Dave Goulson. Foto: D.R.

“Tornar os nossos jardins mais amigos da natureza ajuda mesmo a travar o declínio da vida selvagem”

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Dave Goulson, entomólogo da Universidade britânica de Sussex e escritor naturalista, publicou um novo livro, Gardening for Bumblebees, para nos dizer que é fácil e mesmo muito importante convidarmos polinizadores como as abelhas selvagens para os nossos jardins.

WILDER: O que o motivou a escrever este livro Gardening for Bumblebees: A Practical Guide to Creating a Paradise for Pollinators?

Dave Goulson: Tornar os nossos jardins mais amigos da natureza ajuda mesmo a travar o declínio da vida selvagem, se suficientes de nós se envolverem. Por exemplo, no Reino Unido, os nossos 22 milhões de jardins cobrem 400.000 hectares de terrenos. Isso é mais do que todas as nossas reservas naturais juntas. Imagine se a maioria desses jardins estivessem cheios de flores amigas dos polinizadores e livres de pesticidas. Isso iria fazer a diferença. Por isso escrevi este livro para mostrar às pessoas como podem, muito facilmente, convidar mais polinizadores para os seus jardins.

Foto: J. Henning/Pixabay

W: Na sua opinião, qual é o estado da nossa relação com as plantas selvagens e as flores silvestres? Estaremos a esquecermo-nos delas, da sua importância?

Dave Goulson: Recentemente, os nomes de muitas flores silvestres e de animais selvagens foram retirados da versão infantil do Dicionário de Inglês de Oxford, por já não serem considerados relevantes. Poucas crianças conseguem hoje dizer o nome de pouco mais do um pequeno número de flores do campo. No Reino Unido, mais de 80% de nós vive agora em cidades. Estamos a tornar-nos cada vez mais desligados da natureza.

W: Acredita que este nosso desconhecimento sobre as flores silvestres pode ser uma ameaça aos polinizadores como as abelhas e os abelhões?

Dave Goulson: Penso que o nosso desconhecimento sobre a natureza em geral, e dos papéis fundamentais de plantas e animais selvagens, é terrivelmente perigoso. A maioria das pessoas ainda não compreende que estamos a chegar a uma crise ecológica que vai ter impacto em todos nós.

Dave Goulson. Foto: DR

W: Precisamos ser especialistas em Botânica para criar estes santuários para polinizadores?

Dave Goulson: Definitivamente não! (sorrisos). É muito fácil encontrar informação sobre que plantas são boas para os polinizadores. Há muita informação que está disponível online e, claro, o meu livro tem muitos conselhos. O primeiro passo é fazer menos: cortar menos, tirar menos ervas daninhas e ver que flores nativas aparecem. Deixar de usar pesticidas no seu jardim também vai-lhe poupar dinheiro, evitar qualquer perigo para a saúde da sua família ou animais de companhia e, claro, vai ajudar os insectos selvagens.

W: Como é que aprendeu sobre plantas e flores silvestres? Lembra-se das primeiras flores silvestres que plantou para ajudar os polinizadores?

Dave Goulson: Quando tinha apenas 5 ou 6 anos, gostava de procurar lagartas e colocá-las em frascos de vidro. Depressa percebi que elas precisam do tipo certo de folhas para se alimentarem. Por isso aprendi quais eram. Depois comecei a plantar essas plantas no nosso jardim, como o cornichão (Lotus corniculatus) para atrair a borboleta azulinha-comum (Polyommatus icarus).

W: Pode descrever o seu jardim? Que espécies de flores, arbustos e árvores tem neste momento?

Dave Goulson: Tenho muita sorte por ter um jardim com um hectare numa vila. Plantei cerca de 50 árvores de fruto – como macieiras, ameixeiras, pereiras, pessegueiros, amoreiras, marmeleiros e muitas mais – que dão flores para as abelhas de Março a Maio e deliciosos frutos a partir de Julho. Entre as árvores há um prado, ervas altas com flores silvestres que suportam uma variedade de insectos como abelhas, gafanhotos, borboletas e muitas espécies de besouros. Tenho uma horta onde tento cultivar a maior parte dos nossos alimentos, ajudado pelos ovos das galinhas que andam por ali. Perto da casa tenho alguns canteiros com uma mistura de flores ornamentais e silvestres, muito coloridas toda a Primavera e Verão. Espalhei vários hotéis para insectos e tenho caixas-ninho para abelhões. Ainda não acabei de catalogar as espécies mas tenho, pelo menos, oito espécies de abelhões, várias abelhas cortadeiras, abelhas-carpinteiras, abelhas do género Osmia, abelhas-cuco, abelhas-solitárias e, pelo menos, 20 espécies de borboletas. Para mim, é o paraíso.

W: Quais os seus principais conselhos para transformarmos um jardim ou varanda num paraíso para as abelhas e abelhões?

Dave Goulson: Deixar de usar pesticidas, se alguma vez se usou. Escolher algumas plantas adequadas: para uma varanda, vasos com Origanum, Salvia, Thymus, Lavandula e Nepeta seria excelente e útil para cozinhar também. Se tiver uma parede ou vedação exposta ao Sol, pendure um hotel para abelhas.

Abelha. Foto: Suzanne D. Williams/Pixabay

W: Na sua opinião, que medidas deveriam as cidades tomar para serem mais amigas dos polinizadores? E o que deveriam deixar de fazer?

Dave Goulson: Muitas vezes, as cidades têm muito espaço que não é usado, frequentemente relvados aparados, que poderiam estar cheios de flores silvestres. Imagine se os parques da cidade tivessem todos grandes zonas com prados de flores e canteiros ornamentais com plantas amigas das abelhas. Imagine também as rotundas e bermas de estradas cheias de flores silvestres. Também deveríamos ser mais tolerantes para com as ervas daninhas nas nossas cidades e deixar de espalhar herbicidas nos pavimentos e caminhos. Muitas centenas das maiores cidades em todo o mundo, incluindo Paris e Toronto, são hoje livres de pesticidas. Então por que não Londres e Lisboa?

W: O que poderá dizer para inspirar jardineiros, e futuros jardineiros, para fazerem os seus próprios santuários para abelhas?

Dave Goulson: As abelhas selvagens têm vindo, silenciosamente, a polinizar as nossas culturas desde que começámos a cultivar há 10.000 anos. Agora estes polinizadores estão em perigo. E por nossa causa. Estamos em falta para com eles. A boa notícia é que nos podemos todos envolver em reverter estes declínios. Vamos tornar as nossas cidades, vilas e aldeias numa rede de habitat amigo dos polinizadores. A última frase do meu livro A Sting in the Tale é “Salve uma abelha hoje, salve o mundo de amanhã”.


GARDENING FOR BUMBLEBEES: A PRACTICAL GUIDE TO CREATING A PARADISE FOR POLLINATORS

Por Dave Goulson

Editora: Square Peg

Data da publicação: 1 de Abril de 2021

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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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