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Sete crias de abutre-preto marcadas com emissores no Tejo Internacional

04.08.2020

O projecto internacional que está a estudar os movimentos dos juvenis de abutre-preto do Parque Natural do Tejo Internacional tem neste momento 11 aves com emissores GPS/GSM. A Wilder falou com Alfonso Godino, investigador ligado à equipa.

 

Foi na última sexta-feira que a equipa marcou com emissores GPS/GSM as últimas duas crias de abutre-preto da campanha deste ano, de um total de sete crias marcadas nas últimas semanas, todas ainda nos ninhos. O objectivo é ajudar a conhecer melhor as aves da maior colónia desta espécie em Portugal.

Em causa está um projecto coordenado pelo Hawk Mountain Sanctuary (EUA) e que conta com o apoio da eléctrica Endesa, do Departamento de Toxicologia de Universidade de Murcia (Espanha), do Instituto de Conservação da Natureza e das Forestas (ICNF), através do Parque Natural do Tejo Internacional (PNIT). E ainda da empresa Anitra, que forneceu alguns dos emissores para aves.

Desde 2018 que os movimentos de juvenis são seguidos por GPS. Contando com as crias marcadas em 2020, são agora 11 as aves que vão ser seguidas ao longe pela equipa, explicou à Wilder Alfonso Godino, investigador associado do Hawk Mountain Sanctuary.

Dentro dos 26.484 hectares do PNTI, que se espalha pelos concelhos de Castelo Branco, Idanha-a-Nova e Vila Velha de Ródão, todos os ninhos de abutre-preto são feitos sobre azinheiras. E apesar de não serem das árvores mais altas, chegar às crias não é um trabalho fácil.

 

Marcação de uma cria com emissor GPS, depois de recolhida do ninho. Foto: P.J. Jímenez

 

Primeiro, ao longo de vários meses, os casais reprodutores foram vigiados por técnicos e vigilantes de natureza do PNTI, com autorização dos donos das herdades. Depois, para recolher as aves para serem marcadas e analisadas, e a seguir devolvê-las aos ninhos, foi necessário recorrer a equipamentos e técnicas de escalada.

“Se bem que os ninhos de abutre-preto do PNTI não são excessivamente altos, pois medem entre três a sete metros, às vezes a instalação dos ninhos nestas árvores menores dificulta um bocado o acesso”, descreveu Alfonso, responsável pelas marcações. “Os ramos são mais finos e frágeis e a atenção para não partirmos os ramos onde apoiamos os pés ou onde se apoia o ninho deve ser levada ao extremo.”

 

Uma cria de abutre-preto no ninho, já com emissor. Foto: P.J. Jiménez

 

Hoje, o Tejo Internacional é um dos três núcleos reprodutores da maior ave de rapina da Europa em Portugal, juntamente com o Baixo Alentejo e o Douro Internacional, mas durante 40 anos não nasceram crias de abutre-preto no país, desde a década de 70.

Só no final de Julho de 2010 é que se registaram duas crias, ambas no Tejo Internacional, e desde então o regresso desta espécie Criticamente em Perigo tem sido acompanhado e incentivado por várias instituições. Em 2018, nidificaram 24 casais em Portugal e sobreviveram 10 crias.

 

Até onde voam os juvenis?

“Podemos dizer que as crias de abutre-preto do PNTI permanecem muito ligadas aos seus progenitores e ao Tejo Internacional, tanto do lado português como espanhol, durante o Outono e Inverno do seu primeiro ano de vida”, disse Alfonso Godino à Wilder, referindo que estes são resultados ainda preliminares, obtidos a partir dos dados de GPS desde 2018.

Costuma ser em Março que os jovens abutres-pretos “iniciam um comportamento dispersivo onde a larga maioria deles sai da colónia, nomeadamente em direção a norte”, indicou este responsável. “Alguns têm percorrido o norte de Espanha, desde a Galiza até os Pirinéus; outros têm descido até ao sul da colónia, chegando ao limite das regiões espanholas da Extremadura e Andaluzia, assim como algumas zonas do Alentejo, mas sempre colado à fronteira espanhola.”

 

Área percorrida pelos abutres-pretos do Parque Natural do Tejo Internacional

 

Chegado o Verão ou Outono, os juvenis regressam à colónia e à sua área de influência. Aqui vão permanecer, principalmente na bacia do Tejo, tanto do lado português como espanhol. Têm predilecção pela Serra de San Pedro, “onde há várias centenas de casais de abutre-preto a nidificar”, mas “também visitam com relativa assiduidade a zona de São Mamede ao norte de Portalegre, onde à partida parece que a disponibilidade trófica é também um atractivo para as crias de abutre-preto do Tejo Internacional”.

Mas estes movimentos de dispersão não acontecem sem acidentes. Graças aos emissores GPS, a equipa já registou por exemplo uma colisão com linhas eléctricas – “neste caso o abutre sobreviveu mas ficou com lesões que impossibilitam em grande parte a sua libertação” – e também uma colisão não identificada, em Espanha, em que a ave acabou por morrer.

 

Este é um dos momentos “mais críticos” para as aves 

É agora que os abutres-pretos estão a atravessar “um dos momentos mais importantes e críticos”, descreve Alfonso Godino. Entre os casais que tiveram sucesso na reprodução, as crias “já estão muito crescidas e quase prontas para abandonar o ninho.”

A larga maioria já pesa mais de seis quilos. Aguentaram nas últimas semanas temperaturas acima dos 40 graus à sombra, que nos ninhos devem traduzir-se em 50 graus, “durante muitas horas sem a protecção e a sombra dos adultos”.

 

Paisagem do Parque Natural do Tejo Internacional. Foto: A. Godino

 

O calor aliás faz com que algumas saltem dos ninhos sem terem desenvolvido completamente a plumagem, o que as coloca em perigo, nota Alfonso Godino. “As encostas onde estão os ninhos têm um mato muito denso e os pais não conseguem localizá-los para lhes fornecerem comida.”

Para os adultos este período também é “complicado”. Têm de fornecer sombra às pequenas aves que permanecem nos ninhos e procurar alimento para estas e para eles próprios, percorrendo para isso grandes áreas da bacia do Tejo Internacional.

E nem sempre tudo corre bem. Este ano, uma cria com sintomas de desnutrição, com uma ferida na cavidade bucal, teve de ser resgatada do ninho e entregue aos cuidados do CERAS-Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens, em Castelo Branco.

 

Cria de abutre-preto transferida para o CERAS. Foto: O. Urbano

 

Entretanto, o trabalho dos adultos está prestes a ficar mais leve. Em Agosto, as crias “começam a abandonar os ninhos e a seguir os seus progenitores na procura de alimento até ao início do período de dispersão juvenil”, quando irão explorar outros territórios.

Nestes últimos anos, a larga maioria dos casais têm chegado ao final do período no ninho com as pequenas aves ainda vivas, apesar das altas temperaturas e da necessidade de encontrar alimento. Estes abutres sofrem ainda outras ameaças, como os envenenamentos e a contaminação por produtos tóxicos – problema que está a ser investigado no âmbito deste projecto. Essa capacidade de sobrevivência “é só mais uma prova da espectacular adaptação destas magnífica aves a um ambiente nada fácil”, sublinha o investigador associado do Hawk Mountain Sanctuary.

Alfonso Godino acredita que o regresso da espécie a Portugal e a tendência positiva das populações na última década “levam a pensar que algumas coisas estão a mudar e que pouco a pouco estamos a recuperar o nosso património natural”. “Mas não podemos baixar a guarda perante algumas ameaças que ainda estão a afectar negativamente as populações de abutre-preto”, alerta.

Além deste projecto internacional, os abutres-pretos do PNTI são alvo de outras acções de conservação no âmbito do Projeto de Restauro e Prevenção Estrutural desta área protegida. Em causa estão acções como a instalação de plataformas artificiais para suporte de ninhos e a instalação e reabilitação de campos de alimentação para aves necrófagas.

 

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Fique a conhecer algumas dicas que o vão ajudar a observar abutres-pretos. Leia tudo aqui.

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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