Coruja-das-torres. Foto: Carlos Delgado/WikiCommons

Da coruja-das-torres ao mocho-galego, como contribuir para a conservação das aves de rapina noturnas

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Na série “Jardins para a vida silvestre”, aprenda com uma rede de especialistas a tornar cada recanto num oásis para ajudar a biodiversidade, desde aves e anfíbios a abelhas e morcegos. João Eduardo Rabaça, professor e investigador da Universidade de Évora, explica que espécies de rapinas noturnas habitam em Portugal e como é importante andarmos de olhos e ouvidos bem atentos.

Das cerca de 250 aves de rapina noturnas conhecidas por todo o mundo, apenas sete são observáveis em Portugal, e nestas incluem-se duas que só cá estão uma parte do ano: a coruja-do-nabal (Asio flammeus), invernante, e o mocho-pequeno-d’orelhas (Otus scops), que chega na primavera para se reproduzir. As restantes cinco espécies – coruja-das-torres (Tyto alba), coruja-do-mato (Strix aluco), bufo-pequeno (Asio otus), mocho-galego (Athene noctua) e bufo-real (Bubo bubo) – são residentes, permanecendo no nosso país de janeiro a dezembro.

As sete espécies pertencem à ordem das Strigiformes, que engloba todos os mochos, corujas e bufos, explica João Eduardo Rabaça, que durante uma visita realizada em janeiro, no Jardim Gulbenkian, falou sobre o que cada um de nós pode fazer para contribuir para a conservação deste grupo.

Por necessitarem de áreas abertas, onde possam encontrar alimento em quantidade suficiente, muitas destas aves são mais associadas ao meio rural. Mas por vezes são observadas nos arredores de vilas e cidades, ou mesmo no centro de algumas, como sucede com as corujas-das-torres ou com a coruja-do-mato – “é assinalável o número de aves que penetram e nidificam no espaço urbano”, nota João Eduardo Rabaça. O investigador lembra que foram encontradas aves juvenis de coruja-do-mato na Avenida da Liberdade, Lisboa, em 2006.

Mas esta é uma realidade distante. Hoje já não se encontram aves de rapina noturnas no centro de Lisboa. Aliás, acredita-se que mais de metade destas espécies tenham perdido terreno em Portugal, pelo menos desde o final de 2009.

De acordo com o último relatório do Grupo de Trabalho em Aves Nocturnas (GTAN), que junta vários investigadores especializados em rapinas noturnas, as situações mais preocupantes são as do mocho-d’orelhas e do mocho-galego – estima-se que as populações destas duas espécies tenham registado “uma tendência fortemente negativa”, marcada por um “declínio acentuado”. De acordo com o mesmo documento, publicado em dezembro, a coruja-das-torres e o bufo-pequeno também merecem cuidados, pois “registam um declínio moderado”.

Coruja-do-nabal (Asio flammeus). Foto: Ólafur Larsen/Wiki Commons
Coruja-do-mato (Strix aluco). Foto: Joe Pell

Perante a situação negativa de mais de metade das aves de rapina noturnas de Portugal, o que é mais importante fazer? Obter mais conhecimento sobre o estado deste grupo. “Precisamos de ter um retrato mais fiel do que se está a passar”, refere João Eduardo Rabaça. “A participação mais expressiva e mais útil, da parte de cidadãos que queiram fazer algo, é envolverem-se no censo Noctua Portugal”, sublinha. É graças a este censo de aves noturnas, organizado todos os anos pelo GTAN e pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), que os investigadores portugueses obtêm informação sobre as tendências populacionais dessas espécies.

Trata-se de contagens de aves realizadas por voluntários, ao final do dia ou durante a noite. Qualquer pessoa pode participar, sublinha este professor da Universidade de Évora. Os organizadores do censo ajudam no que for necessário e fornecem gravações com as vocalizações das espécies, já que o mais comum, no caso do Noctua Portugal, é fazer-se a identificação de cada ave a partir do som característico que faz.

A coruja-das-torres, por exemplo, tem um grito estridente muito fácil de identificar. O mocho-pequeno-d’orelhas tem um canto monossilábico, que faz lembrar o sapo-parteiro-comum. Já a coruja-do-mato emite o “uhuuuu” que é tradição associar a este grupo de aves, enquanto os sons da coruja-do-nabal lembram um riso abafado.

OIÇA:
coruja-das-torresmocho-pequeno-d’orelhascoruja-do-mato e coruja-do-nabal

Todas as participações são importantes, mas no Interior do país há falta de mais voluntários para a realização do censo do Noctua Portugal, que decorre todos os anos entre dezembro e meados de junho, frisa o mesmo responsável.

Quanto maior for o número de participantes e mais espalhada a sua presença pelo território nacional, mais dados de qualidade serão obtidos e mais influência será possível ter junto dos decisores políticos, para que se empenhem na conservação destas aves. “É importante conhecer o que existe destas espécies, onde existem, em que números são e quais os seu movimentos.” Por isso, refere, “qualquer informação de um avistamento é importante, mesmo que seja uma ave vítima de colisão com veículos”. “Enviem esses registos para o GTAN”, apela o investigador, que recorda que as pessoas também se podem juntar ao portal eBird.

Buo-pequeno (Asio otus). Foto: Luis nunes alberto/Wiki Commons

Aves fantásticas

Tão diferentes de muitas das aves diurnas, as rapinas noturnas despertam a curiosidade humana há muitos séculos. Mas o que têm tantos mochos, corujas e bufos em comum? Para começar, têm os olhos na parte frontal, o que os ajuda a ver em profundidade. São as únicas aves assim.

E uma vez que neste grupo o principal sentido é a audição, existe outra característica que se pode observar praticamente em todas as rapinas noturnas: “os ouvidos não estão no mesmo plano, existindo um ligeiro desnível”, descreve João Eduardo Rabaça. “Quando ouvem um som, o cérebro destes animais consegue fazer a triangulação correta e, dessa forma, detetar exatamente a origem desse som.”

A maior parte está ativa apenas durante a noite, embora nem sempre seja a regra. Tanto o mocho-galego como a coruja-do-nabal, por exemplo, têm também atividade diurna.

Já o vulto branco e voo silencioso da coruja-das-torres têm alimentado, ao longo da história, muitos mitos e temores noturnos, nota o investigador. O facto desta ave robusta ser praticamente silenciosa durante o voo, apanhando de surpresa as suas presas, já foi estudado por cientistas – isso só é possível devido ao tamanho das suas asas, que lhe permitem planar quase sem movimentos, e ainda a “um detalhe técnico absolutamente extraordinário”: o serrilhado especial no bordo exterior das penas de voo, que “corta o ar e atenua significativamente a possibilidade de se produzir o som devido ao atrito”.

Coruja-das-torres (Tyto alba). Foto: Steven Ward/Wiki Commons
Mocho-galego (Athene noctua). Foto: Edd Deane/Wiki Commons

Ocupantes de caixas-ninho

Estas aves contribuem de forma importante para o equilíbrio dos ecossistemas e são conhecidas aliadas dos agricultores. Uma única coruja-das-torres, por exemplo, “pode comer cerca de 1000 roedores num ano, o que é uma grande vantagem, uma vez que uma praga de roedores pode ter um impacto muito grande nas culturas”. O mocho-galego, que se alimenta principalmente de insetos e também captura alguns micromamíferos, é outra das espécies conhecidas pelo seu papel no controlo de pragas.

As rapinas noturnas são igualmente encaradas pelos cientistas como sentinelas do ambiente, já que “os meios agrícolas – a que muitas estão associadas – são dos mais contaminados por produtos químicos”. O aumento do uso de pesticidas e de outros recursos semelhantes tem reflexo, por exemplo, na espessura das cascas dos ovos, tornando-os mais frágeis.

Além da participação no censo Noctua Portugal, é possível ajudar estas aves através da instalação de caixas-ninho adequadas a algumas espécies, como a coruja-do-mato, a coruja-das-torres e o mocho-galego. Ainda assim, “é sempre necessário avaliar as condições do local e a possibilidade de as caixas serem ocupadas por espécies exóticas, situação que deve ser evitada”, sublinha o docente universitário.

Saiba mais sobre a construção de caixas-ninho.


Este artigo insere-se na série “Jardins para a Vida Silvestre”, uma parceria entre a Wilder e a Fundação Calouste Gulbenkian.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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