Foto: Kristian Pikner/WikiCommons

Como atrair pirilampos (e como os manter) num espaço verde

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Aprenda com uma rede de especialistas a tornar cada recanto num oásis para ajudar a biodiversidade, desde aves e anfíbios a abelhas e morcegos. Gonçalo Figueira, especialista em pirilampos e fundador do projecto de micro-reservas Lightalive, explica-nos o que podemos fazer para dar as boas-vindas a estes animais peculiares, caçadores de caracóis e lesmas.

Tal como as joaninhas, os pirilampos são escaravelhos, mas têm uma qualidade que os distingue de muitos outros membros deste grupo: “têm a capacidade de produzir luz visível”, nota Gonçalo Figueira. Dentro da vasta ordem dos coleópteros (escaravelhos), têm a sua família própria: a família Lampyridae.

Este especialista em pirilampos orientou no passado dia 10 de julho um passeio no Jardim Gulbenkian, em que falou sobre a situação destes insetos em Portugal e sobre a forma como cada um de nós pode contribuir para a sua conservação.

Mas afinal, como é que estes escaravelhos misteriosos conseguem brilhar no escuro? A luz do pirilampo é produzida devido a uma combinação bioquímica que junta três elementos: a enzima luciferase, uma molécula chamada de luciferina e ainda oxigénio, descreve à Wilder. E isto serve para diferentes fins: “como a reprodução, em que normalmente a fêmea usa a sua luz para atrair o macho, ou a proteção contra predadores, confundindo ou assinalando a sua impalatabilidade e toxicidade.”

Das mais de 2000 espécies conhecidas no mundo e das mais de 65 na Europa, há hoje registo de 8 a 10 espécies diferentes de pirilampos em território português. O número total varia consoante os autores, mas “descobertas recentes sugerem que é bastante possível que excedam a dezena”, explica este responsável.

Na verdade, “ainda não se sabe muito sobre a situação dos pirilampos em Portugal”, pois “a falta de informação chega a níveis bastante básicos” – lamenta Gonçalo Figueira – existindo mesmo dúvidas quanto ao estatuto de algumas espécies. Por exemplo, dentro do género Lampyris, os cientistas só recentemente descobriram que “o que pensavam ser um dos pirilampos mais comuns da Europa” presente em território português, o pirilampo Lampyris noctinuca, “é afinal uma nova espécie para a ciência”, o Lampyris iberica.

Existem outras questões por esclarecer relativas aos pirilampos, incluindo algumas que dependem de estudos genéticos que se estão a fazer nos Estados Unidos, “mas a pandemia atrasou bastante o processo de análise.”

E apesar de outros estudos recentes, falta também mais informação para se perceber até que ponto as várias espécies no território nacional estão hoje em risco de extinção. “A única solução que nos resta é continuar a monitorizar”, avisa.

Comedores de caracóis e lesmas

Dúvidas à parte, é certo que os pirilampos “têm um papel fundamental no controlo de potenciais pestes”, pois uma grande parte destes escaravelhos “alimenta-se sobretudo de gastrópodes (caracóis e lesmas)”, nota o especialista.

Mas podemos atraí-los para um jardim ou varanda no meio de uma cidade? Um jardim talvez, desde que as condições sejam adequadas, mas quanto à varanda “é improvável que se venha a ter uma população viável de pirilampos”, explica. Por um lado porque “os nossos pirilampos colonizam novos territórios sobretudo durante a fase larvar, em que passam quase todo o tempo no solo”; por outro, porque as condições nesses locais “normalmente não são as ideais”.

Já um jardim na cidade – ou em meio rural, “onde há mais pirilampos” – precisa de ter várias condições asseguradas. Desde logo, é muito importante que haja corredores verdes entre esse espaço e uma população reprodutora destes escaravelhos, até porque tanto as fêmeas como as larvas não têm asas e deslocam-se através do solo. É como larvas, aliás, que estes insetos passam uma boa parte da sua vida – entre dois a três anos – ficando no estado adulto apenas cerca de duas semanas.

Nestes jardins, devem também existir caracóis e lesmas e por isso é conveniente não usar moluscicidas nem outros tipos de pesticidas; deve haver pouca ou nenhuma “influência de luz artificial, pois as luzes confundem os pirilampos”; por fim, é conveniente que o terreno esteja “coberto de vegetação que não tenha muita perturbação”, por exemplo, “sem mobilização do solo e pisoteio”.

“Não precisa de ser todo o jardim, mas é conveniente que se mantenha pelo menos um pequeno espaço do qual não se retiram as folhas e a restante manta morta”, sugere Gonçalo Figueira. Até porque são esses restos vegetais que melhor preservam a humidade e atraem caracóis e lesmas, criando as condições ideais para as pequenas larvas de pirilampo.

Ainda assim, embora os espaços verdes urbanos não sejam os espaços mais frequentados por estes pequenos seres luminescentes – especialmente quando estão rodeados por rodovias – têm surgido algumas surpresas. Foi o que aconteceu no Jardim Gulbenkian, onde foram avistados pirilampos neste último verão, mas ainda não se sabe muito bem como aí terão chegado.

Já no campo, não é em todos os locais que podemos encontrar estes coleópteros, pois por vezes faltam as condições de habitat mais adequadas – como a existência de “um pequeno bosque ou uma sebe de vegetação”. Essas são características que vão faltando por exemplo nalgumas partes do Alentejo, onde “é possível andar vários quilómetros sem observar um pirilampo, mas sim campos agrícolas em que praticamente não existem sequer sebes a delimitar os campos”.

Larva de Lamprohiza paulinoi. Foto: Luís Guilherme Sousa

Qualquer pessoa pode contribuir

Ao criarmos condições para estes escaravelhos, ajudamos assim a combater a destruição do seu habitat, que é a principal ameaça a este grupo, frisa Gonçalo Figueira, baseando-se numa investigação pessoal que fez na região da Estremadura. As alterações climáticas e o excesso de luz artificial – “existe um excesso de candeeiros” – são outras ameaças importantes. E também “não deve ser negligenciada a questão dos pesticidas e da agricultura intensiva, sobretudo a que exige frequentes mobilizações do solo”.

Mesmo quem não tenha um terreno para abrigar estes insetos tão peculiares, pode ter um papel ativo na sua conservação, nota o especialista. De que forma? Contribuindo “com observações para os projetos de monitorização”, por exemplo, através da plataforma BioDiversity4All, ou ajudando a preservar os pirilampos “nos espaços verdes de familiares e amigos”.

Este artigo insere-se na série “Jardins para a Vida Silvestre”, uma parceria entre a revista Wilder e a Fundação Calouste Gulbenkian.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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