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Portugal tem uma população de javalis “sobreabundante” que deverá aumentar

30.05.2023
Javali. Foto: Valentin Panzirsch/WikiCommons

O javali, mamífero silvestre que ajuda a manter as florestas, tem-se tornado “sobreabundante”, chegando hoje aos cerca de 300.000 animais em Portugal. O Plano Estratégico e de Ação, apresentado esta manhã, defende uma redução deste número.

Estima-se que existam, em média, 277.385 javalis (Sus scrofa) em Portugal.

Este valor pode variar entre os 163.157 e os 391.612 animais, revela o Plano Estratégico e de Acção do Javali em Portugal, feito por uma equipa da Unidade de Vida Selvagem do Departamento de Biologia & CESAM da Universidade de Aveiro.

“O território nacional continental apresenta uma população de javali sobreabundante”, afirmam os autores do relatório final do Plano Estratégico e de Acção, apresentado esta manhã em Évora, na sede da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo (CCDR-Alentejo).

Assim, Portugal surge em linha com o que está a acontecer na Europa, onde a abundância e distribuição do javali tem vindo a crescer.

Entre Setembro de 2020 e Dezembro de 2022, uma equipa de biólogos teve em mãos conhecer melhor este mamífero silvestre, ultimamente mais conhecido pelos estragos em zonas agrícolas e florestais e por acidentes rodoviários do que pelo seu papel enquanto dispersor de sementes e “jardineiro” de florestas.

Cerca de 400 câmaras de foto-armadilhagem instaladas em 21 zonas de caça e no Parque Natural da Arrábida, colocação de colares GPS em javalis e análise de animais caçados em montarias foram algumas das formas de estudar a população destes mamíferos de Portugal.

A equipa de biólogos acompanhou 14 montarias para ficar a saber mais sobre o estado biológico da população nacional de javalis. Esteve, por exemplo, em montarias feitas em Vila Nova de Milfontes, Penacova, Castro Laboreiro, Miranda do Corvo, Alcoutim ou São Brás de Alportel. Concluiu que o peso médio de um javali adulto é de 59 quilos e que o seu comprimento é de 119 centímetros.

Além disso, os peritos colocaram vários colares GPS em javalis capturados em três zonas com paisagens diferentes: Serra da Lousã, Montemor-o-Novo e Parque Natural da Arrábida. “O uso de colares GPS é uma oportunidade única para obter informação científica fundamental sobre a selecção de habitat do javali e sobre a sua dinâmica populacional, que é praticamente desconhecida em Portugal”, explicam os autores do relatório.

Na Serra da Lousã, no Verão de 2021, foram colocados seis colares GPS mas apenas dois deles estavam activos no final do período de recolha de dados, Novembro de 2022. Os animais tendem a preferir áreas florestadas, que lhes dão alimento, refúgio e abrigo, e procuram zonas agrícolas e agro-florestais durante a noite e madrugada.

Em Montemor-o-Novo foram colocados três colares, estando apenas um deles activo no final. Usavam de forma muito intensa o carvalhal e o montado, relacionado com a elevada disponibilidade de bolotas entre Setembro e Novembro, fonte de alimento bastante rica e usada pelo javali. Na Primavera e Verão, o javali alimenta-se mais de gramíneas, leguminosas, tubérculos e invertebrados.

No Parque Natural da Arrábida, área com registo de incursões frequentes de javali em espaços humanizados, foram colocados GPS em dois javalis, ambos estão activos (fêmeas). Ali usam mais os matos. Estes animais usam praias, dunas, minas, pedreiras, lixeiras e tecido urbano entre as 21h00 e as 03h00, quando a perturbação humana é menor.

Outros dados que saem deste trabalho relacionam-se com os acidentes rodoviários. Entre 2019 e 2020 foram registados 1.093 acidentes rodoviários envolvendo o javali. O pico de incidências aconteceu em Outubro, Novembro e Dezembro – meses em que o período nocturno é maior (o javali é um animal de hábitos nocturnos). Viseu, Évora, Santarém, Setúbal e Vila Real foram os distritos com maior número de acidentes.

E agora?

Segundo os investigadores responsáveis por este documento, promovido pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), “o aumento da população de javalis é expectável”. 

“Sabemos, e reconhecemos, que este aumento da abundância populacional e distribuição da espécie não é inteiramente prejudicial. No entanto, também sabemos e reconhecemos que são vários os relatos, científicos e sociais, que reportam um impacto negativo do javali nas propriedades do ecossistema e na conservação de valores naturais bem como nas atividades socioeconómicas das populações que habitam as áreas rurais e periurbanas”, escrevem os investigadores. 

Os peritos sublinham que “as populações de javali estão a aumentar, tanto em número como em distribuição, sendo que o uso de áreas peri-urbanas e urbanas é cada vez mais uma realidade”. “Com esta expansão, e sem a implementação de medidas de mitigação talhadas para casos específicos, é expectável que os impactos negativos que esta espécie provoca também possam aumentar, nomeadamente os estragos nas culturas agrícolas e acidentes rodoviários.”

O objectivo deste estudo foi lançar as bases para uma “gestão correta e adaptativa do javali, não esquecendo nem negligenciando o seu importante papel ecológico enquanto presa e espécie-chave na dinâmica dos ecossistemas terrestres”. 

A solução, acreditam, passa pela colaboração entre caçadores, conservacionistas e investigadores. 

Actualmente, a caça é o processo “mais eficaz e disseminado” para controlar as populações de javali. No entanto, salientam, “as atividades cinegéticas tradicionais não são suficientes para controlar o aumento da população de javali”. 

“Os dados recolhidos no âmbito do presente relatório demonstram que a taxa de extração se cifra aproximadamente nos 10%, sendo esta taxa variável a nível nacional (6,7% – 16,2%).” 

João Paulo Catarino, secretário de Estado da Conservação da Natureza e Florestas que falava aos jornalistas à margem da apresentação do plano, disse que o Governo vai “propor o alargamento dos períodos de caça ao javali”, com o objetivo de “reduzir substancialmente o efetivo”, noticiou a Agência Lusa. “Precisamos aumentar o esforço de extração.”

“Para já, estamos a equacionar mesmo aumentar os períodos de caça ao javali praticamente para todo o ano”, adiantou.

Os investigadores sugerem, além das alterações à caça – “que continua a ser a medida mais eficiente, difundidas e facilmente aplicável para controlar as populações de javalis” -, a necessidade de “sensibilizar o público sobre a necessidade de controlo da população de javalis e testar novos métodos, como controlo de fertilidade em áreas onde a caça não é viável, como áreas urbanas”. E ainda a colocação de cercas ou vedações, dispositivos luminosos e sonoros dissuasores, passagens subterrâneas e superiores e repelentes olfativos, entre outros métodos.

Sublinham também a importância da redução do acesso a fontes alimentares de origem antrópica, como o lixo de origem humana. 

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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