Abetarda (Otis tarda). Foto: Andrej Chudý/Wikimedia Commons

(Quase) todos os cientistas ibéricos que trabalham com aves estepárias juntam-se para ajudar estes animais

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A situação assim o exige. Mais de 50 investigadores que trabalham com aves estepárias na Península Ibérica decidiram criar um novo grupo de investigação para acelerar a protecção a estas aves cada vez mais ameaçadas.

Nos vastos campos onde se cultivam cereais vive um grupo de aves muito especial, as aves estepárias. Fazem parte desta “família” de 39 espécies o sisão, a abetarda, a codorniz, o alcaravão e o cortiçol-de-barriga-preta.

Fêmea de abetarda, na região espanhola da Extremadura. Foto: Francesco Veronesi/Wiki Commons

Mas estas aves têm vindo a desaparecer, rápida e silenciosamente, tanto em Portugal como em Espanha.

Em Junho deste ano foi lançado o alerta para a alarmante situação em que se encontra o sisão (Tetrax tetrax), espécie que perdeu 80% da população nacional nos últimos 17 anos.

Perante a gravidade da situação, a 4 de Fevereiro deste ano foi criado o Grupo de Investigação em Aves Estepárias (GIAE), em Cabeza del Buey (Badajoz, Espanha), no seguimento de uma decisão tomada por portugueses e espanhóis no último Congresso Espanhol de Ornitologia, em Novembro de 2022 em Menorca.

Ao todo são mais de 50 investigadores e biólogos não (estritamente) académicos dedicados à conservação das espécies. De momento fazem parte deste Grupo oito portugueses, investigadores do BIOPOLIS-CIBIO (Universidade do Porto) e do MED – Mediterranean Institute for Agriculture, Environment and Development (Universidade de Évora). Grande parte integra o grupo Steppe Birds Move, do BIOPOLIS-CIBIO, que se tem dedicado à investigação das aves estepárias.

Tartaranhão-caçador. Foto: Carlos Pacheco

O grupo tem como objetivo reunir investigadores e a comunidade científica e, para já, diz não ambicionar alargar-se a órgãos do estado ou organizações não governamentais, apesar de procurar manter uma relação direta com estas. Para o futuro o grupo prevê incluir especialistas em aves estepárias de outros países além de Portugal e Espanha.

Em resposta à Wilder, os investigadores portugueses que integram o GIAE explicaram que o objectivo deste grupo é “coordenar e partilhar esforços de investigação” – criando um espaço de partilha de experiências, sinergias e colaborações -, “promover iniciativas que beneficiem a conservação destas aves em declínio” e “criar uma plataforma comum para alertarmos para o estado e problemática de conservação destas aves”.

Antes de mais, é preciso “preencher as lacunas de conhecimento sobre a ecologia e conservação das aves estepárias”. Estes investigadores querem saber mais sobre como respondem estas aves à instalação de energias renováveis, às alterações climáticas e ao efeito cumulativo de todas as ameaças.

Além disso, sublinham a importância de conhecer “todas as áreas onde estas espécies ainda ocorrem, pois essas áreas vão assumindo cada vez maior importância à medida que a distribuição das espécies é fragmentada e reduzida”.

“Os censos dirigidos especificamente a aves estepárias têm sido vários mas claramente insuficientes”, entendem os investigadores, que listam o que se tem feito a nível de monitorização. “O BIOPOLIS-CIBIO tem organizado os censos nacionais de sisão, que já teve três edições; está a terminar o censo nacional da Águia-caçadeira; regularmente também organiza o Censo de Aves Estepárias de Castro Verde (com duas edições)”. Além disso, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas(ICNF) e a Liga para a Protecção da Natureza (LPN) organizam anualmente o censo nacional de abetarda, mas os resultados não são publicados desde 2005.

Que aves e que ameaças

A primeira contribuição conjunta do grupo foi a definição de uma lista de espécies sobre as quais centrará a sua atividade. Esta lista inclui aves estepárias estritas (totalmente dependentes dos ecossistemas estepários) e não estritas (dependentes mas não totalmente).

Sisão (Tetrax tetrax). Foto: João Paulo Silva

São 14 as espécies estepárias estritas: alcaravão (Burhinus oedicnemus), calhandrinha-comum (Calandrella brachydactyla), calhandrinha-das-marismas (Calandrella rufescens), calhandra-de-dupont (Chersophilus duponti), tartaranhão-caçador (Circus pygargus), codorniz (Coturnix coturnix), cotovia-de-poupa (Galerida cristata), calhandra-real (Melanocorypha calandra), abetarda (Otis tarda), cortiçol-de-barriga-branca (Pterocles alchata), cortiçol-de-barriga-preta (Pterocles orientalis), sisão (Tetrax tetrax), Hubara-das-canárias (Chlamydotis undulata fuertaventurae) e corredor (Cursorius cursor).

Entre as estepárias não estritas estão, por exemplo, o peneireiro-das-torres (Falco naumanni), o tartaranhão-azulado (Circus cyaneus) e a perdiz (Alectoris rufa).

Uma das tarefas do Grupo é rever o estado de conservação deste grupo de aves estepárias. “Em Portugal destaca-se, desde logo, a situação criticamente preocupante do sisão, abetarda e águia-caçadeira, ameaçados pela armadilha ecológica do corte de fenos durante o período reprodutor ou do sobrepastoreio que impacta a estrutura da vegetação, principalmente em anos secos”, explicam os investigadores. “As três espécies dependem de vegetação relativamente alta para se reproduzirem, que é agora praticamente inexistente ou altamente conflituante com as alterações nas práticas agrícolas e mecanização correntes.” 

As ameaças que estas aves enfrentam são variadas. As mais preocupantes para estes investigadores são a intensificação agrícola, a instalação de energias renováveis e as alterações climáticas. “Mas certamente uma parte importante do problema passa pela falta de informação da opinião pública e de sensibilidade da administração, seja pelo lado da agricultura seja pelo lado do ambiente.” 

Dentro do GIAE já foram criados diferentes grupos de trabalho que lançaram diferentes atividades de investigação, partilha de informação, workshops metodológicos e iniciativas de divulgação de conhecimentos sobre aves estepárias. O Grupo tem também uma newsletter onde divulga os últimos artigos publicados, iniciativas em curso e projetos de conservação.

Estepe cerealífera. Foto: João Paulo Silva

Actualmente estão em curso vários estudos científicos dedicados às aves estepárias, como o uso e importância  de refúgios microclimáticos pelo sisão quando expostos a temperaturas elevadas, o uso e seleção de charcas por cortiçóis-de barriga-negra, a cartografia preditiva do sisão ao longo do ciclo anual, a seleção de habitat de áreas de nidificação de alcaravões e cortiçóis, a seleção invernal de alcaravões e a migração do alcaravão.

O Grupo prevê a realização de encontros técnicos anuais, onde investigadores mais jovens (de doutoramento e mestrado), assim como os diferentes grupos de investigação poderão mostrar o trabalho que estão a desenvolver e partilhar conhecimento.

O primeiro encontro do GIAE está previsto para Dezembro deste ano em Madrid.

Para 2024 está prevista a realização de um congresso internacional de aves estepárias, 20 anos depois do último congresso.


Saiba mais aqui sobre as aves estepárias.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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