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Pinguim-do-Cabo: No trilho do Dodó?

25.04.2021
Foto: Luís Custódia

O Pinguim, essa magnifica criatura que delicia os humanos pelo seu aspeto cómico e gracioso, exibido especialmente quando deixam o seu meio e deslocam-se em terra ou quando “voam” e nadam debaixo de água.

Há espécies que habitam os gelos da Antártida, sob as condições mais adversas para um ser vivo. Outras, na busca de alimento podem deslocar-se em mar aberto centenas de quilómetros, ou mergulhar até aos 500 metros de profundidade com apneias de mais de 20 minutos, cabendo esta última proeza ao maior de todos eles, o pinguim-imperador. Quase todas as espécies vivem nas zonas costeiras dos mares do Sul. 

Contudo, apesar de todas estas maravilhas da adaptação ao meio marinho, como um produto de mais de 60 milhões de anos de evolução, esta pequena e simpática família de aves, depara-se agora com a imagem ameaçadora do fantasma da extinção devido às atividades dos seres humanos. É por isso que hoje se comemora o seu dia, o 25 de abril, o Dia Mundial do Pinguim.

A família dos pinguins é composta por 18 espécies, das quais 10 foram elencadas como ameaçadas de extinção, nas categorias de Vulnerável e Em Perigo, da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza

As ameaças sobre este grupo de aves são múltiplas, incluindo a destruição do habitat, alterações climáticas, poluição e doenças. Entretanto, surgiu outra terrível ameaça: a pesca excessiva (‘overfishing’, em inglês).

Aqui fica um pouco da história do declínio, às nossas mãos, de uma das espécies de pinguins atualmente mais ameaçadas da extinção: o pinguim-do-Cabo Spheniscus demersus, que se encontra “Em Perigo”.

Baía de Betty, na Reserva da Biosfera de Kogelberg, na região da Cidade do Cabo, África do Sul. Foto: Luís Custódia

O pinguim-do-Cabo vive ao longo das costas do Sul de África, ocupando principalmente as águas da África do Sul e da Namíbia, num dos ecossistemas marinhos mais ricos do planeta, devido à abundância de nutrientes trazidos (‘upwelling’, em inglês) pela corrente de Benguela, proveniente das águas frias do Antártico. 

Outrora houve milhões destas criaturas nesse canto de África. Contudo, ao longo do século XIX os empreendedores dessa época olharam para os ovos do pinguim-do-Cabo como como algo a rentabilizar. Nasceu assim a exploração comercial dos ovos desta espécie, que eram fornecidos por uma fonte que parecia inesgotável. O mesmo se passou com o guano, que proporcionava um excelente fertilizante. Conhecido à época como o “ouro branco”, o guano foi explorado intensivamente, fertilizando campos agrícolas na América e na Europa.

Pinguim-do-Cabo (Spheniscus demersus). Foto: Luís Custódia

O guano constituía o substrato das ilhas onde os pinguins nidificavam em abrigos, protegendo os ovos e as crias da predação e do sol escaldante. Era composto essencialmente por excrementos das próprias aves que se foram acumulando em depósitos solidificados ao longo de milhares de anos, devido à intensa atividade colonial desta espécie. 

Ao longo de décadas de exploração comercial, o guano foi praticamente todo removido das colónias das ilhas do Sul de África, sem qualquer controlo, destruindo-se o habitat adequado para a nidificação dos pinguins-do-Cabo. Esta dádiva, fruto do chamado ecossistema de Benguela, que demorou milhares de anos a formar-se, desapareceu assim em poucas décadas. Nos mesmos moldes continuava a exploração dos ovos. Estima-se que entre 1900 e 1930 foram pilhados 13 milhões de ovos das colónias das ilhas do Sul de África. 

Estas práticas extrativas permaneceram descontroladas até à década de 1960, quando foram banidas de vez. Entretanto, a população de pinguins-do-Cabo já contava apenas com 300.000 aves reprodutoras. 

Alimentar as galinhas

Contudo outro perigo já estava à espreita, mas desta vez proveniente do meio marinho: a escassez de alimento devido a outra atividade antropogénica, a pesca excessiva. Agora estava a ser retirado o alimento aos pinguins, não para alimentar humanos, mas para ser transformado em farinhas (‘fish meal’) satisfazendo o apetite insaciável da indústria de produção animal, ou seja, para alimentar essencialmente galinhas em vários pontos do globo.

Foto: Luís Custódia

O pinguim-do-Cabo alimenta-se sobretudo de peixes pelágicos ricos em gordura, como sardinhas e anchovas, que existem em enormes cardumes ao longo da plataforma continental daquela região. Nas últimas décadas a pesca intensiva, ou a sobrepesca, têm removido estes cardumes do seu meio a uma escala sem precedentes, levando ao declínio destas espécies que são fulcrais na estrutura ecológica destas águas.

Agora o pinguim-do-Cabo, com poucas ou quase nenhumas sardinhas e arenques para capturar, vira-se para outras espécies menos nutritivas como lulas e crustáceos. Ou então, são forçados a efetuar trajetos mais distantes para águas em busca das presas habituais, despendendo muito mais energia. Tudo isto tem tido um impacto negativo no sucesso reprodutivo.  

Para além da ameaça da sobrepesca, que lhe rouba o alimento, esta espécie ainda enfrenta os derramamentos de crude e a falta de locais adequados para nidificar. 

Projetos de conservação em curso têm tentado desesperadamente estancar este rombo nos efetivos populacionais da espécie. Os biólogos da conservação esforçam-se em estabelecer colónias, tanto em antigos locais como noutros onde o alimento existe com alguma abundância. Existem zonas que foram fechadas a qualquer tipo de pesca, como ao largo das Ilhas de Bird e St Croix, na África do Sul, tendo-se obtido resultados animadores. Constroem-se abrigos artificiais para proteger os ovos e as crias do sol escaldante e das tempestades e levam-se as crias subnutridas para centros de reabilitação. Todos estes atos são preciosos, na tentativa de desviar esta espécie do trilho percorrido anteriormente pelo conhecido Dodó.

Hoje comemora-se o Dia Mundial do Pinguim, esperando que não venha à memória das pessoas apenas os pinguins em exibição nos parques, aquários e outros equipamentos zoológicos. Que fiquem conscientes dos perigos que estas criaturas no estado selvagem enfrentam – como o pinguim-do-Cabo -, que devido à nossas atividades podem vir a desaparecer para sempre do seu ambiente natural.

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