainda muitos estudos dirigidos a esta espécie em Portugal, existem dados sobre o comportamento da espécie noutros países europeus onde foi introduzida, que podem constituir um ponto de partida para avaliar o impacto no nosso país.

Um dos aspectos relevantes acerca do ganso-do-egipto é a sua agressividade. Com efeito, esta espécie pode ter um comportamento agressivo relativamente a outras aves, nomeadamente em relação a espécies autóctones.

Foto: Richard Bartz/Wiki Commons

Outra característica que já se encontra bastante bem documentada para esta ave, tanto nos seus territórios de origem, em África, como nos países europeus onde foi introduzida, é a propensão para usurpar ninhos de outras espécies a fim de os usar para a sua própria reprodução. Na Europa, conhecem-se casos de usurpação de ninhos de falcão-peregrino, na Holanda. Em Portugal, já foi por nós observada a ocupação de ninhos de cegonha-branca, no Alentejo. Isto cria uma situação de competição, em que as espécies autóctones podem potencialmente ficar em desvantagem.

Adicionalmente, são conhecidos casos de hibridação com outros anatídeos, nomeadamente com o pato-real ou com o pato-ferrugíneo, o que naturalmente pode dar origem à contaminação genética das populações nativas dessas espécies.

Outros problemas que já têm sido reportados incluem danos às actividades agrícolas, sobretudo nos locais de alimentação, eutrofização das águas e problemas de saúde pública, nomeadamente em parques e jardins onde a espécie se tornou muito abundante e onde existe o risco de propagação de doenças.

E é possível controlar ou erradicar as populações desta espécie? 

Como acontece com qualquer invasora, é importante monitorizar para se conseguir avaliar a dimensão do problema. O Decreto-Lei 92/2019 prevê que seja criado um sistema de vigilância, aberto ao público, e uma rede de alerta para a vigilância de espécies invasoras, para a coordenação e a comunicação entre as autoridades competentes. Prevê ainda que sejam elaborados planos de ação nacionais ou locais com vista ao controlo destas espécies. Esta informação deverá ser disponibilizada no site do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.

No entanto, até ao momento não temos conhecimento de qualquer plano de acção relativo ao controlo dos gansos-do-egipto, assim como para outras espécies invasoras.

Enquanto isso, a espécie continua a espalhar-se no território nacional e, como acontece com outras invasoras, quanto mais ela se espalha, mais difícil se torna o seu controlo.

Foto: Gonçalo Elias

Um eventual programa de controlo dos gansos-do-egipto poderia começar por tentar por actuar em duas vertentes essenciais. Primeiro, identificar os núcleos periféricos desta espécie de modo a conter a sua expansão geográfica, mantendo-a restrita à região onde é mais abundante (que actualmente é o Alentejo). Por outro lado, promover a captura dos exemplares que existem em jardins urbanos, que poderão estar a actuar como foco de dispersão desta ave para outras regiões.

Adicionalmente, poderá ainda haver casos de criadores que por desconhecimento da lei tenham exemplares em cativeiro. A lei actual proíbe a manutenção em cativeiro de qualquer espécie invasora. Assim, poderia fazer sentido promover a entrega voluntária de exemplares sem qualquer penalização, de modo a prevenir novos focos de dispersão causados por libertações de aves nascidas em cativeiro.

Uma curiosidade:

Apesar das populações europeias serem o resultado de diversas populações introduzidas, não se pode excluir que algumas aves possam ser o resultado de dispersão natural a partir de África. Na realidade existem alguns registos históricos para a Europa e o Médio Oriente anteriormente a este anatídeo apresentar populações exóticas bem estabelecidas. Concretamente, a espécie deverá ter nidificado na Sérvia, na Hungria, na Roménia e, possivelmente, na Bulgária, nos séculos XVIII e XIX.


Série Espécies Aquáticas Invasoras

Em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder dá-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.

Recorde o que se passa em Portugal com o siluro, o mexilhão-zebra, a rã-de-unhas-africana, o alburno, a amêijoa asiática, o caranguejo-peludo-chinês, a amêijoa-japonesa, a gambúsia, o lagostim-sinal, a medusa Blackfordia virginica, o lucioperca, o caranguejo-azul, a ludevígia-rastejante, o jacinto-aquático, a íbis-sagrada, o mosquito-tigre-asiático, a pinheirinha-de-água, o visão-americano, a bisnaga e a tartaruga-da-Flórida.

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