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Qual a importância dos cidadãos naturalistas? Os cientistas respondem

Nos últimos anos, o número de naturalistas amadores tem vindo a crescer em Portugal. Dizem que qualquer pessoa pode identificar espécies, tornar-se especialista. Pode? E isso é importante para o país? A Wilder colocou estas questões a cientistas ligados a diferentes projectos e dá-lhe as respostas.

 

Uma das maiores forças da Ciência Cidadã é ter um exército de voluntários, dispersos pelos quatro cantos do país. Só nos primeiros sete meses deste ano, cerca de 1.500 portugueses registaram quase 700 espécies selvagens diferentes, em nove grandes projectos dedicados a conhecer a biodiversidade do país.

“Com a ajuda destes cidadãos, os cientistas acabam por ter muitos mais olhos na natureza, incluindo em sítios onde não estariam ou espécies a que não estavam atentos”, diz à Wilder Patrícia Tiago, da equipa que, em 2009, fundou a Biodiversity4All, a primeira base de dados da distribuição nacional de espécies. Nos últimos dois anos, esta plataforma tem recebido, em média, entre 3.000 e 4.000 registos por mês.

E as vantagens não tardam em aparecer. Em 2016 os cidadãos ajudaram a descobrir duas espécies de libélulas que ainda não tinham sido registadas na cidade de Lisboa, lembrou a responsável.

Para Antonina dos Santos, responsável pelo projecto GelAVista no Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), o trabalho destas pessoas “tem grande valor científico”. “A informação recolhida pelos observadores possibilita a recolha de dados para além das amostragens normais, feitas pelos investigadores.”

Além de permitir mapear uma área maior, os cidadãos ajudam a manter séries temporais mais longas. “A experiência passada de observadores que frequentam as mesmas áreas costeiras é também importante para perceber as alterações a que as espécies marinhas poderão estar expostas”, acrescentou Antonina dos Santos.

Hélia Marchante, uma das responsáveis pelo mapeamento das espécies exóticas invasoras de Portugal no projecto Invasoras.pt, fala com entusiasmo da Ciência Cidadã. “Têm dado uma ajuda fantástica à nossa plataforma”, que hoje tem 12.500 registos de Norte a Sul. “Superou mesmo as nossas expectativas iniciais”, contou à Wilder. “Quando começámos este projecto muitos disseram-nos que seria impossível conseguir esta ajuda. O tema é difícil. Este é um grupinho de plantas que as pessoas normalmente não identificam, que têm uma menor afinidade e onde o desconhecimento é muito grande. Mas quatro anos depois, temos os nossos naturalistas fiéis e estamos no bom caminho.”

 

Os projectos em Portugal que contam com cidadãos naturalistas

Os portugueses têm contribuído com dados de avistamentos de organismos gelatinosos para diferentes pontos da costa, tanto dados de mar (provenientes de mergulho, por exemplo) como arrojamentos em terra, explicou Antonina dos Santos, do GelAVista. “Têm relatado também avistamentos nulos (ausência) de organismos gelatinosos. Estes permitem perceber que o desaparecimento de uma espécie estará relacionado com a variabilidade das populações e não com a falta de dados para o local.”

Também o papel dos observadores frequentes, que enviam informação diária, semanal e mensal para o projecto é importante, pois “permite ter uma monitorização fiável das espécies.”

Além disso, “a participação dos cidadãos revela-se essencial no sentido de alertar a população para a ocorrência destes organismos em águas portuguesas.”

Já Patrícia Tiago destaca que, graças à colaboração dos cidadãos, têm tido “registos e observações de espécies em locais para onde não estavam ainda dadas”, na plataforma BioDiversity4All. Além do mais, o projecto no qual está envolvida “só faz sentido com a participação dos cidadãos naturalistas”. “Apesar de termos dados também de cientistas, o objectivo é precisamente pôr outras pessoas a registar”, diz.

Esta é também uma forma de atrair as pessoas para as maravilhas do mundo natural. “É mais fácil envolvê-las com a conservação quando estão emocionadas. Sentem-se ligadas às coisas e acabam por ter mais cuidado e defender mais as espécies.”

Ainda assim, ressalva, há aspectos a melhorar. “Temos muitos dados de presença de espécies, mas não relativos à ausência de espécies, o que se torna um problema para a utilização dessas informações pelos cientistas.”

 

Melhorar competências naturalistas é um processo lento

Hoje em dia, os cidadãos que participam em acções de ciência cidadã têm mais conhecimentos sobre o mundo natural? Patrícia Tiago acredita que “há mais pessoas com mais informação”. “Mas para ser sincera, acho que é um processo muito difícil e muito lento”.

“Havia uma tradição muito baixa de naturalistas em Portugal, que tem vindo a crescer, especialmente na área das aves e também na botânica.” No entanto, “às vezes sentimos que estamos a pregar para convertidos.”

Um exemplo? “Neste tipo de processos participativos, por norma temos um pequeno grupo de 10 pessoas que fazem 50% de todos os registos na base de dados”, refere Patrícia Tiago, com base num trabalho de investigação que está a desenvolver, sobre a ciência cidadã em Portugal.

Ainda assim mostra-se optimista e lembra que muitas pessoas começam por se interessar por áreas mais conhecidas, como as aves, e ao longo do tempo começam a ganhar interesse por outras áreas da biodiversidade.

Hélia Marchante explica que o mais fácil é “chegar aos convertidos, que já têm maior sensibilidade e que mais facilmente aderem à causa”. E depois “há pessoas que começam por acaso, sem saberem quase nada sobre estas espécies e que hoje já acertam na identificação de quase todas!” “Hoje há muito mais pessoas a aderir ao registo de espécies. Estamos no bom caminho”.

Já Antonina dos Santos sublinha que “muitos dos observadores no GelAvista têm já alguma facilidade em identificar as espécies que avistam e mostram um bom conhecimento do meio marinho visível, por exemplo, na linguagem científica que utilizam”.

“Pensamos que este conhecimento e disponibilidade da população em geral terá a ver com a introdução e divulgação de temas científicos nos meios de comunicação generalistas e das iniciativas das entidades financiadoras de projectos científicos (por exemplo financiamentos H2020, FCT, etc.), que cada vez mais exigem a necessidade de publicitação das nossas actividades científicas para o grande público.”

O que é certo é que hoje em dia, a maioria das pessoas que fazem registo de espécies estão de alguma forma ligadas ao Ambiente, quer por formação ou devoção. Por exemplo, no Invasoras.pt “há pessoas da área do Ambiente, da área florestal e sócios de organizações de conservação da natureza”.

Patrícia Garcia-Pereira, bióloga coordenadora da rede Estações da Biodiversidade (Ebio), conta que hoje “há claramente um aumento no número de pessoas interessadas em conhecer melhor a biodiversidade.”

As Estações da Biodiversidade são percursos curtos, acessíveis, marcados com painéis de informação sobre plantas e insectos comuns para funcionarem como um guia de campo disponível para os visitantes no terreno. “O grande objetivo da rede, que já tem mais de 40 locais, é promover a participação de voluntários no registo da biodiversidade através de fotografia, contribuindo de forma ativa para o inventário e monitorização de cada local.”

Ainda assim, e de uma forma geral, o conhecimento que os portugueses têm dos insectos e das plantas é, para esta bióloga, “muito, muito fraco!”. Os portugueses não têm conhecimento da diversidade de insetos e plantas do país. Em relação à flora, a situação é um pouco melhor que para os insetos, especialmente desde o aparecimento do maravilhoso site Flora-on, que é uma ajuda essencial para a identificação das espécies”.

Quanto aos insetos, acrescenta, “a ignorância é generalizada. Muito contribui o facto dos insetos não serem tratados convenientemente em nenhum grau de ensino, desde a escola primária até ao ensino universitário. A informação disponível para os interessados é também ainda insuficiente. Estamos a trabalhar para o lançamento no novo site ebio.pt de uma galeria de insetos em que, pelo menos as espécies registadas na rede, tenham a informação que possibilite a qualquer interessado a sua identificação e conhecer um pouco da biologia e ecologia.

Mas, numa nota mais positiva, Patrícia Garcia-Pereira recorda as “pessoas com as mais diversas profissões que registam a diversidade na sua área de residência através de fotografia e que, pouco a pouco, vão procurando informações, trocando fotografias e experiências, tornando-se em pouco tempo naturalistas com um bom nível de conhecimento. Tem sido gratificante verificar que realmente a história natural é para todos. Qualquer pessoa pode identificar espécies, tornar-se especialista, desde que se proponha a realizar essa tarefa.”

 

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