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Abetarda macho. Foto: Luís Venâncio

Revista Science: Investigadores portugueses apelam a acção imediata para travar declínio de aves agrícolas

17.01.2024

Quatro investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO) da Universidade do Porto, publicaram uma carta na revista Science onde alertam para o preocupante declínio das aves agrícolas em Portugal e apelam para a reformulação de medidas agroambientais.

Há vários anos que cientistas e organizações não governamentais de Ambiente (ONGA) têm alertado para o declínio acentuado de espécies de aves associadas a meios agrícolas em Portugal. A abetarda (Otis tarda), o sisão (Tetrax tetrax) e o tartaranhão-caçador (Circus pygargus) – três espécies classificadas como prioritárias para a conservação pela Diretiva Aves da União Europeia – declinaram entre 50 a 80% nos últimos 10 anos e cerca de um terço de aves agrícolas comuns também estão em declínio.

Abetarda macho. Foto: Luís Venâncio

“Nos últimos oito anos estivemos envolvidos na coordenação de censos nacionais de espécies prioritárias e verificámos declínios maiores do que estimado anteriormente!”, alertou, em comunicado, João Paulo Silva primeiro autor desta carta. 

A carta publicada agora na revista Science alerta para o facto de a redução das populações destas aves se prender sobretudo com uma conversão para cultivos permanentes (como olivais e amendoais) decorrentes da expansão dos perímetros de rega e ao aumento quase exponencial da produção de gado, principalmente bovina, dependentes de pastagens permanentes e de culturas forrageiras. 

Pode-se dizer que a transição começou em 2003 quando Portugal parou de subsidiar a produção de cereal, mantendo, no entanto, os subsídios para a produção pecuária, aquando a Reforma da Política Agrícola Comum. 

“Para além de perdas diretas de habitat aberto das quais muitas destas espécies dependem, esta mudança resultou no abandono da prática do cultivo extensivo e rotativo de cereais, uma matriz de habitats composta por cereais, leguminosas e pousios”, explicou a investigadora Ana Teresa Marques. “Esta redução da diversidade de habitats tem reduzido a disponibilidade de vegetação com estrutura adequada para reprodução e refúgio contra predadores e, possivelmente, limitado o alimento (sobretudo plantas e invertebrados) de muitas aves.”

O investigador João Gameiro destacou que, “além disso, para satisfazer os requisitos alimentares de um gado cada vez mais numeroso, tem ocorrido uma expansão de parcelas destinadas a fenos ou forragens, que são cortadas muito mais cedo que as searas para grão, resultando na destruição de ninhos, e até na morte de crias e aves adultas”.

Sisão macho. Foto: Luís Venâncio

As medidas agroambientais, de cariz voluntário, criadas para promover o habitat de aves agrícolas não conseguem competir financeiramente com as práticas agrícolas atuais e têm tido pouca adesão por parte dos agricultores.

“O Estado Português está em incumprimento com a Diretiva Aves da União Europeia, ao não ser capaz de suster um estado de conservação favorável das espécies prioritárias como a abetarda, o sisão ou o tartaranhão-caçador” lembrou Francesco Valério, outro dos autores desta carta. 

Os investigadores apelam a uma reformulação das medidas agroambientais para torná-las atrativas para os agricultores, algo que só pode ser alcançado através de uma colaboração próxima entre o Ministério do Ambiente, o Ministério da Agricultura, e os agricultores.

João Paulo Silva refere que “estas novas medidas devem ser sujeitas a uma monitorização e avaliação regulares, ao contrário do que foi feito até agora, para determinar o impacto, a adesão dos agricultores, e possibilitar ajustes imediatos.

“Apenas um esforço conjunto por parte das entidades responsáveis pela agricultura e conservação pode contribuir para reverter o declínio vertiginoso das aves agrícolas em Portugal.”

A 4 de Fevereiro de 2023 foi criado o Grupo de Investigação em Aves Estepárias (GIAE), que reúne (quase) todos os cientistas ibéricos que trabalham com aves estepárias. A iniciativa pretende ajudar estas aves. De momento fazem parte deste Grupo oito portugueses, investigadores do BIOPOLIS-CIBIO (Universidade do Porto) e do MED – Mediterranean Institute for Agriculture, Environment and Development (Universidade de Évora). Grande parte integra o grupo Steppe Birds Move, do BIOPOLIS-CIBIO, que se tem dedicado à investigação das aves estepárias.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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