Hany Alonso, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), indicou à Wilder e descreveu quais são as aves com carácter invasor que mais preocupam os conservacionistas.
Saiba o que se passa com estas sete aves exóticas originárias de várias partes do mundo – cujos “números, expansão e impactos justificam plenamente a classificação de espécies com carácter invasor em Portugal Continental”, afirma Hany Alonso:
1. Bico-de-lacre (Estrilda astrild)
Com origem naÁfrica subsaariana, o bico-de-lacre terá sido introduzido na natureza de forma acidental, fugido de cativeiro. Hany Alonso lembra que esta ave “ocorre em liberdade desde os anos 60, tendo-se expandido de forma notável por grande parte do território continental”. Foi também “introduzida nos arquipélagos da Madeira e Açores (São Miguel)”.
“Prefere vegetação associada a zonas húmidas e pode ser encontrado em toda a faixa litoral e de forma mais abundante nos vales do Tejo, do Mondego e do Vouga”, descreve também.
Possíveis impactos? Compete com espécies autóctones por locais de nidificação e alimento e pode afectar culturas agrícolas.
2. Periquito-rabijunco ou periquito-de-colar (Psittacula krameri)
Nativos da África subsaariana e Índia, estes periquitos também foram introduzidos fora dos países de origem por acidente, “por fugas de cativeiro ou de parques zoológicos”.
Em Portugal, indica Hany Alonso, “há registos de indivíduos em liberdade desde o final dos anos 70”. “Em 2015, a população em Lisboa atingiu cerca de 650 indivíduos. Hoje está em expansão, com núcleos reprodutores e dormitórios nos concelhos limítrofes de Lisboa e em diversas cidades do país”, explica, lembrando que em Espanha o censo nacional contabilizou 3.000 periquitos.
Encontra-se em jardins e parques das grandes cidades (Lisboa, Porto, Coimbra) e também em pequenos núcleos (por exemplo, Caldas da Rainha, Funchal, Ponta Delgada).
Possíveis impactos? Competição com espécies autóctones por locais de nidificação (e.g., morcegos, rapinas noturnas e pica-paus) e alimento (e.g., melro, toutinegras), mas também pode afectar culturas agrícolas e é um possível disseminador de doenças.
3. Ganso-do-Egipto (Alopochen aegyptiacus)
Tal como o bico-de-lacre, o ganso-do-Egipto é nativo da África subsaariana. Considera-se que a introdução na natureza foi acidental, fruto de fugas de cativeiro ou mesmo da dispersão natural em colecções privadas e parques zoológicos.
“Em Portugal é uma espécie cuja expansão é muito recente e rápida. Não estava incluída no II Atlas das Aves Nidificantes, e agora existem registos de nidificação em mais de 50 quadrículas de 10 por 10km”, aponta o responsável da SPEA.
“Nidifica em jardins e parques das grandes cidades, assim como em corpos de água do interior, sobretudo no Alentejo.”
Possíveis impactos: Competição com espécies autóctones por locais de nidificação e alimento; comportamento agressivo
4. Codorniz-japonesa (Coturnix japonica)
Como o nome indica, esta codorniz é proveniente da Ásia oriental. Mas ao contrário de muitas aves invasoras a introdução na natureza foi intencional, para uso em áreas de caça.
Em Portugal a situação é “desconhecida” e desconhece-se exactamente onde é que ocorre, mas é uma espécie que pode colocar em risco a codorniz autóctone (Coturnix coturnix), com a qual hibrida, avisa Hany Alonso.
5. Arcebispo ou bispo-de-coroa-amarela (Euplectes afer)
Nativo da África subsaariana, esta ave de penugem preta e amarela foi introduzida na natureza em Portugal de forma acidental, por fuga de cativeiro.
Em Portugal, o bispo-de-coroa-amarela “foi detectado nos anos 80, no Algarve”, lembra o ornitólogo. “Distribuiu-se inicialmente de uma forma algo dispersa por zonas húmidas ao longo da faixa costeira, mas tem tido uma forte expansão nos últimos 20 anos, ocupando algumas das principais zonas húmidas do centro do país: estuários do Tejo e do Sado e ria de Aveiro.”
Possíveis impactos: Competição com espécies autóctones por locais de nidificação e alimento; afetam a estrutura do ecossistema.
6. Mainato-de-crista (Acridotheres cristatellus)
Originário do Sudeste asiático, à semelhança de outras aves, o mainato-de-crista fugiu de cativeiro.
Os primeiros registos já datam da década de 90, aponta Hany Alonso, que recorda que “durante algum tempo foi evidente a existência de dois núcleos populacionais, em Oeiras e Corroios”. “Neste momento a espécie estará em expansão, havendo registos regulares de bandos nos concelhos limítrofes (por exemplo, Alcochete, Lisboa, Setúbal) e observações regulares noutros pontos do país, como Bombarral e Benavente.”
Pode ser observado mais facilmente no Forte de São Julião da Barra (Oeiras) e no Moinho de Maré de Corroios.
Possíveis impactos? Competição com espécies autóctones por locais de nidificação, como é o caso dos estorninhos, e também por alimento.
7. Tecelão-de-cabeça-preta (Ploceus melanocephalus)
Nativo da África subsaariana, onde ocorre desde a Mauritânia e Sudão até à Zâmbia, a sul, esta é outra ave que terá sido introduzida na natureza em Portugal ao fugir de gaiolas.
Em território português, “foi detectado nos anos 90 no estuário do Tejo e em Vilamoura (Loulé), foi desde cedo confirmada a sua reprodução”. “Associado a zonas húmidas e com nidificação colonial, tem estado algo limitada às áreas iniciais de colonização, como o estuário do Tejo e a zona central do Algarve, assim como no paúl da Tornada. Mais recentemente, tem sido registo regular na Barrinha de Esmoriz, Aveiro”, detalha o responsável da SPEA.
Onde pode ser observado? Por exemplo na Barroca de Alva (estuário do Tejo), paúl da Tornada e Lagoa dos Salgados (centro do Algarve).
Possíveis impactos: Competição com espécies autóctones por locais de nidificação (por exemplo, rouxinol-grande-dos-caniços, rouxinol-pequeno-dos-caniços) e alimento; afectam a estrutura do ecossistema.
Outras aves que também preocupam
Esteja atento a outras quatro aves que já têm provocado problemas noutros países da Europa. Em Portugal, poderá suceder o mesmo, avisa o responsável da SPEA:
8. Caturrita ou Periquito-monge (Myiopsitta monachus)
Com origem na América do Sul (Bolívia, sul do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), a caturrita ou periquito-monge é outra ave de introdução acidental.
Os primeiros registos foram nos anos 90, sendo esta uma espécie que tem registos habituais em Lisboa e no Porto. “Há registos de nidificação em Lisboa, Loures e junto ao Arade (Algarve), mas não que resultaram em núcleos viáveis. É provável que haja reprodução no Porto.”
Apesar da situação em Portugal ser ainda pouco preocupante, Hany Alonso sublinha que “é uma espécie com um forte caráter invasor”. Por exemplo? “Na vizinha Espanha, incluindo em muitas cidades próximas da fronteira, tem colónias numerosas. Em 2015, foram estimados 20.000 indivíduos e já em 2019, em Madrid decidiram controlar as populações.”
Em Portugal, pode ser vista mais facilmente em jardins e parques de Lisboa (Sete Rios, Campo Grande) e do Porto (Passeio Alegre, Serralves), adianta. “Constrói ninhos com galhos, que podem atingir dimensões significativas.”
São muitos os possíveis impactos: “Competição com espécies autóctones por locais de nidificação e alimento; danos ocasionais em culturas agrícolas; ruído; danos no património; danos causados pelas quedas dos ninhos; possível disseminador de doenças.”
9. Periquitão-de-cabeça-azul (Thectocercus acuticaudatus)
Nativo da América do Sul, em Portugal terá fugido de gaiolas e estabeleceu-se na natureza.
“Os primeiros registos datam dos anos 90 e neste momento a reprodução da espécie está confirmada, em aparente expansão, mas circunscrita à Grande Lisboa”, explica Hany Alonso, que adianta que “já foram avistados bandos de 30 a 45 aves”. Pode ver-se em vários jardins e parques de Lisboa (Príncipe Real, Estrela, Ajuda, Benfica).
Possíveis impactos: Competição com espécies autóctones por locais de nidificação e alimento.
10.Pato-de-rabo-alçado-americano (Oxyura jamaicensis)
Ao contrário de outras aves, esta espécie é nativa da América do Norte. Terá conseguido expandir-se noutros países devido a fugas de cativeiro mas também por dispersão natural.
“O pato-de-rabo-alçado-americano foi introduzido em Inglaterra na primeira metade do séc. XX e a partir daí a população cresceu e expandiu-se por outros países europeus”, descreve o responsável da SPEA. “Chegou a Espanha nos anos 80 e os primeiros híbridos começaram a surgir em 1991, nos anos seguintes foi lançado um programa de controlo.”
Em Portugal, “há apenas registos ocasionais de indivíduos isolados”, nomeadamente no Alentejo.
Possíveis impactos? Hibridação com a espécie autóctone europeia, o pato-de-rabo-alçado (Oxyura leucocephala); competição e exclusão de espécies autóctones.
11. Íbis-sagrada (Threskiornis aethiopicus)
Esta é outra espécie da África subsaariana, com introdução acidental na natureza fora da sua área nativa, devido a fugas de cativeiro ou dispersão acidental a partir de parques zoológicos.
Situação em Portugal? “Já ocorreu nidificação em Portugal (Baixo Mondego) nos anos 90, mas não terá sido um registo pontual e não resultou numa população viável”, recorda o ornitólogo. Em território nacional “têm sido observados pontualmente indivíduos isolados ou aos pares, provavelmente indivíduos em dispersão provenientes das populações que se reproduzem em França.”
Possíveis impactos? Predação sobre espécies ameaçadas (anfíbios e invertebrados); competição com espécies autóctones (ardeídeos) por locais de nidificação e alimento; impactos sobre a vegetação nas colónias reprodutoras.
Agora é a sua vez.
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Esteja também atento ao eventual aparecimento de outras espécies exóticas, como o periquito-da-Guiné (Poicephalus senegalus), o rouxinol-do-Japão (Leiothrix lutea) e a rola-rosada (Streptopelia roseogrisea).
No âmbito da 1ª Semana Nacional sobre Espécies Invasoras, a Wilder falou com investigadores para saber mais sobre várias espécies destas em Portugal, incluindo plantas e insectos. Leia uma entrevista com duas especialistas portuguesas nesta ameaça à biodiversidade.