O tempo frio e cinzento pode dar pouca vontade de sair de casa, mas para as aves que fogem aos rigores do Norte, o inverno português é um bálsamo.
Algumas espécies apenas nos visitam nesta estação, enquanto outras se tornam mais fáceis de ver porque aos indivíduos que cá residem juntam-se os migradores. Esta é, na verdade, a melhor altura do ano para observar aves aquáticas em Portugal, mas a lista não se fica por aí. Este inverno, aproveite para descobrir estas cinco espécies.
Abibe
Chegam às centenas, vindos do centro e norte da Europa, com um voo que parece o de uma borboleta graças às suas asas arredondadas. O abibe é uma das limícolas mais abundantes em Portugal, com o número a aumentar ainda mais quando a Europa é fustigada por invernos mais rigorosos.
Esta espécie é omnipresente nas planícies alentejanas e ribatejanas e pode ser facilmente encontrada nos campos abertos do Sul e Litoral do país, em pastagens, pousios, terrenos lavrados e montados abertos. Além do seu voo de borboleta, o abibe é muito fácil de identificar pelo seu penacho característico e pela coloração: branca nas partes inferiores e escura, em tons esverdeados, nas partes superiores.
Grou
O inverno não seria o mesmo nas planícies alentejanas sem os grous. Esta espécie proporciona um dos espetáculos ornitológicos mais fascinantes da Península Ibérica: quando ao fim da tarde se juntam e dirigem aos seus locais de dormida, voando em bandos a baixa altitude enquanto vocalizam sem parar, é impossível ficar indiferente. Mesmo noutras alturas do dia é frequente os grous voarem em bandos, e mesmo nos bandos maiores é possível observar grupos familiares, que se mantêm mais juntos.
Em voo, o grou distingue-se das garças por voar com o pescoço esticado. Poisado, é uma ave inconfundível: alta, esbelta e cinzenta, com um tufo de penas na cauda. A espécie ocorre no Interior Alentejano, sobretudo junto à raia: Campo Maior, Moura, Mourão e Barrancos, bem como Castro Verde e Évora são algumas das regiões onde pode observá-la. Frequenta os montados, onde se alimenta de bolotas, tubérculos e invertebrados, mas também campos de restolho e campos recentemente semeados.
Ganso-bravo
Outra espécie cujos bandos assinalam a chegada do inverno é o ganso-bravo.
Embora seja pouco comum e ocorra apenas nalgumas partes do país, nos locais onde ocorre o ganso-bravo dificilmente passa despercebido. É uma ave grande e pesada, com um bico laranja e uma coloração geral cinzento-acastanhada, semelhante à dos gansos-domésticos, que de resto dela derivam.
Um dos locais de eleição para observar esta espécie é o Estuário do Tejo, onde se podem formar bandos de várias dezenas ou mesmo algumas centenas de indivíduos, que se juntam para se alimentar.
Quando estes bandos chegam às áreas de alimentação, toda a paisagem estuarina fica envolta no seu grasnar.
Cagarraz
Esta pequena ave aquática pode passar facilmente despercebida, mas é presença habitual em Portugal durante o inverno, embora não seja propriamente comum. Na sua plumagem de inverno, menos exuberante que a nupcial, destacam-se as faces brancas, a contrastar com a restante plumagem negra ou acinzentada, e com o olho vermelho.
O cagarraz (ou mergulhão-de-pescoço-preto) encontra-se facilmente em tanques de salina e aquacultura dos estuários, em lagoas costeiras e em pequenos açudes, sobretudo na orla costeira. O principal reduto desta espécie em Portugal é o Estuário do Sado, podendo também ser visto com regularidade na Lagoa de Óbidos, na Ria de Aveiro e na Ria Formosa. A Lagoa de Albufeira e os tanques de salinas dos estuários do Tejo e do Sado (por exemplo, na Herdade da Mourisca) são bons locais para procurar esta espécie. Nas últimas duas décadas, alguns cagarrazes têm nidificado em Portugal, nomeadamente no Alentejo e na Lagoa dos Salgados, no Algarve.
Pisco-de-peito-azul
Uma visita invernal a qualquer uma das principais zonas húmidas da orla costeira do nosso país pode levá-lo a observar o pisco-de-peito-azul. Os machos desta espécie têm uma coloração inconfundível: o espetacular peito azul que lhes dá o nome, na base do qual têm uma banda preta e outra laranja. Já a plumagem das fêmeas é bem menos colorida, mas continuam a ser facilmente identificadas pela coloração arruivada na base das penas mais exteriores da cauda, assim como pela banda clara acima do olho.
Quando poisa na vegetação dos sapais, arrozais ou caniçais, o pisco-de-peito-azul mantém muitas vezes a cauda erguida.
O Estuário do Tejo é um dos melhores locais para observar o pisco-de-peito-azul, que é também muito fácil de observar na Ria de Alvor e na Ria de Aveiro.
Agasa-lhe-se, pegue nos binóculos, e deixe que estas aves o relembrem que o inverno também traz beleza e novidade.
Outras espécies a procurar no inverno…
Marrequinha, tarambola-dourada, esmerilhão, coruja-do-nabal, torda-mergulheira, tordo-ruivo, petinha-dos-prados.
… e dicas para observar aves nesta época do ano
- Não precisa de ir ao nascer do sol: nas manhãs frias as aves ficam mais quietas até a temperatura subir um pouco.
- Esteja atento às poças nos caminhos: as aves usam-nas muitas vezes para beber e para se banhar.
- Aproveite os dias de sol, sobretudo depois de períodos de chuva: as aves estão mais ativas, à procura de alimento.
- No 1º dia calmo depois de uma tempestade forte, vá a um porto ou zona húmida costeira: encontrará certamente muitas aves marinhas que se terão refugiado em terra.
- Não se deixe intimidar pelo tempo menos bom: existem várias zonas húmidas com observatórios onde estará mais protegido dos elementos, ou com bons acessos que lhe permitem observar a partir do carro, ou voltar rapidamente para o carro caso o tempo piore.
Agora é a sua vez.
Quer ajudar a saber como estão as aves portuguesas neste Inverno? Descubra como pode participar no censo CANAN, organizado pela SPEA.
Conte as Aves que Contam Consigo
A série Conte as Aves que Contam Consigo insere-se no projeto “Ciência Cidadã – envolver voluntários na monitorização das populações de aves”, dinamizado pela SPEA em parceria com a Wilder – Rewilding your days e o Norwegian Institute for Nature Research (NINA) e financiado pelo Programa Cidadãos Ativos/Active Citizens Fund (EEAGrants), um fundo constituído por recursos públicos da Islândia, Liechtenstein e Noruega e gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian, em consórcio com a Fundação Bissaya Barreto.