Gonçalo Carvalho, da Sciaena, explicou à Wilder o que significa a proibição do arrasto e de outras pescas de contacto com o fundo marinho em 87 zonas identificadas pela Comissão Europeia nos mares de Portugal, Espanha, França e Irlanda.
O coordenador executivo da Sciaena, uma ONG que tem como objectivo promover a melhoria do ambiente marinho, considera que as novas medidas anunciadas em Setembro por Bruxelas são “um passo importante” do ponto de vista ambiental, mas também para “dar sustentabilidade” às pescas.
As 87 áreas agora delimitadas baseiam-se no regulamento europeu da pesca de profundidade aprovado há seis anos. “Para além de proibir a pesca de arrasto abaixo dos 800 metros, este regulamento exige a protecção de ecossistemas sensíveis e ricos em biodiversidade (recifes de coral de água fria, colónias de esponjas de profundidade, montes submarinos, entre outros) da pesca com artes que entram em contacto com o fundo marinho entre os 400 e os 800 metros”, explicou um comunicado divulgado pela Sciaena.
Entre as artes de pesca mais prejudiciais abrangidas pela nova legislação está o arrasto de fundo, no qual se utilizam redes que apanham inúmeras espécies, incluindo muitas sem interesse comercial para os pescadores.
As zonas agora delimitadas representam mais de 16.000 quilómetros quadrados de fundos marinhos nos mares de Portugal, Espanha, França e Irlanda. Em relação ao total das águas da União Europeia acima dos 800 metros de profundidade, ainda assim, representam apenas dois por cento.
Zonas de maternidade
“Trata-se de uma área relativamente pequena, tendo em conta o resto do mar que fica disponível para a pesca”, especificou Gonçalo Carvalho, contactado pela Wilder, sublinhando que se delimitaram “algumas zonas que bem protegidas vão servir de zonas de maternidade, onde as espécies podem crescer.”
O coordenador da Sciena deu o exemplo das zonas a norte da Irlanda, que “são muito importantes para o peixe-espada-preto que ali se reproduz, migrando depois para sul, onde é pescado”. Para além do peixe-espada-preto, as novas medidas poderão ajudar também no crescimento de outras espécies comerciais importantes para os pescadores: cherne, cantaril ou boca-negra, goraz, abrótea-do-alto, tamboril, lagostim carabineiro e camarão-vermelho, exemplificou.
Por outro lado, estas áreas vão abrigar espécies que são vítimas acessórias deste tipo de pesca, como acontece com vários tubarões de profundidade, peixes-lanterna, diversos polvos e lulas. E ainda corais e esponjas “que demoraram centenas de anos a desenvolver-se” e que “são muito importantes no ciclo do carbono”.
“Se nada for feito, corremos o risco de esgotar os ‘stocks’ de peixes de profundidade em poucas dezenas de anos”, alertou o activista, que sublinha a urgência de Portugal investir mais no conhecimento do mar profundo e das espécies que nele habitam.
Portugal com menos áreas
Gonçalo Carvalho explicou também que para já é difícil saber-se com exactidão a área relativa a cada país, mas o caso português será aquele que tem o menor número de áreas incluídas nestas 87.
Analisando um mapa desenhado a partir das coordenadas publicadas por Bruxelas, é possível perceber que a maior parte das áreas de protecção recém-criadas nas águas nacionais se situam a sul do Algarve. E que também o Banco Gorringe, que fica a 120 milhas náuticas (cerca de 220 quilómetros) da costa, a oeste-sudoeste do Cabo de São Vicente, está abrangido. Esta área com 200 quilómetros de comprimento e 80 de largura foi classificada, em 2015, como a primeira área marinha protegida em Portugal.
“É um passo importante de que já estávamos à espera há seis anos”, nota o mesmo responsável, que adianta que as áreas delimitadas pela Comissão Europeia poderão ser revistas todos os anos.
Como foram definidas as 87 zonas?
A delimitação resultou do cruzamento de dois tipos de dados. Primeiro, os cientistas do ICES – Conselho Internacional para a Exploração do Mar – uma organização intergovernamental dedicada ao conhecimento científico dos ecossistemas marinhos – identificaram as áreas com alta probabilidade de albergarem ecossistemas vulneráveis.
Essa informação foi depois cruzada com os locais onde tinha havido pesca durante os últimos anos, que ficaram de fora das novas medidas – até porque se aí existirem ecossistemas vulneráveis já estarão bastante afectados. A proposta final foi aprovada por um comité de peritos dos 27 Estados-membros, numa votação em que Portugal se absteve.
Gonçalo Carvalho reconhece que em resposta tem havido “uma grande contestação da frota do arrasto”, mas “o enfoque é na importância desses sítios para tornar a pesca mais sustentável”. E nota que “existem várias zonas que os próprios pescadores, ao longo dos últimos anos, perceberam que era importante proteger”.
Aliás, as associações de pesca ligadas às regiões ultraperiféricas europeias, que incluem Açores, Madeira e Canárias, pediram que o ICES estude e identifique os ecossistemas marinhos vulneráveis também nas suas águas. “Nesses arquipélagos, esta pesca tem uma grande relevância”, afirma.
Proibição mais efectiva do que nas áreas marinhas protegidas
Uma das consequências da nova legislação é que haverá uma “proibição efectiva de se fazerem pescas mais destrutivas”, mesmo nas partes onde já existiam áreas marinhas protegidas. Isto porque muitas dessas áreas continuam até hoje a permitir vários tipos de pesca, incluindo o arrasto.
E quanto à fiscalização? “Estamos relativamente optimistas”, responde o coordenador executivo da Sciaena, que acredita que as medidas nesse campo são “relativamente simples”.
É que as zonas em causa estão já a alguma distância da costa portuguesa, a mais de 20 ou 30 quilómetros, o que faz com que as embarcações que aí chegam sejam poucas e estejam obrigadas a utilizar sinalização por satélite. “Não será difícil fiscalizar. E a presença de uma embarcação vai dar nas vistas.”