Esta espécie de caranguejo, que realiza migrações em massa, tem uma população estabelecida no estuário do Tejo desde há cerca de 40 anos.
No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras, Pedro Anastácio, investigador do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente na Universidade de Évora, ligado ao projecto LIFE Invasaqua, explica tudo o que precisamos de saber sobre este caranguejo vilão de pinças peludas:
Que espécie é esta e onde pode ser encontrada?
O caranguejo-peludo-chinês é um caranguejo fortemente invasor e relativamente grande, com uma carapaça até 10 centímetros. Os indivíduos desta espécie, principalmente os machos, têm pinças muito “peludas” e que parecem luvas, que tornam a sua identificação inequívoca.
Para além disso, em território nacional este é o único caranguejo que pode ser encontrado em água doce. Na verdade, reproduz-se na zona mais salina dos estuários, mas os juvenis migram para a água doce, onde passam a sua vida até voltarem aos estuários para se reproduzirem. Não deverá ser confundido com muitas outras espécies de caranguejos comuns em estuários, em zonas de água salobra, como é o caso do caranguejo verde (Carcinus maenas).
Em Portugal, o caranguejo-peludo-chinês só está estabelecido na bacia do rio Tejo, apesar de termos registos noutras bacias, por exemplo a do rio Minho. A sua presença está limitada a jusante de grandes barragens intransponíveis – como acontece na barragem de Belver, na bacia hidrográfica do Tejo, distrito de Santarém.
Mas qual é o problema com este caranguejo?
Este caranguejo afecta a estabilidade de margens e taludes através da sua actividade escavadora. Consome plantas aquáticas e nalguns países afecta a produção de arroz. A nível nacional, foram referidos danos em redes de pesca e consumo de peixe ou de isco em redes e armadilhas. Pelo seu tamanho, esta espécie é também dominante em interações com outras espécies de água doce, nomeadamente de crustáceos.
Por outro lado, consegue ultrapassar barreiras (pequenos diques e barragens) nas suas migrações em massa ao longo dos rios, para montante ou jusante, e ao ultrapassar estas barreiras em grandes números pode tornar-se um problema local, frequentemente trepando e caminhando fora de água. Há relatos de povoações europeias, como por exemplo na Holanda, infestadas durante o período migratório.
Em grande parte da sua área de distribuição, as migrações de adultos a descer os rios acontecem entre Agosto e Novembro. E as de juvenis a subir os rios entre Março e Julho. No entanto, variações de temperatura podem provocar ajustes nestes períodos. Por exemplo, todo o ciclo parece estar um pouco atrasado no Tejo, onde a maior parte das fêmeas com ovos tem sido detetada em Maio.
Quando é que este invasor chegou à Europa?
Esta espécie é nativa do Leste da Ásia – desde a península da Coreia até à zona de Macau, aproximadamente – e tem actualmente uma ampla distribuição invasora em todo o mundo, especialmente na Europa, América do Norte e Ásia Ocidental.
O primeiro registo europeu aconteceu em 1912, no rio Aller, na Alemanha. Apesar disso, a história da invasão é distinta dependendo do país. Na Alemanha, foram atingidas densidades muito elevadas logo nos primeiros anos após a invasão, mas por exemplo no Reino Unido demorou muito até que fossem detectadas densidades elevadas.
Apesar da baixa incidência de relatos de migrações em massa em Portugal, a ocorrência de flutuações populacionais muito marcadas é comum e não há razão para supor que isso não possa também acontecer por cá. Aliás, a elevada frequência de invasões recentes desta espécie por todo o mundo – Espanha (1997), Itália (2005) e Irão (2006), entre outros países – indica que existe um forte risco de expansão para outras regiões.
Estudos por parte da nossa e de outras equipas têm demonstrado que muitas áreas da Península Ibérica, do resto da Europa e também em todo o mundo apresentam condições adequadas para a invasão por esta espécie.
E como é que apareceu em Portugal?
As larvas poderão ter sido transportadas através da água de lastro dos navios, considerada como o principal factor de risco para a expansão do caranguejo-peludo-chinês. Este caranguejo foi notado pela primeira vez em Portugal no rio Tejo, por pescadores locais no final da década de 1980. Por isso, pode presumir-se que o tempo de residência no Tejo seja de cerca de 40 anos.
Apesar deste longo período, essa população é uma das populações europeias mais recentes e bem estabelecidas desta espécie. Caracteriza-se pela menor diversidade genética quando comparada com outras populações europeias mais antigas e parece ser geneticamente mais próxima das populações do norte da Europa do que das populações encontradas no Reino Unido ou na sua área nativa.
O que está a ser feito atualmente para controlar a espécie?
Não há ainda qualquer plano oficial em Portugal para o controlo desta espécie, sendo que a sua erradicação é impossível na prática. Apesar disso, é importante minimizar o risco de transmissão para outros rios, o que pode acontecer através de introduções intencionais de adultos ou pelo transporte acidental de larvas em tanques de lastro.
Aliás, o risco de transporte de larvas é elevado, quer a partir das áreas estuarinas presentemente afectadas em Portugal, quer a partir de outros portos europeus em que as densidades são até muito mais elevadas – como acontece com o porto de Londres, no rio Tamisa. Os nossos estudos mostram que o período de Abril a Julho é o mais adequado para eventuais medidas de diminuição do risco de transporte de larvas por água de lastro, do estuário do Tejo para outros estuários, pois é nessa altura do ano que estas são mais comuns.
Um exemplo de uma medida importante: a troca da água de lastro a meio das viagens no oceano. Um dos objetivos futuros, aliás, é que os navios possam ser equipados com sistemas de tratamento das águas de lastro.
E se alguém encontrar um caranguejo-peludo-chinês, o que deve fazer?
Não o devolva à água nem o liberte noutro local. Se quiser, pode registar a ocorrência através da aplicação Invasive Alien Species in Europe, que tem uma versão portuguesa e conta com a colaboração do Projeto LIFE Invasaqua. É particularmente importante avisar diretamente as autoridades competentes se a espécie for encontrada fora da Bacia do Tejo.
Por outro lado, existe algum aproveitamento local deste caranguejo para consumo humano e alguma atividade de captura comercial ao longo do rio Tejo e no seu estuário. Todavia, no caso desta espécie, não é recomendável a promoção da captura comercial como meio de controlo populacional, pois poderá contribuir para a sua introdução noutros rios onde não está ainda estabelecida.
De que formas é que o LIFE Invasaqua está a lidar com este caranguejo?
O projecto está a difundir o conhecimento de que esta espécie é fortemente invasora, que está na Lista de Espécies Invasoras Preocupantes para a União Europeia, e que não se deverá de modo algum levar para outras bacias hidrográficas. Para além disso estão previstas acções específicas em cada zona do país, para formação das autoridades, pescadores e outras partes envolvidas, sensibilizando-os para o problema e distribuindo gratuitamente o guia de espécies exóticas e invasoras aquáticas. Finalmente, é importante o cumprimento das normas e recomendações internacionais respeitantes às águas de lastro, que são o principal meio de dispersão acidental da espécie.
Série Espécies Aquáticas Invasoras
Em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder dá-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.
Recorde o que se passa em Portugal com o siluro, o mexilhão-zebra, a rã-de-unhas-africana, o alburno e a amêijoa asiática.