O siluro, o maior peixe de água doce da Europa, é conhecido pelos investigadores portugueses como sendo um enorme problema para a biodiversidade no rio Tejo, onde a sua presença é cada vez mais notada. O LIFE Predator vai dar luta a esta espécie invasora durante os próximos cinco anos.
O maior peixe já pescado no Tejo foi apanhado por João Lobo quando andava à pesca de sabogas na zona da Azambuja, em Maio passado: um enorme siluro, também conhecido por peixe-gato europeu, com mais de dois metros e 60 quilos de peso.
Mas se o tamanho gigantesco deste siluro podia ser razão para festejar um recorde, na verdade revelou-se exactamente o contrário: foi mais um alerta para o perigo crescente que esta espécie aquática invasora, nativa de grandes rios da Europa Central, representa para outros peixes e para a biodiversidade do maior rio que passa em Portugal.
É que esta é a ponta visível de um problema que tem vindo a crescer meio escondido nas águas do Tejo: são cada vez mais os siluros apanhados pelos investigadores que aqui estudam a presença do maior peixe de água doce da Europa e décimo maior do mundo.
Na albufeira de Belver, no distrito de Santarém, onde a espécie é monitorizada há vários anos, “entre 2016 e 2018 capturávamos um siluro por cada duas redes de emalhar que colocávamos; entre 2019 e 2021 capturávamos um siluro por cada rede”, compara Filipe Ribeiro, investigador do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, ligado à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Introduzido no Tejo em Espanha em 1998 devido ao interesse que tinha para a pesca desportiva e observado do lado português da fronteira desde 2006, este peixe continua a ser procurado por pescadores desportivos e lúdicos que o levam para novos locais e por vezes o libertam vivo depois de apanhado – actos proibidos por lei, para uma espécie com a qual todos os cuidados são poucos.
Desde logo, porque se trata de um predador de topo, que se torna invulnerável a todos os outros predadores ao atingir 1,30 metros de comprimento, enumera Filipe Ribeiro. E ainda para mais, alimenta-se dos outros peixes, podendo viver até aos 70 anos. “Isto quer dizer que vai andar a causar um forte impacto e a comer peixe ao longo de várias décadas.”
Enguias, sáveis e lampreias entre as vítimas
No Tejo, o siluro “alimenta-se muito de enguias, sável, barbos, lampreias marinhas, que são espécies interessantes com grandes impactos sociais e económicos”, nota o mesmo responsável, que em Portugal vai ser o investigador principal do novo projecto “LIFE Predator – Prevenir, Detectar e Reduzir a dispersão do Silurus glanis em sistemas aquáticos do sul da Europa para proteger a biodiversidade aquática”.
Com início em Outubro, este programa LIFE co-financiado por fundos europeus vai prolongar-se até ao final de 2027, e envolve seis instituições de três países – além de Portugal, a Itália e a República Checa – com o objectivo de “mitigar o impacto do siluro, limitando e controlando o alastramento da espécie, evitando novas introduções e reduzindo assim o seu impacto na biodiversidade”, descreve a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em comunicado.
Em Portugal, a montagem de “uma rede de detecção precoce” é uma das acções previstas, através da recolha de ADN ambiental em 25 barragens no Tejo, Douro e Guadiana, acrescenta Filipe Ribeiro. A equipa de investigadores vai analisar o ADN nas águas aí recolhidas, em busca de provas da presença do siluro.
Os trabalhos vão concentrar-se principalmente no Parque Natural do Tejo Internacional, área protegida no distrito de Castelo Branco, junto à fronteira com Espanha.
Uma das acções vai traduzir-se na colocação de redes ou de palangres (linhas com vários iscos) para fazer o controlo populacional da espécie, até porque já existe muita informação sobre onde e como o fazer. “Já sabemos como os siluros se agregam, a que profundidades e em que zonas”, afirma o investigador do MARE.
A equipa, que em Portugal junta sete investigadores ligados a três centros na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, vai também divulgar o siluro em aulas de sensibilização ambiental nas escolas da área de influência do Tejo, nas regiões de Santarém, Portalegre e Castelo Branco.
Outras acções previstas passam pela formação de parcerias a nível local com municípios, associações de pesca, ONG e outras partes interessadas no problema e também pela avaliação da biodiversidade e dos valores naturais em quatro barragens do Tejo onde se sabe que existem siluros, incluindo Fratel (entre os distritos de Castelo Branco e Portalegre) e Belver (distrito de Santarém).
Os investigadores vão calcular quanto valem os serviços de ecossistema prestados por essas quatro albufeiras e avaliar qual é a percepção das populações locais sobre os impactos do siluro nesses serviços. Dessa forma vai ser possível também melhorar a comunicação sobre este tema, adequando-a a cada público-alvo.
Por exemplo, no que respeita aos impactos, a predação do siluro sobre outros peixes típicos da gastronomia local, como a lampreia-marinha, o sável ou a fataça na telha (prato típico com tainhas em Santarém) leva a grandes perdas de dinheiro, acredita Filipe Ribeiro. “Isso é algo que precisa de ser quantificado. E para isso precisamos de saber, por exemplo, quanto sável come o siluro por ano”, exemplifica.
Outro impacto possível é a diminuição da procura de praias fluviais da região com efeitos negativos no turismo e no lazer, pois por vezes “vêem-se siluros junto às margens dos rios” e “as pessoas podem sentir-se incomodadas”, nota o mesmo responsável.
Ataques a pombos e emboscadas aos barbos
Entre várias características preocupantes deste peixe, está também a capacidade de aprendizagem que tem demonstrado. Por exemplo, alguns siluros do rio Tarn, em França, habituaram-se a caçar os pombos que ali deambulam junto à água, saltando rapidamente de surpresa, para os apanhar.
Já em Espanha, na zona do Tejo, estes peixes já foram observados a fazerem esperas nas bocas de rios, onde estes desaguam, à espera dos barbos que sobem esses cursos de água para desovar. O mesmo acontece no sudoeste de França, no rio Garonne, com peixes migradores como o sável, o salmão e a lampreia.
Em Portugal, a equipa de investigadores acredita que também os barbos possam estar a sofrer “emboscadas”. “Foi observado em siluros marcados, que seguimos por telemetria, que entre Abril e Maio se juntam nas bocas de ribeiras em Belver. Ou é para se reproduzirem ou juntam-se para caçar os barbos, o que é o mais provável.”
Do Tejo para o Douro
Ainda assim, para já não parece haver grande preocupação com este peixe, mas porquê? “É que os impactos maiores só se vão sentir dentro de algum tempo”, explica o investigador. “O siluro vai crescendo lentamente e vive muito tempo. E pouco a pouco, vai diminuindo as populações de outras espécies de peixe.”
Foi o que aconteceu já em Itália, por exemplo. Nalguns afluentes da bacia do rio Pó, no norte do país, onde foi introduzida nos anos 1950, nos primeiros anos em que foi monitorizada a espécie representava seis por cento das capturas; hoje, representa 70% e já levou à extinção local de duas espécies de peixe.
Em Portugal, se nada for feito, o caminho é o mesmo. Para já, na barragem de Belver, os números de siluro estão a crescer e representam agora 10% das capturas. Mais preocupantes são os dados da monitorização feita por pesca eléctrica, que apontam para a duplicação dos juvenis em pouco tempo: em 2020, em Belver, a equipa capturava um siluro em cada cinco minutos; em 2021 eram dois siluros no mesmo espaço de tempo.
Um pormenor importante é o número de ovos postos por cada fêmea. Sabe-se que fêmeas com cerca de um metro de comprimento põem mais de 200.000 ovos por ano. “E isto são fêmeas de pequeno tamanho; imagine-se quantos ovos põem as maiores.”
Entretanto, o problema está a estender-se para outras bacias hidrográficas. Se em 2020 havia suspeitas da presença de siluro no Douro, através de registos de ciência cidadã, hoje é um facto confirmado, na zona de Resende. “Vamos assistir ao que estamos a ver no Tejo, mas com uma diferença de oito a dez anos”, alerta Filipe Ribeiro.
Para travar o crescimento do problema em Portugal e Itália e recorrendo à experiência da República Checa, onde o siluro é nativo, o LIFE Predator vai investir 2,9 milhões de euros, incluindo 346.000 euros atribuídos à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. O projecto conta com outros cinco financiadores, incluindo a Câmara Municipal de Vila Velha de Ródão e a empresa Conserveira do Interior. A coordenação vai ficar a cargo do Istituto di Ricerca Sulle Acque, de Itália.
Saiba mais.
Fique a saber mais sobre o siluro neste artigo da série Espécies Aquáticas Invasoras, publicada desde 2020 na Wilder em parceria com o projecto LIFE Invasaqua.