Conheça melhor este ilustrador naturalista, no dia em que lançamos a nova série “Peixe da Semana”. Saiba ainda algumas dicas e sugestões que o podem ajudar a desenhar estes animais marinhos.
WILDER: De onde vem a sua paixão pelos peixes marinhos?
Pedro Salgado: Convivi com o mar e os peixes desde criança. Em casa, havia muitos livros e revistas sobre mergulho e caça submarina. O meu pai foi um dos pioneiros em Portugal, aprendi com ele a mergulhar, a reconhecer as diferentes espécies e acompanhei-o muitas vezes em saídas para o mar com os pescadores da Ericeira, onde passei a minha infância.
Na praia, enquanto os meus amigos jogavam à bola, eu passava horas na maré vazia a explorar bicharada nas poças. Os peixinhos eram, para mim, a coisa mais fascinante do mundo e o (Jacques) Cousteau era o meu herói.
Há miúdos que são ávidos em reconhecer as marcas dos automóveis ou colecionar cromos, mesmo antes de aprender a ler. Eu também era assim, mas o meu foco era reconhecer as diferentes espécies de peixes.
W: Quando os começou a desenhar?
Pedro Salgado: Com cerca de 5 ou 6 anos. Alguns eram reconhecíveis, outros completamente inventados.
W: Como aprendeu a desenhar e a ilustrar estes animais?
Pedro Salgado: Gostava muito de desenhar, copiava as fotografias dos livros, conhecia os peixes pelo nome. A vontade de os desenhar surgiu desde pequeno, de forma natural, autodidata, com a ajuda da minha mãe, que pintava, e me ensinou a usar os materiais.
Mas só quando comecei a estudar Biologia na Faculdade de Ciências (da Universidade de Lisboa) é que senti a necessidade de os representar com todo o rigor, de forma sistemática, à medida que aprendia a reconhecer as estruturas importantes para identificar as espécies e as famílias na sua organização taxonómica. Limitava-me a copiar o melhor que conseguia as técnicas dos desenhos que via na bibliografia especializada. Só mais tarde, quando fui estudar ilustração científica para a Califórnia, aprendi a ilustrar de forma profissional, de acordo com as técnicas, metodologias, regras e práticas internacionais.
W: Porque mais o fascinam os peixes marinhos entre todas as espécies?
Pedro Salgado: Talvez por que os conheça melhor que outros grupos, talvez porque sempre estive mais perto do mar, se possível dentro de água. Aprendi a reconhecer as formas, mas também o seu comportamento e seu lugar nos ecossistemas marinhos. Sempre achei que os peixes marinhos eram mais interessantes, diversos e coloridos que os de água doce. Mas devo dizer que fui surpreendido pela incrível diversidade de peixes, com as formas mais bizarras, que tive oportunidade de observar na primeira vez que fui à Amazónia.
De qualquer forma, ao contrário do que muitos pensam, não há grupo de vertebrados com maior diversidade que os peixes. O seu número de espécies aproxima-se das 30.000, mais do que a soma de todas as espécies de anfíbios, répteis, aves e mamíferos.
W: O que gosta de transmitir com as suas ilustrações de peixes marinhos?
Pedro Salgado: Confesso que, em primeiro lugar, o que mais gosto é de os observar, só depois é que, eventualmente, penso em registar em desenho e assim entender melhor o que estou a ver. Quando desenho, descubro sempre algo novo.
Agora, o que gosto de transmitir, depende. Por um lado, numa perspetiva mais profissional, gosto de transmitir conhecimento, do desafio de conceber uma imagem rigorosa que, à partida, se adapte a um projeto de divulgação ou comunicação científica com características pré-definidas, conteúdos, formato e público a que se destina. Por outro lado, gosto de puxar a brasa à minha sardinha, de mostrar que os peixes (e não só) são animais incríveis, de grande beleza… E uma boa imagem cria empatias.
W: Pode dar algumas dicas e sugestões de como podemos começar a desenhar e ilustrar peixes do mar?
Pedro Salgado: Sejam peixes do mar ou de outra água qualquer, antes de fazer um traço, temos de começar por uma observação cuidada, procurando reconhecer as estruturas básicas que todos os peixes têm em comum: forma do corpo e detalhes da cabeça; número, forma e localização de todas as barbatanas e, por vezes, também das escamas. As cores só vêm depois.
A bem das proporções, será necessário fazer medições permanentemente, seja a “olho” num desenho mais livre, seja com o maior rigor possível para uma ilustração científica. A questão será, então, medir o quê.
Com o peixe deitado de lado, virado para a esquerda, podemos começar por traçar no papel uma linha reta que corresponde à linha imaginária que começa na ponta do focinho, passa ao longo corpo, a meio da cauda, até aos limites da barbatana caudal. Esse é o comprimento total. Partindo da extremidade da cabeça, medimos e anotamos nessa linha a posição dos vários elementos importantes para a construção do desenho: a distância até ao olho, diâmetro do olho e seu posicionamento na vertical acima ou abaixo da linha, o ponto do limite posterior do opérculo (corresponde ao comprimento da cabeça), o ponto de início e fim de cada barbatana (em representações de caracter científico, o tipo e número de raios de cada barbatana deverão ser contados). Ao longo da linha, medimos também na vertical e anotamos a altura do peixe em vários pontos, acima e abaixo desse eixo horizontal.
A partir daí, temos todos os pontos no seu lugar para poder afinar as formas num desenho, já com as proporções corretas. As cores só entram no jogo mais tarde, depois deste desenho preliminar estar concluído de forma satisfatória para o efeito pretendido.
W: Quais as principais características dos peixes que podemos representar num desenho?
Pedro Salgado: Numa ilustração científica de um peixe, não se desenha um indivíduo, não se faz um retrato. Produz-se uma imagem em que está presente o conjunto de características que identifica essa espécie, e representa-se um peixe típico dessa espécie e não um indivíduo-retrato (as formas são variáveis entre indivíduos, mediante fatores como a idade). Normas internacionais indicam que os peixes devem ser desenhados em vista lateral, mostrando o lado esquerdo (para melhor comparação entre si), com as barbatanas todas abertas (para evidenciar as suas formas e pigmentações, bem como o seu número e tipo de raios). As proporções do corpo, forma e localização de uma série de elementos (olhos, boca, narinas, opérculo, barbilhos, pupilas, linha lateral, disposição de escamas, etc.) deverão ser medidos, contados e representados com rigor. Curiosamente, na ilustração para a comunidade científica, o padrão de cor é um fator frequentemente secundário. Mas, quando a ilustração é concebida para o grande público reconhecer, e conhecer melhor, os peixes que vê nadar à sua frente nos tanques de um aquário, o uso da cor, o padrão de pigmentação do peixe, torna-se imprescindível.
W: De que forma nos pode ajudar o desenho a aproximar-nos da natureza?
Pedro Salgado: Como referi, para desenhar os peixes é importante aprender a conhecê-los, distinguir as suas diferentes formas, por vezes com alguma subtileza. O conhecimento da morfologia leva-nos a associar, por exemplo, a forma do corpo mais ou menos hidrodinâmica e a posição das barbatanas, à sua capacidade de natação. As características da cabeça e da boca indicam-nos determinada dieta e forma de vida.
O desenho, mesmo num registo de principiante, ajuda-nos a entender e valorizar a natureza, seja por simples empatia para com os seres vivos que aprendemos a conhecer melhor, seja pelo impacto visual que, na sua vertente estética, pode conquistar a atenção daqueles que, infelizmente, se afastaram demasiado do mundo natural.
Não resisto a citar Albert Durer, no seu “Tratado das Proporções”, há cerca de quinhentos anos: “Mais la vie dans la nature fais voir la veritée de ses choses. Aussi regarde-la avec application, dirige-toi d’après elle et ne quite pas la nature pour ton bon plaisir en pensant que tu trouveras mieux par toi-même, car tu t’égareras. Car l’art se trouve veritablement dans la nature: celui qui peut l’en extraire par son dessin, il le possède.”