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Quebra-ossos. Foto: Francesco Veronesi/Wiki Commons

Pela primeira vez em 100 anos alguém viu um quebra-ossos em Portugal

16.05.2018

Um quebra-ossos (Gypaetus barbatus) foi visto e captado em fotografia por um observador de aves alemão no Algarve. A última vez que alguém tinha visto esta espécie em Portugal terá sido no final do século XIX.

 

A notícia foi dada esta semana pela Fundação 4Vultures (VCF). “Finalmente aconteceu aquilo que os observadores de aves portugueses esperavam há tanto tempo: alguém viu um quebra-ossos em Portugal, a primeira observação no país desde o final do século XIX!”, escreveu a fundação em comunicado.

O quebra-ossos é um dos maiores abutres do Velho Mundo e está dado como extinto em Portugal. Não se conhecem registos da sua ocorrência desde o final do século XIX, segundo o livro “Aves de Portugal” (2010). O registo mais preciso é de 1888 quando duas aves foram abatidas no rio Guadiana. Os exemplares estão hoje no Museu de Zoologia da Universidade de Coimbra.

Depois, em 2011, houve registo da presença de três aves na Beira Interior e no Nordeste transmontano. E em Maio de 2015, uma fêmea vinda da Andaluzia e um dos abutres libertados no âmbito do projecto de reintrodução desta espécie naquela região de Espanha. Bujaraiza “adentrou-se muito pela zona Norte de Portugal”, onde ficou durante dois dias.

Mas estas aves nunca foram observadas nem registadas em fotografia; a sua presença foi notada por causa das informações dadas por dispositivos de geolocalização.

Agora, um observador de aves alemão fez chegar à VCF fotografias de um quebra-ossos subadulto no Algarve. “Numa das fotografias consegue-se ver uma anilha na ave. Por isso suspeitámos imediatamente que a ave é um dos abutres libertados no âmbito do projecto de reintrodução em Cazorla, na Andaluzia, 500 quilómetros a Este”, acrescenta a Fundação.

A VCF contactou os colegas espanhóis que confirmaram a identidade do quebra-ossos. É o abutre Rayo e esteve no Algarve a 6 e 7 de Maio. Curiosamente, Rayo foi libertado no mesmo dia de Bujaraiza, a 31 de Maio de 2014, e no mesmo local, no Parque Natural das Sierras de Cazorla, Segura e las Villas (Jaén).

O projecto de reintrodução do quebra-ossos na Andaluzia – de onde a espécie se extinguiu nos anos 80 do século XX devido aos envenenamentos e à perseguição humana directa – começou em 2006.

Até então só existia uma população em Espanha, a pirenaica. O cenário alterou-se com este projecto de reintrodução da espécie, impulsionado pela Junta de Andaluzia e pela Fundação Gypaetus. Desde então já foram libertadas 49 aves, todas com transmissores GPS de satélite.

Na segunda-feira, dia 14 de Maio, foi libertado o 50º quebra-ossos, na mesma área protegida de Cazorla. Estão previstas ainda as libertações de outros abutres, um a 22 de Maio e dois a 25 de Maio. Estes dois últimos serão reintroduzidos noutro local, no Parque Natural da Sierra de Castril.

Actualmente estima-se que existam dois casais reprodutores na natureza em Cazorla e outros dois que já estabeleceram territórios. Em 2015, um dos casais reprodutores – Blimunda e Tono – conseguiram a primeira cria nascida em liberdade desde a extinção da espécie na região. Este ano foi anunciado o nascimento da quarta cria, em liberdade desde o início do programa.

O quebra-ossos é o abutre mais ameaçado da Europa, onde se estima que existam hoje pouco mais de 200 casais, 130 dos quais em Espanha.

Em 2017 foram reintroduzidas na natureza 18 crias de quebra-ossos no âmbito de quatro projectos de conservação da espécie: seis na Andaluzia, duas na Córsega, quatro em Grands Causses/Massif Central e seis nos Alpes/Pré-Alpes.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais sobre o quebra-ossos:

Como é um quebra-ossos: esta é uma ave com quase três metros de envergadura de asa e até oito quilos de peso. A plumagem pode ser muito escura na sua fase juvenil e tornar-se mais clara com as sucessivas mudas. Mas talvez o que melhor a caracteriza são as barbas escuras perto do bico e o vermelho vivo em redor dos olhos.

Onde nidifica: nas saliências rochosas das grandes cadeias montanhosas.

O que significa o seu nome científico: em Latim, Gyp quer dizer abutre, aetus quer dizer águia e barbatus quer dizer com barba.

Alimenta-se de quê: esta ave é a única do planeta que se alimenta quase exclusivamente de ossos, principalmente de ungulados. Pode chegar a alimentar-se de ossos com 20 centímetros, que digere graças ao seu potente estômago. Quando não os consegue comer inteiros, agarra neles com as suas garras e lança-os de grandes alturas em zonas rochosas para os quebrar.

Quais as maiores populações de quebra-ossos na Europa: esta é uma espécie em perigo de extinção no Velho Continente. As maiores populações são as da cordilheira Pirenaica, da Córsega e Creta. A nível mundial, a União Internacional para a Conservação da Natureza classificou-a como Quase Ameaçada.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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